Luiz
Orlando Carneiro
9.10.2001
Cultura
além do Itamaraty
Livro
recupera trajetória de diplomatas como João Cabral que
influenciaram a vida intelectual do país
Varnhagen,
Joaquim Nabuco, Gilberto Amado, Ribeiro Couto, Raul Bopp, Guimarães
Rosa, Antônio Houaiss, Vinicius de Moraes, João Cabral, José
Guilherme Merquior e mais seis outros grandes intelectuais que foram
diplomatas são os personagens de O Itamaraty na cultura
brasileira, livro de peso - nos dois sentidos da palavra -, que
será lançado hoje, em Brasília, em cerimônia presidida pelo
chanceler Celso Lafer.
O
livro tem 385 páginas, primorosa produção gráfica, importante
material fotográfico e iconográfico. Sua concepção deve-se a
outro diplomata-intelectual: o poeta, expert em cultura e
história africanas, e membro da Academia Brasileira de Letras
(ABL), Alberto da Costa e Silva - embaixador aposentado, que chefiou
as missões diplomáticas do Brasil na Nigéria, em Portugal e na
Colômbia, depois de ter sido chefe do Departamento Cultural do
Itamarati.
Intelectuais
- ''O
livro foi feito para registrar o papel que os diplomatas tiveram,
através dos tempos, na nossa cultura, na história, na literatura,
na música, na filologia. Escolhi os 16 pelo critério de estilos de
pessoas. Sobre eles, há 17 textos de outros
diplomatas-intelectuais, críticos, historiadores, poetas e
jornalistas. Vinicius de Moraes mereceu dois textos, porque foi,
além de diplomata-poeta, músico e boêmio convicto'', explica
Costa e Silva.
Como
''curador temático'' da obra, Alberto da Costa e Silva escreveu uma
introdução-ensaio sobre Diplomacia e cultura, a partir do
quadro de Hans Holbein retratando dois embaixadores. Na mesa, estão
''grossos livros, cartas geográficas, rolos de documentos, um
sextante, uma luneta, um compasso, um alaúde (...), uma porção de
objetos que parecem desligados entre si, mas que nos contam quem e
como eram aqueles homens bem vestidos, de barbas aparadas e de olhos
muito agudos, dos quais não se afasta uma certa tristeza ou um
certo cansaço diante do teatro do mundo''.
Os
objetos mudaram, mas o que se espera de um diplomata nem tanto,
três séculos depois da tela de Holbein, O jovem. ''As
pessoas e os países sempre esperam que os diplomatas sejam sua
melhor personificação possível lá fora'', observa o
embaixador-acadêmico. ''E, ao longo da história, os governantes
sempre procuraram intelectuais para bem representá-los no exterior.
Quanto mais cultos, melhor. Cultos, bonitos e ricos, melhor ainda'',
provoca Costa e Silva. ''Darius Milhaud e Paul Claudel, por exemplo,
foram diplomatas franceses que serviram no Brasil'', acrescenta.
Diplomacia
- O
embaixador e curador de O Itamaraty na cultura brasileira
procurou escolher nomes não em função da importância como
diplomatas (o Barão do Rio Branco não está na lista), mas como
figuras (todas já falecidas) que tiveram expressão na
intelectualidade brasileira. Alguns nem ligavam muito para a
diplomacia propriamente dita, como Guimarães Rosa e Vinicius de
Moraes. Antônio Houaiss entrou no livro não só por causa de sua
obra de filólogo, mas também por ter sido um diplomata perseguido
politicamente pelo regime militar em função de sua ideologia.
''Guimarães
Rosa tinha um enorme fascínio por outras geografias e por outras
culturas. Mas não queria retirar os pés do chão da pátria.
Talvez por temor de que a saudade lhe desfiasse a alma. Um temor que
em Ribeiro Couto (1898-1963) foi tão grande como a atração do
cais, que ele cantou com a mesma intensidade que a ausência do
país natal'', escreve Costa e Silva em seu pequeno ensaio que
introduz o livro.
Segundo
Costa e Silva, até a metade do século 20, não era raro que um
diplomata brasileiro passasse quase toda a carreira no exterior, sem
que perdesse o ''sentimento da pátria''. Foi o caso de Gilberto
Amado. ''Nenhum dedicou maior número de páginas à sua própria
vida, a entreter-se com os acontecimentos de seu tempo, do que
Gilberto Amado (1887-1969), por 20 anos representante do Brasil na
Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, em Genebra.
Poeta, romancista e ensaísta, os seus cinco volumes de memórias
compõem um grande retábulo da vida cotidiana, política e
intelectual da primeira metade do século 20. Talvez não fosse essa
sua ambição, mas estava a descrever o presente, o ontem e o
anteontem de sua vida como o faziam os pintores franceses após a
Revolução de 1789 - como se fosse história''.
Os
diplomatas selecionados pelo embaixador Alberto da Costa e Silva e
os autores das respectivas monografias são: Francisco Adolfo
Varnhagen (Arno Wehling, historiador); Brazílio Itiberê (Celso de
Tarso Pereira, diplomata); Joaquim Nabuco (Evaldo Cabral de Mello,
diplomata); Luiz Guimarães Júnior e Luiz Guimarães Filho (Sérgio
Marzagão Gesteira, professor universitário); Aluísio Azevedo
(Massaud Moisés, professor universitário); Domício Antônio
Forneiro (Alberto Venâncio Filho, da Academia Brasileira de
Letras); Manuel de Oliveira Lima (Carlos Guilherme Mota, historiador
e professor universitário); Gilberto Amado (André Seffrin,
jornalista, crítico literário); Ronald de Carvalho (Alexei Bueno,
poeta e crítico literário); Ribeiro Couto (Afonso Arinos de Melo
Franco Filho, diplomata); Raul Bopp (Antônio Carlos Secchin,
professor universitário); Guimarães Rosa (Felipe Fortuna,
diplomata); Antônio Houaiss (Leodegário de Azevedo Filho,
professor universitário); Vinicius de Moraes (Miguel Sanches,
jornalista e poeta; Ricardo Cravo Albin, crítico musical); João
Cabral de Melo Neto (Ivan Junqueira, poeta); José Guilherme
Merquior (José Mário Pereira, crítico literário e editor).
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