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César Leal


 

Minha águia

 

ó
Não
Não quero
Não quero perder
Não quero perder contato
Não quero perder contato com
Não quero perder contato com a
Não quero perder contato com a minha
Não quero perder contato com a minha Águia
ó não quero perder contato com a minha Águia !
S
S S
S S S
Sinto que ela voou para
céus tão altos
onde
se encontra agora ?
Que mãos lhe afagam as plumas
depois
de meu último
abraço
de meu último
beijo
de minha última
c
a
r
í
c
i
a

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Ticiano, Flora

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Nicodemos Sena

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

César Leal


 

Sutilíssimo eterno


Sutilíssimo eterno que habita
minhas saletas interiores
onde trago o tempo guardado
noturno e resignado


sutilíssimo eterno interior
que como um tálamo é
em minha alma limpa e sofrida
como água dormida em pedra


que eterna seiva alimenta
este tempo em mim retido
plumagem livre de flor
forma exata imperecível


sinto-te assim como um trunfo
branda coroa do eterno
além das nuvens, das águas
ouço o teu metal desperto


se existes no ser completo
na cinza móvel das sombras
por que retiras de mim
tudo o que em mim não é pântano?
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Grief of the Pasha

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Roberto Pompeu de Toledo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

César Leal


 

Análise da sombra


Analisa-se da sombra
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.


E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.


Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago


da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.


Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.
 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Elizabeth Marinheiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

César Leal


 

Homens e bois


Como um cruzador regressa
ao porto e vai descansar
das muitas fadigas funtas
em suas patas de radar,
regressam os bois ao curral
a mugir na cerração
do pó que as patas levantam
do lombo-azul do verão.
Marcham sempre organizados
— como em marcha um batalhão —
são tristes, magros e tristes
os magros bois do sertão.
Alguns morrem mesmo bois,
pescoço atado ao cambão,
outros morrem a morte de homens:
sangue a correr pelo chão.
Esse o destino dos dois
(homem ou boi, não importa o nome)
ambos morrem para matar
(dos canhões e homens) a fome.
 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Benedicto Ferri de Barros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

César Leal


 

Os dois semestres do Jaguaribe


Eis o Jaguaribe, rio
elegante, limpo e seco,
de janeiro à junho é água,
de julho a dezembro, areia.


É rio de muita força
e muito orgulho nas águas,
quando seco, é belo e manso;
cheio é feio e temerário.


Corre entre campos antigos,
entre móquens, molungus,
alvas roças de algodão,
gado açoreano e zebu.


Em janeiro suas águas
têm um brilho de metal,
mas em abril esse brilho
já começa a enferrujar,


todo em ferrugem vestido,
em meio o rio é vermelho,
finda junho e ele penetra
em seu semestre de areia.
 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

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Aleilton Fonseca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal de Tributos

César Leal


 

Vaqueiros


Erguendo as patas do solo ao cinto
vão os grandes cavalos,
em seu trote ligeiro,
pescoço em arco
sob as rédeas, as crinas agitadas
lembram o tremor brando
das palmeiras no estio. E os cavaleiros,
seguidos pelos cães pastores,
o pespontado couro sobre os ombros,
o guarda-peito, as luvas, as perneiras,


presas aos tornozelos, como se os pés
houvessem ganho caudas,
vêem-se os ferros das esporas,
com limpas rosas de espinhos,
rosas girantes a impulsionar o trote.


Todos conversam alegremente, alegres
conversam,
e treinam — ao retornar — junto
às cercas do curral...
saltando as ponteagudas estacas,
fazendo passar por baixo dos mourões
o cavalo solto a toda brida,
enquanto por cima eles saltam


para alcançar adiante a sela


e
      d
            e
                  s
                       c
                            e
                                  m


      o morro, qual rochedo em queda do
penhasco,
e atingem o vale, onde pastam os novilhos,
      e aos mais velozes escolhendo, vai
derrubando
a todos pela cauda,
      mostrando ao punho a própria força,
à jovem amada o seu valor
      e aos bois em grupo: o seu domínio.
 

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

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Cussy de Almeida