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Clevane Pessoa


 

Infância Perdida, Infância Roubada


-Não sei se perdida ou roubada,
por certo não pela própria vontade
a infância está diluída
num País de meia idade
vivendo em novo milênio...
Uns nas ruas, sem ter
para onde voltar,
outros cola a cheirar,
tantos trombadinhas a roubar
pertences alheios,
sem ter quem lhes direcione a vida...
No sinais, a vender balas, chicletes, frutas
E se não venderem o encomendado, cada um é surrado, humilhado e pode ir deitar sem comer...
Nas carvoarias, nas cozinhas,
em vez de soltar pipas,
Pular as amarelinhas,
Jogar bola e brincar de pique,
Trabalham além de seus limites,
Exaustos, queimados,cobrados...
Alguns são filhos de putas,
Outros são filhos de santas,
Muitos sofrem pela sedução,
Das drogas, do sexo precoce...
Abuso, estupro, prostituição,
Gravidez, aborto:meninas mulheres
fazem mil erros para ganhar o suficiente
Para o leite, para o pão...
Muitas jogadas fora
Quais cães sarnentos...
Quantas crianças alugadas, vendidas, desaparecidas...
Ao ver animaizinhos enjaulados
para serem vendidos,nos dias de hoje,
o que parece muito natural,
pois todos se esquecem
que é livre, o animal
não posso deixar de perguntar:
daqui a quantos anos, crianças enjauladas
para um livre comércio parecerão
aos nossos olhos então já acostumados,
algo muito natural?...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal de Filosofia

 

 

 

Clevane Pessoa


 

Costatando...


Eu, que nunca discrimino,
tratando a todos igual,
na mesma coluna assino
e uso o mesmo embornal,
fui cativa de assassino,
mas fugi,alada, afinal!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Clevane Pessoa


 

Ouro em 3D


Medalhas de ouro em três dimensões, ao cubo,
Para três Brasileiros:
Diego e Daniele Hypólito,
Ele,solo,
Magnífico
nos movimentos precisos,
De espantar,
A irmã, em sustentações incríveis(críveis!) na trave
E Daiane,
No solo,
Arrasa, ao som do “Brasileirinho”...
Essa menina freme,libélula olímpica,
Reiventando gestos...
O rapaz redimensiona
O tempo-espaço
,Daniele,
Qual rãzinha colorida,
Agarra-se em evoluções
E não-cai-não cai!...


Outros jovens nos presenteiam
com outras medalhas
nessa etapa carioca da Copa do Mundo:
Mosiah Rodrigues,
cavaleiro de um cavalo-de-pau,
com alças,
mantém os pulsos firmes
o corpo sob controle total...
ACamila Comin merece sua Prata na trave
Estica-se e voa,
Bela ave,
E em solo, alcança o bronze...
Não é pouco o Michel Conceição
lograr o sétimo lugar nas finas,
Em barra fixa e nas paralelas!


Se cantores fossem, ou artistas
De novela,
Provocariam maior frisson.
Mas atleta brasileiro
Tem sempre a Medalha invisível do esforço
E das conquistas sobre as dificuldades de tudo:
local para treino, patrocínio,
até às vezes, alimentação...
mas como evoluíram
ao ter seu nome clamado!
Agora,em especial,
Essa vitória ao cubo...
>*<>*<*>*<


(De crônicas em versos)_

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Clevane Pessoa


 

Kantháros(I)


A natureza
“ chovendo
a cântaros”...


Dentro de
meu âmago
meus prantos
são cantares
de fertilização...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

Clevane Pessoa


 

Ciclo


A fonte murmurante
O rio rumoroso
A cachoeira barulhenta
Todos errantes,
Participantes de uma orquestra
Cujo regente
Fica invisível à luz dos dias,
Oculto à luz do luar,
Torna-se dourado junto às luas claras...


Mais tarde,serão
Garoa
Neblina
Orvalho pranto:
Sutis presenças
Com lições de umidade,
De humildade,
De humanidade...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

Clevane Pessoa


 

Pensares


São meus pensamentos malabares
giram em espirais.
fazem volteios,
como nas guirlandas
que mesclam cipó e fitas
ou em caminhos de seios
contornados por carícias...
São meu pensamentos,cantares
Repetitivos como trinados
De muitos passarinhos
Ou desiguais quais aqueles
Que imitam os vizinhos
Na verdade, os produtos
Dessa minha algavaria
São traduções atávicas
E renascem reinventados
Dos labirintos da alma
Que não quer imitar sons
Que já foram emitidos:
Da siringe,os meus pios
Atingem longas distâncias
Para alcançar os demais...


Meus pensamentos são mares
De muita profundidade,
Mas que rasantes nas areias
Lambem o calor que encintram,
Ajudam a esfriar as orlas
Com suas ondas agitadas...
Às vezes fazem redemoinhos
Em caldeirão perigoso ...
Podem chegar a maremotos,
Em fenômenos encadeados,
Mas a maré esperada
Somente depende dos ciclos
Caprichosos das faces de dona lua...


Meus pensamentos são ninhos
Com ovos sempre a chocar
Esperando ver nascer
Novas vidas a trinar...


Meus pensamentos,
Ramalhetes de rosas
Lama de barro sagrado,
Nascentes e rios,
Fogos de artifício,fogueiras
Estrelas e parafusos...
Tear de tudo, roca e fusos
Artesanato de fitas e vime
Guirlandas de oferendas,
Nuvens macias e prenhes
Para a chuva na seara
Para o choro das pedras
Para o riso das montanhas
Para o grito das cavernas
Meus pensamentos interpretam
Tudo e todos, até a mim
Que apesar de tantas buscam
nem sequer sei quem sou...

 

 

 

 

 

09.06.2005