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Edmilson Sanches
POEMA SEM DATA
Poeta,
não dates teus versos.
Eles não carecem de dia
de nascimento
— pois que não têm hora
para morrer.
Ainda assim, o que pudesses datar
seria o gesto gráfico
literal
frásico
expressional.
Esquecerias por certo a gestação
incubação
hibernação.
Poeta,
teus versos não precisam
— nem dependem —
de cronografia;
também dispensam
genealogia:
o poema não tem pai,
e se tem mãe, é filho da puta,
filho de uma égua,
é santo do pé do pote,
nasceu no oco da palmeira,
pode ter vindo de carona
na bolsa marsupial
ou no bico da cegonha.
Poeta,
expele teu poema
antes que ele salte de ti
e sobreviva
à tua vida
(subvida,
sobrevida).
Entretanto, nada de dia
hora
mês
ano
local.
Os poemas estão por aí, soltos,
misturados à poesia.
Pegue-os.
Mas afasta deles
o gesto cartorário,
a mão tabeliã.
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SPARRING
Peguei o discípulo e, de supetão,
dei-lhe um bogue na cara,
um murro nos peitos,
um soco no estômago,
um chute nos ovos.
Dei-lhe pena
e papel.
E garanti-lhe um minuto
de silêncio
para que escrevesse
sob/re sua dor.
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DESEJO
Quero o poema simples
que se aproxime do povo
e afugente os críticos.
(Bem, talvez “afugente” não seja povo;
talvez seja melhor “afaste”
ou quem sabe “arrede”.)
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PERSIANA
Passam os foliões, passa a vida...
Não os agarra por quê, meu filho?
Acalma-te, mamãe, que o mundo gira
e os homens constróem casas.
(O poeta, absorto, visualiza a estante,
buscando nela uma vaga
para o seu próprio livro.)
Sou preso residente
fé esporte sé nado
preso/e/dente
generalizado.
(Depois vieram.
Vou preso prum cubículo:
Salafrário!
E compuseram
o orgulho dum currículo
literário.)
Censurada a minha mente,
meu escrito.
Mas, conquanto rudemente,
tenho dito!
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NIHIL NOVI...
Eu via o discípulo
ouvir do ancião:
“Não existe o velho nem o novo;
tudo é repetição
— inclusive sua dúvida, filho,
inclusive esta explicação
e os versos do poeta que nos espia”.
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POEMA A UM JOVEM POETA
Não se iluda.
Toda a história do mundo
se faz com poucas letras.
Todo poema
é só um verso
ou uma só palavra
ou meia
ou palavra e meia
(às vezes, apenas uma letra
ou a intenção dela).
Todo romance,
um só capítulo
um fim único
capitulado.
Nada é múltiplo e vário.
Todo tanto
todo tudo
tudo quanto
é uma só unidade
que se desfaz
na mente
e na mentira
dos homens
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POIS É
Chega a mulher
com aqueles olhos náufragos
— oceanos em que nos afundamos nus.
Aí chega mais perto;
o coração cora.
E bem pertinho
a face faz-se
rente à face
faceaface
manoamano
unoduo
pênispênsil.
O homem, besta, se poeta todo.
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PRESENÇA
Ele chegou, manso,
espumante.
Madrugada, duas horas.
Chuva caindo, chuva forte.
Vento soprando, do norte,
uivando, soluçando... morte.
Pegajoso, sem sono, sem dono,
incorporou-se.
E os livros feitos roupa de médico?
E as letras? Gastei-as eu?
Minha caneta:
Sem tinta? Não. Sem ponta. A tinta flui.
Vai colorir a massa cinzenta.
Talvez assim pense cousas belas.
E versos melhores.
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PRESOPOEMA
Hoje, que desgraça farei:
mato o presidente
ou me proclamo rei?
Faço desvio de influência?
tráfico de (oh!)posição?
sinto alta a indecência
livre na contramão?
Meto a mão no fundo bolso
pesquisando uma rima,
tirando dinheiro falso
e dando-o ao cego da esquina?
Critico a “democracia”?
seqüestro meu país?
rezo o pai/pão do dia
sugando o infeliz?
Tisno-me de branco?
atendo o bicha num rogo?
procuro meu canto
ou vira ficha do jogo?
Reclamo do salário
ou peço minha demissão?
(Não tem garantia meu trabalho
nem fundos a rescisão.)
Hoje, que desgraça farei:
mato o presidente
ou me proclamo rei?
(Faço charada:
Envernizei um pouco
o homem público. 2-2)
Proclamo-me rei
ou mato o presidente?
(Alguma desgraça farei
durante a noite silente.)
Que faço da roupa?
(Eu não nasci assim.)
Que faço da pele?
Que faço de mim?
Pinto o sete?
Toco em banda?
Dobro o frete?
Vou pra Uganda?
Processo o modo general?
Condeno a (falta de) União?
(Pleito e/lei/mortal litoral,
promessa é treva e aguilhão.)
Torno-me criança em cabaré?
Elejo cavalo “Seu Dotô”?
Trepo morro pensando em muié?
Ponho barba preta no meu vô?
Sou preso residente
fé esporte sé nado
preso/e/dente
generalizado.
(Depois vieram.
Vou preso prum cubículo:
Salafrário!
E compuseram
o orgulho dum currículo
literário.)
Censurada a minha mente,
meu escrito.
Mas, conquanto rudemente,
tenho dito!
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VERDADEIRAMENTE
Contra o cidadão,
o pior dos males é a violência.
A pior violência, a mentira.
A pior mentira, a mentira política
–– pois dela derivam todos
os outros males e mentiras.
Sei, bem sei, que se mente
até involuntariamente
inocentemente
inconscientemente.
Mente-se religiosamente.
Mente-se jornalisticamente.
Mas, principalmente, mente-se
politicamente
e, politicamente, mente-se
freqüentemente.
E porque mente assim assiduamente,
já não mente o político sorrateiramente,
“respeitosamente”:
ele mente deslavadamente
descaradamente
de-sa-ver-go-nha-da/mente
E por mentir –– politicamente ––
tão repetidamente,
tão constantemente,
o político mente... impunemente.
E porque se mente –– especialmente politicamente ––
tão impunemente,
chegamos à conclusão de que
–– paradoxalmente ––
já não vivemos em um País de mentira:
vivemos em um País... demente.
Cidadão,
chegou a hora da verdade.
Ao votar na eleição,
não minta para você mesmo.
Vote com consciência.
Vote verdadeiramente.
Vote como quem dá uma porrada.
Pois pelo jeito, só assim, um dia,
toda mentira será castigada.
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