Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Edmilson Sanches

edmilsonsanches@uol.com.br

 

 

Sandro Botticelli, Saint Augustine, Ognissanti's Church, Firenze

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Micheliny Verunschk

 

Xenia Antunes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Albrecht Dürer, Germany, Study of praying hands

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Victor Mikhailovich Vasnetsov, Rússia, 1848-1926, The Knight at the Crossroads

 

 

 

 

 

 

 

 

Culpa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um cronômetro para piscinas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

 

 

 

 

 

 

 

 

Elaine Pauvolid

 

 

 

 

 

 

 

 

Xenia Antunes

Edmilson Sanches


 

POEMA SEM DATA

 

 

 

Poeta,

não dates teus versos.

Eles não carecem de dia

de nascimento

— pois que não têm hora

para morrer.

 

Ainda assim, o que pudesses datar

seria o gesto gráfico

literal

frásico

expressional.

 

Esquecerias por certo a gestação

incubação

hibernação.

 

 

Poeta,

teus versos não precisam

— nem dependem —

de cronografia;

também dispensam

genealogia:

o poema não tem pai,

e se tem mãe, é filho da puta,

filho de uma égua,

é santo do pé do pote,

nasceu no oco da palmeira,

pode ter vindo de carona

na bolsa marsupial

ou no bico da cegonha.

 

 

Poeta,

expele teu poema

antes que ele salte de ti

e sobreviva

à tua vida

(subvida,

sobrevida).

 

Entretanto, nada de dia

hora

mês

ano

local.

 

Os poemas estão por aí, soltos,

misturados à poesia.

 

Pegue-os.

Mas afasta deles

o gesto cartorário,

a mão tabeliã.

 

 

 

 

SPARRING

 

Peguei o discípulo e, de supetão,

dei-lhe um bogue na cara,

um murro nos peitos,

um soco no estômago,

um chute nos ovos.

 

Dei-lhe pena

e papel.

 

 

E garanti-lhe um minuto

de silêncio

para que escrevesse

sob/re sua dor.

 

 

 

 

 DESEJO

 

Quero o poema simples

que se aproxime do povo

e afugente os críticos.

 

 

(Bem, talvez “afugente” não seja povo;

talvez seja melhor “afaste”

ou quem sabe “arrede”.)

 

 

 

 

PERSIANA     

  

Passam os foliões, passa a vida...

Não os agarra por quê, meu filho?

Acalma-te, mamãe, que o mundo gira

e os homens constróem casas.

 

 

(O poeta, absorto, visualiza a estante,

buscando nela uma vaga

para o seu próprio livro.)

 

 

Sou preso residente

fé  esporte  sé  nado

preso/e/dente

generalizado.

 

 

(Depois vieram.

Vou preso prum cubículo:

 

 

Salafrário!

 

 

E compuseram

o orgulho dum currículo

literário.)

 

 

Censurada a minha mente,

meu escrito.

 

Mas, conquanto rudemente,

tenho dito!

 

 

NIHIL NOVI...

  

Eu via o discípulo

ouvir do ancião:

“Não existe o velho nem o novo;

tudo é repetição

 

— inclusive sua dúvida, filho,

 

inclusive esta explicação

e os versos do poeta que nos espia”.

 

 

 

POEMA A UM JOVEM POETA

 

 

Não se iluda.

Toda a história do mundo

se faz com poucas letras.

 

 

Todo poema

é só um verso

ou uma só palavra

ou meia

ou palavra e meia

(às vezes, apenas uma letra

ou a intenção dela).

 

 

Todo romance,

um só capítulo

um fim único

capitulado.

 

 

Nada é múltiplo e vário.

Todo tanto

todo tudo

tudo quanto

é uma só unidade

que se desfaz

na mente

e na mentira

dos homens

 

 

POIS É

 

Chega a mulher

com aqueles olhos náufragos

— oceanos em que nos afundamos nus.

 

Aí chega mais perto;

o coração cora.

 

E bem pertinho

a face faz-se

rente à face

faceaface

manoamano

unoduo

pênispênsil.

 

O homem, besta, se poeta todo.

 

 

PRESENÇA

 

 

Ele chegou, manso,

espumante.

 

Madrugada, duas horas.

Chuva caindo, chuva forte.

 

Vento soprando, do norte,

uivando, soluçando... morte.

 

Pegajoso, sem sono, sem dono,

incorporou-se.

 

E os livros feitos roupa de médico?

E as letras? Gastei-as eu?

 

Minha caneta:

Sem tinta? Não. Sem ponta. A tinta flui.

 

Vai colorir a massa cinzenta.

Talvez assim pense cousas belas.

 

 

E versos melhores.

 

 

 

PRESOPOEMA

 

Hoje, que desgraça farei:

mato o presidente

ou me proclamo rei?

 

 

Faço desvio de influência?

tráfico de (oh!)posição?

sinto alta a indecência

livre na contramão?

 

 

Meto a mão no fundo bolso

pesquisando uma rima,

tirando dinheiro falso

e dando-o ao cego da esquina?

 

 

Critico a “democracia”?

seqüestro meu país?

rezo o pai/pão do dia

sugando o infeliz?

 

 

Tisno-me de branco?

atendo o bicha num rogo?

procuro meu canto

ou vira ficha do jogo?

 

 

Reclamo do salário

ou peço minha demissão?

(Não tem garantia meu trabalho

nem fundos a rescisão.)

 

 

Hoje, que desgraça farei:

mato o presidente

ou me proclamo rei?

 

 

(Faço charada:

Envernizei um pouco

o homem público. 2-2)

 

 

Proclamo-me rei

ou mato o presidente?

(Alguma desgraça farei

durante a noite silente.)

 

 

Que faço da roupa?

(Eu não nasci assim.)

Que faço da pele?

Que faço de mim?

 

 

Pinto o sete?

Toco em banda?

Dobro o frete?

Vou pra Uganda?

 

 

Processo o modo general?

Condeno a (falta de) União?

(Pleito e/lei/mortal litoral,

promessa é treva e aguilhão.)

 

 

Torno-me criança em cabaré?

Elejo cavalo “Seu Dotô”?

Trepo morro pensando em muié?

Ponho barba preta no meu vô?

 

 

Sou preso residente

fé  esporte sé  nado

preso/e/dente

generalizado.

 

 

(Depois vieram.

Vou preso prum cubículo:

Salafrário!

 

 

E compuseram

o orgulho dum currículo

literário.)

 

 

Censurada a minha mente,

meu escrito.

Mas, conquanto rudemente,

tenho dito!

 

 

 

 VERDADEIRAMENTE

  

Contra o cidadão,

o pior dos males é a violência.

A pior violência, a mentira.

A pior mentira, a mentira política

–– pois dela derivam todos

os outros males e mentiras.

 

 

Sei, bem sei, que se mente

até involuntariamente

inocentemente

inconscientemente.

 

Mente-se religiosamente.

Mente-se jornalisticamente.

Mas, principalmente, mente-se

politicamente

e, politicamente, mente-se

freqüentemente.

 

E porque mente assim assiduamente,

já não mente o político sorrateiramente,

“respeitosamente”:

ele mente deslavadamente

                 descaradamente

                 de-sa-ver-go-nha-da/mente

 

E por mentir  –– politicamente ––

tão repetidamente,

tão constantemente,

o político mente... impunemente.

E porque se mente  –– especialmente politicamente ––

tão impunemente,

chegamos à conclusão de que

–– paradoxalmente ––

já não vivemos em um País de mentira:

 

vivemos em um País... demente.

 

 

Cidadão,

chegou a hora da verdade.

 

Ao votar na eleição,

não minta para você mesmo.

 

Vote com consciência.

Vote verdadeiramente.

Vote como quem dá uma porrada.

 

 

Pois pelo jeito, só assim, um dia,

toda mentira será castigada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4.3.2007