Mauro Mendes |
From:
Mauro Mendes
To:
Soares Feitosa
Sent: Sunday, May 29, 2005 11:59 PM
Subject: Re: Compadre Mauro, espie nisto
Caro amigo Feitosa, Não só espiei mas gostei demais até! Um (São) Francisco de chinelas de currulepo, saído, poeticamente, de "PSI", entrevistando um outro SF (este, digamos, nem tão santo assim...) de sandálias de rabicho e levando um banho de sertão, como eu levei e levará quem quer que leia, é uma profecia de Isaías! Currulepo, currulepo! Só nordestino conhece isto, não há onomatopéia mais perfeita! E o Psi grego, o candelabro? É a explicação "clássica", definitiva, do mandacaru! Quem puder me mostre outra! Mas não é só divertida a "entrevista", não. Apesar da linguagem jocosa, você faz um mergulho profundo no passado, uma análise psicológica de experiências difíceis da infância. A "entrevista" parece apenas brincadeira, mas não é só a perna que dói por causa do caminhar, não; há outras dores, (bem superadas), escondidas nas entrelinhas... Aos 15 anos, eu também ajudava missa lá pelo Barro Vermelho e me lembro do "Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth" (Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos). Não deixa de ser desconfortável refletir sobre isto, hoje: um Javé guerreiro, belicoso, sanguinário, para o qual, inocentemente, a gente tocava a campainha... Pichelengo, pichelengo! E a estrada de Canindé? "centenas de carros, indo e vindo. A luz que vem, a luz que vai. Vruummm! E um bocado de gente a lorotar. Claro que o seu animal não virá nunca". Eu já imaginava isto, mas, por saudosismo, continuarei a me lembrar apenas daquela estrada onde "quem é rico anda em burrico e quem é pobre anda a pé", como, há pouco tempo, alguns matutos contaram ao poeta Virgílio... Será que ele acreditou? Da próxima vez que for peregrinar, leve, sim, o incenso e a mirra, mas não se esqueça do turíbulo, para espalhar... E não se esqueça também do hissope, para aspergir... Você, verdadeiramente, fez a passagem do sertão para o mar! Um grande abraço! Mauro Mendes |
Maria de Lourdes Hortas |
Essa sua viagem é deslumbrante. Dá vontade da gente seguir o seu exemplo e botar o pé na estrada, descobrindo "o nosso animal", tendo esses alumbramentos todos que você tão bem descreve, viagem em nossa própria companhia, debaixo do céu pesado de estrelas, varando a noite do mundo. Muito obrigada por não me esquecer. Lhe quero bem. Abraço grande. Maria de Lourdes Hortas |
Aline Aparecida Lages Tomás Coelho |
Chico, Bom dia! Isso me fez recortar o tempo em que morava no interior, na zona rural, e estudava na cidade. A semelhança é ainda maior quando ia passar as férias no rancho do meu avó que era distante de tudo. Lá se ouvia só o barulho dos bichos. Me lembro que quando tinha um zum zum de avião bem distante, ficávamos loucos correndo pelo terreiro para vermos o avião no céu, só um pontinho bem pequeno. Tive uma infância e adolescência dos deuses. Sinto saudades deste tempo. Hoje, sonhei que estava de volta para meu mato na garupa do trem. Foi fantástico! Chico, antes de abrir meu e-mail estava pensando a quem recorrer para obter uma ajuda. Juro que pensei em você e quando abro meu e-mail lá estava um recato seu. Eu vou fazer um personagem, uma empregada doméstica, e a duração do esquete são de três minutos. É um humor e tenho que criar a fala e o estilo do personagem. Já pensei em várias coisas: como a empregada matuta, a empregada fofoqueira, a que só lamenta e daí por diante. Gostaria de uma sugestão sua e uma ajuda na criação das falas. Teria como você me dar uma luz? Hoje, é o meu ensaio e durante a semana inteira não consegui criar nada. Aguardo um retorno seu. Beijos
Aline |
João Soares Neto |
Li de um chouto só a sua peregrinação-entrevista-poema. Li com alegria. A alegria que dá ao sentir que uma pessoa capaz pode sair da sua fazenda e na Fazenda ser douto. Li com pena de não ser o entrevistador e de ter sido menino de cidade, sem o sacrifício que dá o tutano que sai dos ossos do duro ofício de peregrinar por toda a vida. Li e vi que um domador de cavalos se metamorfoseou em domador de palavras, ajustando-as em seu natural saber, sem precisar enfeitar. Elas estão no seu matulão. É só ir tirando e dispondo no papel imaginário que é a tela. Li que sua trajetória é tão rica que a inveja que têm sofrido por seu poetar é até, se possível, desculpável. Li que "avistar coisas de esperança muito larga é tentar-se ao desistir". Mas, não desistir é ser um Camões da terra braba dos sertões e isso você o fez: "Dar novos mundos ao mundo". Parabéns e respeitos do João Soares Neto |
Carmen Cinira |
Soares: Li seu texto com certa curiosidade. Agradou-me uma espécie de intermitência do dentro-fora/ de sombra-e-luz. É preciso reler. Carmen Cinira
|
Ana Peluso |
Edson,
Esse
texto é uma releitura-intercomunicação com o texto de Soares Feitosa. Uma espécie de
interlóquio. Beijão! Ana
Um relato de uma peregrinação adolescente
Para um certo Francisco, saído de um livro, é mesmo difícil compreender a peregrinação fransciscana do escritor. Aliás, um personagem nunca conhece seu criador o suficiente, para lhe medir as léguas caminhadas entre a casa e o saber que só a vida traz. Só depois de pronto, é que personagem e autor se confrontam, montando guarda (ambos) numa entrevista em que Kant é lembrado e redescoberto, pelo simples fato de contar a mais pura verdade. E de maratona em maratona, sem medo (é claro! isso lá nunca foi coisa de Franciscos!), vai Francisco, o criador, poeta, profeta, sem peixeira, sem lanterna, impaciente por chegar (chegar aonde, Francisco; chegar porquê? - ainda que se explique, a dor do poeta é sempre a questão). O que dizer quando se faz companhia na peregrinação? Quando se vê cada relva; sente-se cada espera? Quando se está em cada canto, até o momento em que a alma de gato confessa, salta e ganha tempo: ela(s) e os livros do juiz. E ganha-se o galope do cavalo Meia Noite, sem medo de intempéries, sem cansaço ou religiões. Ganha-se o mundo por perdê-lo em cada inspiração-expiração, em cada pulsar do meio-dia, em cada estrela cadente que nos lembra do fim de tudo(?). Existirá mesmo o fim? Existirão mesmo peregrinações como essas que Franciscos e mais alguns (e aí, talvez, eu inclua muitos outros) fazem dentro e fora de si mesmos? Não, não há de existir o medo da morte. Travessias curtas são ressurreições, por que, talvez, somente os ressurrectos tenham o direito à ligeireza de um momento-átomo. Porque apenas quem viu a morte cedo demais, sabe dos momentos longos de convivência com ela, como saudade, por toda uma vida. E quem se ilumina, pelas peregrinações pré-coroadas de coragem, não vai realmente de Nova-Russas à fazenda Catuana; o contrário é sempre mais atraente, e já se está iluminado demais para fazer outro caminho. Já se viu de tudo, muito, para voltar atrás. Já se fez coroa de ramos e lírios, já se embriagou de esperança até a última célula. E pelos poros, já se goteja toda a sorte de poemas que ainda não se sabem. Latentes, como o homem era latente no menino, antes de certo Francisco sair do livro e tomar a palavra, em forma de perguntas. Curioso, esse personagem, pois não? Um boa-noite – é de lei. E de quebra, a admiração que lhe faz companhia, nessa investida contra-mão que se chama vida. Ana Peluso
Nota do Editor: O texto comentado foi publicado no Cronopios, muito bem freqüentado por Ana Peluso. Basta clicar! |
Adriles Ulhoa Filho |
|
From:
adriles
To:
Soares Feitosa
Sent: Saturday, June 11, 2005 3:10 PM
Subject: Re: Poeta, boa noite
Poeta Soares Feitosa, Peregrinei com você as 7 léguas da Fazenda Catuana até Nova Russas. Maratona completada sem cansaço algum, pois alimentei-me do muito do seu bornal de sabedoria e inteligência, bebi e tomei refrescante banho nas poucas e mornas águas do rio Acaraú. Não me doeram os pés, nem minha pobre coluna cheia de bicos-de-papagaio. Da questão 64 até a 98 andei silente, mas firme ao seu lado. Andei com você acompanhados da enriquecedora solidão da estrada, do bom do eu-sozinho. Andei, também, olhando o céu de milhões de estrelas (vi as cadentes a quem fizestes pedidos, e acho que todos foram atendidos lhe dando tanta sabedoria e inteligência). Vi nascer a sentença seguinte, que ouso transcrever como poema, numa parceria ausente:
Parabéns, amigo
Um abraço do
Adriles Ulhoa Filho
|
|
Vicente Franz Cecim |
Elidia Maria Franzin |
Querido poeta, me perguntas quando volto. Mas se nunca saí?! E não só. Meu coração lateja aí por dentro, no peito do JP. Outro dia, os três goianos contigo e eu, juntos duas vezes, mais de uma hora cada vez, que gosto devagar. Depois peguei-me no Zé Alcides, de coração pendido, acho que os dois, e ficamos em ménage à trois, bastante. E tem que te falo a todo mundo, essa oferenda que me transborda e passo adiante. Te louvo a poesia, homem-poema inusitado, cinqüenta anos sob sete chaves até explodir assustado, fagulhas por todos os lados. Hoje, emocionada, fiz a noite de Catuana à Nova Russas. De início, receosa, enfrentara o sol, tua poesia, depois, a bagagem, imaginei teu peso interior. Não tentei mudar de ombro. Resignei. E então caí em grande espanto ao ver que tuas estrelas não tinha pontas, só muita luz nos olhos e boca. Seguimos. Tentei prolongar a noite, ou o caminho, que fosse, sem preocupar de encontrar meu animal. Estava abismada num rei, teoricamente reinava nele, com posse de sua água, com tempo de sobra no rio Acaraú, um banho longo. Foi nesse instante. Poesia e poeta, um ponto único. Nem aves noturnas, nem estrelas cadentes, nenhuma palavra mansa. Em voz grave, solo, o Magníficat! Meu querido poeta, tem sim quem ande com o sol. Ou o sol, te vai no rasto? Grande beijo Elidia
|
Carlos Roberto Lacerda |
Li, com prazer, "Do relato de uma peregrinação adolescente", que teve a gentileza de enviar. É literatura de alto nível. Se concluiu, publique. Exclua, se achar conveniente, o "perguntador". Não haverá prejuízo para a literariedade do texto. Um forte abraço. Carlos Roberto Lacerda |
Abilio Terra Júnior |
From:
Abilio Terra Junior
Sent: Saturday, June 10, 2005 21:319
Subject: Do Relato de uma Peregrinação Adolescente.
Prezado Poeta Soares Feitosa, Esta conversa entre Francisco, o personagem de um poema longo, PSI, A PENÚLTIMA, e o seu autor, um certo SF, que também é Francisco, é, acima de tudo, um relato, passo a passo, de uma iniciação espiritual, psíquica ou psicológica, de acordo com a preferência e a formação de cada um, de um jovem sertanejo. Ele e a natureza, só e mais ninguém. O negrume da noite, que não é tão negro no sertão, as estrelas que pontilham o céu, os contornos das casas, espaçadas, das árvores, dos arbustos, os cães sorrateiros, zelosos dos seus deveres, mas respeitosos dos seus limites. E, dentro dele, a coragem que permanece como uma guardiã altaneira e amiga, a certeza da chegada, o cansaço que o impulsiona em vez de o abater, o prazer que se sente em uma comunhão íntima com a natureza e com o seu próprio ser e a descoberta de que ambos comungam juntos de uma transcendência última, além de quaisquer convenções. E o encontro com o animal, que salta como um raio dos estertores da alma e se apresenta, puro e luzidio, como o seu poder mais oculto e latente, um feixe de músculos, pêlos compactos, olhos que tudo vêem, ouvidos que tudo ouvem, um sexto sentido aguçado ao último grau, e, sobretudo, um senso psíquico que compreende as leis da natureza e as leis que regem a sua formação, dele, jovem sertanejo. E este segredo permanece guardado para sempre em cada célula do seu corpo e na sabedoria que ele leva pela sua vida afora. E o resplendor do sol o atinge e o traz de novo ao mundo das casas e do aglomerado humano. E ele sabe, intimamente, que nem a igreja e nem a escola lhe trarão sequer um dízimo desta sabedoria. Um magistral texto, Poeta SF, aceite o meu abraço. Abilio Terra Junior |
Floriano Martins |
From:
Floriano Martins
To:
Soares Feitosa
Sent: Sunday, June 12, 2005 10:12 AM
Subject: Floriano Martins
Ficou uma lindeza, mas tem horas em que o perguntador fala do mesmo jeito (mesmo sotaque, digamos) que o entrevistado, a menos que não ligues para essa distinção. A idéia ao misturar personagens não é outra senão possibilidades de recorrer a gêneros distintos - reportagem, ensaio, crônica, narrativa -, mas sendo, no frigir, uma voz única, ops, um eu sozinho, refletindo sobre dada circunstância e a observando sob ângulos (visões) distintos. Daí que estamos de pleno acordo, e só falei aquilo mode chamar a atenção para o caso de deslize, para o caso de não seres adepto do velho Platão. O diálogo da andarilhagem, delicioso. Abraxas Floriano |
Edson Bueno de Camargo |
Soares Feitosa escreveu:
Caro SF Tenho viajado muito tempo, de um lado para outro sem saber exatamente para onde estou indo. O de bom é que encontramos grandes amigos, companheiros de viajem. Muito interessante aquela constatação da máxima de Kant, do céu estrelado, o sertão tem destas coisas de filosofia, tem mais verdade em paus e pedras, pele de lagarto, fogo fátuo, do que em muitas univer(c)idades, onde pomposos professores e doutores se reúnem para discutir o nada. Lembra também o poeta John Keats, andando a pé pelos caminhos pedregosos da Escócia. Caçando fantasmas e sombras secas, o sertão da Escócia e o sertão dos Cearás, são um grande nada ás vezes, a diferença é que na Escócia chove. Falaste da companhia da solidão. o negócio estranho estar em companhia da danada. Nunca larga a gente, nem nos mais remotos rincões, nem em reuniões abarrotadas de gentes. Outra grande constatação é a da figura história ilibada de Joaquim Nabuco, esquecido até de seus pares, e um grande construtor não só para a causa do fim da escravidão, como deste país que é nosso. Edson Bueno de Camargo Mauá - SP Peregrinando pelos caminhos do ciberespaço.
|
Adriana Zaparolli |
From:
adriana zapparoli
Sent: Sunday, June 12, 2005 11:10 AM
Subject: "Do relato de uma peregrinação adolescente"
Do relato de uma peregrinação adolescente
Meu querido, o seu texto é divino, de tornar o mundo mais lírico! É assim que você escreve!
Fragmento Sobre o Medo
Nenhum
Alma-de-gato
Ela
- reinantes
E o medo nenhum!
|
Rodolfo Lopes |
Do relato de uma
peregrinação adolescente Voltei no tempo, meus 7, meus 15, meus 17 anos. O interior de Minas, Sul, a Mantiqueira, roça, sem luz, matas, luz de lamparina de querosene... E as longas caminhadas por trilhas, só, pé procurando o outro pé sem nunca se acharem, carimbando o solo empoeirado com a marca do pés descalços, ou poucas vezes calçado, que o vento se encarregava de ir atrás apagando, ou amassando o barro formado pela chuva, atravessando as poças d'água, os riachos, talvez uma pinguela com um bambu na horizontal servindo de corrimão, mas indo sempre em frente por longas distâncias, indo de lugar nenhum a nenhum lugar pois que os povoados eram insignificantes.
A noite de lua cheia, clara que até dava
para ler alguma coisa, ou então noite de lua nova com o céu tão cheio de
estrelas que não havia nele espaço para colocar sequer a ponta do dedo. Sempre chegava ao destino. E se voltava, inteiro, de alma lavada, pronto para outra caminhada. Os de hoje não sabem o que é isto. Muitos nem sabem que o leite que tomam em casa saiu das tetas de uma vaca, de uma cabra... Abraços! Rodolfo
|