Joaquim Alves
VINTE poemas de amor
extraídos do livro, ainda
inédito,
“Do amor... já pouco se sabe”
1
aqui, onde o silêncio se instala
e os nervos pedem água
aqui
começa a terra que a lua
desconhece
aqui
onde parece pouco haver
para dar
é o azul da esperança
que resiste
aqui
entre o cinza das tardes
e o sol que volta
a brilhar teimosamente
nas manhãs que se seguem
aqui
será que ainda há gaivotas no
tejo?
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2
Junto de novo a mão direita
à sombra do ombro
que me ampara
desconheço a trajectória dos sonhos
que se foram
há uma arte de falar
desta ânsia que se instala
no centro do grito
deixem que as mãos se unam
que as crianças gritem
e saltem em tentativa
de apanharem o arco-íris
do espaço
será que é proibido
desejar o azul
nos teus olhos?
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3
Conhecem o amor e a paixão
simples os olhares puros nas fontes
a frescura permanente da terra
os arbustos que florescem
em cada primavera
não conhecem as cidades
para quê
se tudo aqui é miséria
multiplicada por decreto
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4
Os cumes das montanhas bailam connosco
vêm ouvir-nos entoar as canções
que amamos no entendimento de darmos
mãos
e ouvidos e estultos sentimentos de
agora
depois erguem-se um pouco mais
e de novo nos espreitam e perguntam
como é possível estarmos aqui
e eles lá em cima
onde o sol é mais meigo
e o corpo mais leve se torna
riem-se
não conhecem a nossa dificuldade
e a rir amigos se tormam
da nossa tentativa
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5
regresso ao teu olhar
quero colher-me de ti
entender as canções
que trago escondidas
e não sei revelar
colhe-me tu também
inventa o banho mais seguro
para recuperar este embalo de doidos
na noite mais longa
das mãos dadas em direcções
todas as direcções
sem preço
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6
e não nos dão sossego
avança
entra
está aqui o banquete
víboras
abutres
papagaios do desespero
não nos dão a lua
não nos dão momentos
nunca cumprem
promessas
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7
ah esta coragem
a raiva
em desconcerto com o tempo
que não se acalma
mais e mais
e cresce
e ganha proporções
de loucura maior
perante tamanha potência
dos homens
só o negócio conheço
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8
uma música quase de anjos
chega-me da tua voz
suspensa na árvore
que deu flores
coloridas
intensas e quentes
quase em chamas
simbiose da dor e do orvalho
em manhãs dias noites
e tardes de insónias
por desvendar
que música
que estúpidos
os anjos
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9
um grito levanta-se da noite
para dizer
quebra todas as barreiras rapaz
destrói todas as prisões do medo
os silêncios inúteis
imerecidos
em tempo de lua cheia
lança-te nessa maré de luz rapaz
e colhe fios de areia fina
faz colares de cristal
e oferece-os à tua amada
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10
Há uma dor
que não tem limite ou cura
não não tem
cravada no mais fundo da loucura
sobe à garganta
invade a mão
é como se estivéssemos possessos
e sem nada possuirmos
a não ser essa dor
que não tem limite ou cura
apenas um sorriso
inesperadamente aberto
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11
ficar
ou ir contigo
a diferença
entre encontrar-me
e perder-me
onde
não sei se estou
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12
queria prolongar-me na paisagem
que no interior existe
do teu olhar intensamente luminoso
penetrar na insondável floresta
que em ti se alimenta
nas verdes fibras
inquebráveis teias
de abraços tenros
em primavera de beijos
por vezes
em ti
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13
perpétua é a sombra
porque há luz
e o silêncio habita
onde não chegam
os passos
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14
dos teus olhos
salta a onda de terra
que rebenta
em minhas mãos
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15
às vezes os olhos são felizes
correm pelo rosto
baixam ao peito
erguem-se à chuva
lançam-se ao mar
procuram lágrimas perdidas
das longas ausências
sem desespero
às vezes os olhos são felizes
e fazem milagres em segredo
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16
dos teus ombros
corre a água fértil
fresca sossegada
a água do espanto
e da surpresa
dos teus ombros
a esperança
dos momentos que são lua
e recompensa
de tudo o que possa falhar
dos teus ombros
a beleza
de todos os percursos
que são olhos
e fonte
de mistérios
de ti
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17
rompo todos os limites
o início de uma loucura nova
em veias repletas de segredos
e sombras
de homem
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18
não mais ao tempo
nunca a esta memória
que se entrelaça e consome
como se fosse alga
nem quente nem fria
no meio da noite vazia
regressa já alegria
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19
como a pedra
também o rio
à procura
do
equilíbrio
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20
Entre ti e o orvalho natural dos dias
que distância medir
companheira
deste tempo desnaturado
reunimo-nos em volta da mesa
à espera de nomes para almoçarmos
entre a música e os dedos agitados
e os mil segredos que se descobrem
revelam a cada passo
como entender sinfonias do sentir
coisas de dentro fora de compasso
entre ti e o sol enevoado
apenas a água explica o verde
que povoa o nosso abraço
como viver aqui
agora sem espaço
sem ti
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