Luiz Paulo Santana
Caro Poema:
Removo sólidas palavras.
Quem sabe me pespontes
como pérola,
na ponta da língua,
(um “piercing”),
a palavra que nunca foi dita,
que sendo nova, ao menos inaudita,
faça da vida fonte renovada.
Mas encontro palavras sob palavras.
São escombros de tantas construções,
que embora removidos lentamente
nada desconstroem.
Devo dar novos nomes a tantas
velhas palavras?
Poderia obter outra textura,
forma, som, envergadura,
e não seria ainda
a mesma casa?
Palavras removidas não desaparecem,
são sólidas,
como um tijolo quebrado ou um caco de telha,
(ninguém diz que é caco de tijolo,
diz-se que é meio ou pedaço),
ao mesmo tempo em que ouço, é um caco de vidro,
é um caco de louça, é um caco de gente,
(cada palavra com seu sortilégio)
esse último caco surge e surpreende,
faz deter a mão,
senão que menos sólida a palavra gente
põe-se entre os cacos sem indulgência
enquanto caco em meio à cacaria,
mas tudo o que é caco temo que seja
caco de gente.
Palavras removidas se deslocam
na sua acepção:
a qualidade de um caco é decorrente
da coisa inteira em que se compreende: gente,
telha, vidro, um caco não é nada
sem esse pertence.
Palavras removidas ganham movimento,
criando o tempo e toda relação:
pedaço de tijolo que é tijolo e é barro,
tijolo que é parede,
caco de telha, que é telha e é calor,
telha que é telhado,
pedra que é pedra e é suor e serve ao alicerce,
caco de gente, que é gente e a tudo serve,
servindo-se a si mesma e em cada coisa
e, enfim, tudo converge:
poema, sólida casa de palavras removidas;
casa, habitação de gente e de palavras sólidas;
palavra: pau pra toda obra.
Poema, poema,
tua matéria prima está em toda a parte:
o mundo é sólido e palavra,
o que não é sólido é movimento e palavra,
o que não é sólido nem movimento é... palavra.
Poema, casa de palavras removidas.
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