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Mário Hélio 

Poussin, The Empire of Flora

   

 

 

 


Quarto grito: Sol incompleto


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Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

 

Bernini, Apollo and Dafne, detail

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

 

Mário Hélio


 

I (Sol incompleto)


a manhã
lilases lilases
perdizes e avestruzes
aprisionadas em minha mente
e as marcas dorvalho descoram descrentes
na minha casa o sol é incompleto
o dia cresce na face e a noite nasce
para-
lela-
mente
porque não há escolha
no templo há somente hastes e naves inconseqüentes
as flores não nascem
existem pura e simplesmente
porque não há escolha


a manhã recebeu a angústia
dos primeiros raios que ressecam as folhas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

 

 

 

Mário Hélio


 

II (Persianas)


a cor da dúvida na pele
repele muitos carinhos
e as linhas compostas
em muitos caminhos
diferem apenas do homem sozinho
de estar-se solto e completo
apesar de ver de perto do mundo o outro mundor
que só engana ao homem só e às persianas
às vezes os ziguezagues tortos apelam às diferenças
e às divisões que as mentes fazem
mas o que eles ignoram
é que os cérebros apenas conhecem as diferenças
entre as cousas e as lousas
que eles ignoram
o instinto de bicho do homem só
e das múltiplas multidões aglomeradas em torno dele
e das lânguidas e insensíveis persianas
um homem fica mais só quando reflete
é assim que ficam todos os homens sós
e a solidão
mero deserto entre a palavra e o chão
estranha hora entre o clarão e a aurora
o teu aéreo olhar
que medes a distância
entre o provável e o improvável
e tudo sabes
o que não sabes é o sol que esconde
ou ofusca quem sabe a dor e a sede do homem só
e o linho das linhas das alheias persianas

 

 

 

Ticiano, Magdalena

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Carmen Rocha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Mário Hélio


 

III (Bird)


a fragata espera na porta do circo
lábicos tão fechados
bocas entreabertas a ponto de gritar
a fraca esperança espera na porta do coração
lábios tão fechados
bocas entreabertas a ponto de gritar
mas não há gritos
nem haverá

 

 

 

Baloubet du Rouet, campeoníssimo de Rodrigo Pessoa

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Rosalice Scherffius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

Mário Hélio


 

IV (Vegeptil)


lâmina de carne
carne de aço
expássaro vidrarte
rasga esse deus
tira a tua parte
o mundo é teu
a morte é uma arte
domina a dor
sereia de corpo na mão
centauro de nuvens azuis
braços nas mãos
lábios no fóssil
seios de vidro
musicacústica
baobás barrocos
vegetanimal
almas de metal
armas de ar puro
bizâncio lustral
cavaleiro eleito
nas mãos o cavalo
traga esse deus
arte da arte
a morte é uma parte
o mundo é teu

 

 

 

Culpa

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Cida Sepúlveda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Mário Hélio


 

V (Esparsa)


desculpa meu edgar poe
mas talvez a tua dor
não tenha sensibilizado os nossos corações
meu caro edgar
mas ensinam muito
a quem tem mente e a quem não tem também
é pela sede de alguma coisa a mais
que buscamos refúgio no verso
só por isso
meu raro edgar
é para regar as nossas almas
para preencher velhos esparsos
somos os que pintam a morte
o medo de muitos
a dor de muitos
tamanhos
confusos horários
daqui à tua terra
à eternidade
até a eternidade
espero que não haja barreiras
desculpe meu claro edgar
mas esqueci que se eu errasse o caminho
só ouviria um longínquo pavoroso
silêncio
não despertem quem pensa

 

 

 

Um esboço de Da Vinci

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Ana Peluso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

Mário Hélio


 

VI (Litografia)


que voz sopra os sons
nessas horas sincopadas
no silêncio dos homens?
que voz assoprará
o assombro
o sombrio ressumbro
os sobrolhos selvagens
da solidão?
e sobrará um silvo
seda e sono solto.

 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

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Marília Gonçalves

 

 

11.05.2006