Márcio Catunda
Incitação ao não-combate
Sabes tu, soldado néscio,
que essa metralhadora te tornará um homicida?
Sabes o que colherás por matares os teus próprios irmãos?
Sabes tu, soldado néscio,
que com cada tiros que disparas
assumes a condição de assassino?
Sabes que foste treinado para cometer crimes,
para ser um infrator de códigos penais,
réu perante as leis humanas e divinas?
Não te envergonha, soldado néscio,
carregar essa metralhadora com que privarás de viver
um semelhante teu?
Que a morte da tua vítima pode ser a morte de órfãos
que padecerão fome e desespero?
Que pagarás por todo sofrimento causado às famílias enlutadas, [cuja
dor
com igual intensidade sentirás um dia?
Não te impressiona o choro convulsivo das viúvas e mães
por causa de teus disparos?
Não desconfias de que o teu gesto produzirá miséria e doença
e que és responsável pelos cadáveres que forjares,
pela infâmia que semearás com tuas tristes mãos,
essas mesmas mãos que deram pão e vida a teus filhos,
à tua mulher, aos teus irmãos?
Não te comove a expectativa de que te matem
e seja tua família relegada ao abandono e à pobreza,
que teus filhos ou tua mãe estejam rezando ou chorando,
Ó insensato imbecil?
Acaso não tens sentimento, és uma máquina,
uma máquina de matar?
Mas se tens a mínima consciência
de que produzes a tua própria desgraça,
de que é uma tragédia partires do teu lar
rumo a uma terra ensanguentada,
em obediência a monstros odientos,
e se te reconheces um pária louco,
manipulado por megalômanos idiotas,
submisso a esses enganadores,
livra-te dessa escravidão maldita,
permite a ti mesmo a trégua definitiva,
volta-te a teu próprio juízo,
pára de proceder alucinadamente!
Verás quanto alívio em despojar-te de tão miserável fardo!
Verás que o teu maior triunfo poder ser a deserção!
Teu mais inteligente ato, recusar a violência!
Teu único heroísmo será abominar as armas,
e com a vitoriosa coragem de deixar viver,
ajudarás a repartir víveres
e abraçarás os que costumavas ver como inimigos.
E só então vencerás verdadeiramente,
pois desempenharás a missão mais alta
de cuidar das feridas que provocaste.
Consolarás os que afligiste,
e te perdoarás pelos crimes que perpetraste.
Depois, regressarás gloriosamente ao teu país,
guardando uma recordação da terra inóspita
onde te mandaram guerrear.
E já não serás um soldado néscio.
Serás um herói da paz.
|