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Mariano da Rosa


 

O Sol e o Homem - Predestinação Versus Livre-Arbítrio



Religioso e imutável em sua órbita,
escravo do Tempo - que expressa e determina,
oculta-se atrás da grandeza manifesta
ao alcance da visão humana... e, contudo,
inatingível quanto a própria natureza
quando, inalcançável, a sua luz a revela,
terrível e perigosa, necessária embora
à manutenção da terrenal existência!

Sagrado pelo fato de ficar ileso,
alheio ao sofrimento, alienado, mudo,
cumprindo eficaz o mandado divino,
distinguindo-se assim por habitar dois mundos,
a despeito do autocentrismo do percurso,
mesmo sendo celestial em seu destino,
de incógnita origem - equação matemática:
como hoje é visto, fez-se, desde o início!...

Sujeitando a si satélites e planetas,
inclusive aqueles que, eqüidistantes, fogem,
como Júpiter ou Plutão que, indiferentes,
ritualizam o heliocêntrico rumo,
reunidos a Mercúrio, Netuno, Vênus...
na superintendência que outorga o Divino
diante da Via Láctea e do mundo físico
- desde a mais ínfima partícula da massa!

Este é o Sol, que espanto e medo provoca,
visto o poder que exerce, ilimitado quase,
condensando o assombro da combustão dos gases,
que menos impacto causa que o tênue homem (...):
O astro-rei nada pensa, ou sente, ou quer... nem erra...
em sua pessoal e incônscia trajetória...
enquanto tudo pensa, e sente, e quer – o homem
que erra, e porque tem consciência pode, tanto

transformar-se em um diabo, ou anjo, ou humano:
depende do exercício que fizer do arbítrio!


(extraído do livro "O Todo Essencial". Universitária Editora. Lisboa, Portugal)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Mariano da Rosa


 

Confissão


Confesso-te que a sofrida erosão da carne
que à débil derme impõe rugas de expressão,
e expõe rotas de uma emoção à flor da pele (...),
dando vazão a rimas de suor e sangue,
indeléveis rastros do agônico pretérito (...),
não será mais do que uma artística imagem,
uma pintura iluminista - uma razão
para amar-te mais do que um místico devoto
diante da heróica sina: o desafio
de ser madona e monalisa - ao mesmo tempo !

Confesso-te que o sintomático cansaço
- a taquicardia... a sofreguidão do espasmo,.
não se tornará um protesto sem-resposta,
apelo sem-socorro, intraduzível eco (...),
nem um monólogo religioso, a reza
- de uma vítima de guerra um consolo, único (...),
mas será como um murmúrio dentro de um bosque,
quando, soprano, o vento um hino vocaliza,
diante da sinfônica arbórea!... Amar-te
será como reger uma Orquestra de Cordas !!!

Confesso-te que a letargia patológica
que anestesia o "ímpeto-do-sou" do ego
e o fomento do prazer sensorialista,
subtraindo da volição o seu sentido,
não se tornará uma cantiga elegíaca
- uma assimétrica ode autobiográfica,
o intérmino ensaio de um profético réquiem (...),
mas a audição noturna de um lírico largo
que torna o crepúsculo em prelúdio da aurora,
do adverbial-sempre substantivando o amor!...

Confesso-te que amar-te não será um “ismo”
- sufixo temporalístico do Eterno,
nem um platônico ou epicurista dogma,
epílogo de um shakespreariano idílio (...),
mas a gestação cardíaca do empírico,
mais forte do que a macrobiose do Tempo
- um neurológico e endócrino sentimento;
será maior que nós dois juntos somos, ambos
diametralmante opostos – e semelhantes:
um tornando-se refém, e dono, do outro !!!


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

Mariano da Rosa


 

Psicoterapia (Divina)


Eu prefiro a dor de uma crise terapêutica
do que a doença - o mal da sua inexistência (...);
de superar-se sempre - o eterno desafio,
do que o ócio infértil da estagnação fatal
que uma condição edênica pressupõe,
nada exigindo do súdito da Ilusão,
a não ser o equilíbrio inconsciente e falso!

A dor motiva, estimula, incita o humano
(Quem suportá-la sabe, e quer, e pode, e insiste!),
como criatura autorealizando o ser,
incapaz que torna-se, então, de destruí-lo!!!
A crise fomenta e expande a psicologia
se enfrentada for, enfim, pela consciência
como um desígnio positivo do Destino!

Ah! Se importa sofrer durante um breve tempo,
seja que motivo possa causá-lo, saibas
que, resistido, se inclinará à premissa
que, verossímil, mostra a lógica divina
(que injusto seria em privilegiar outro,
privando-te do que, embora plural, é teu!)
- que transforma o veneno em antídoto, e a presa

em senhora dos efeitos do livre-arbítrio!


 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Mariano da Rosa


 

Madrugada Urbana


I PARTE

A escuridão urbana tudo torna análago:
os antônimos em sinonímias transforma,
as antíteses geométricas em símbolos
metafóricos que densificam as formas,
consubstanciando o estereótipo físico
da imagem - que materializa-se, disforme,
sob o véu que uma dimensão de luto veste!...

A escravidão urbana tudo identifica:
não depende do regime, da estação
- se na tirania do inverno, do verão...
se no outono democrático, liberal...
e até no socialismo primaveril...
se-quando o Poder cede às suas vis tendências
de egoistificar-se, imperializando-se!...

Onde estão as carnívoras rosas vermelhas,
e os férteis parasitas do jardim urbano,
e os portões de ferro - as grades da imposição,
e o destino do trânsito da oposição,
e os subalternos porões das castas abjetas,
e os sótãos - refúgio dos sanguinários corvos,
habitat das águias... éden aristocrático

da sociedade do Terceiro Milênio?!...
Estrelas?! Só no céu que ainda o lume espelha!
Não há contrastes. Não há confrontos. Só breu.
Não há arco-íris depois do temporal...
pois o sol fugiu e, de madrugada, ao léu,
que existência pode haver, artificial,
se tudo cai no anonimato - mesmo eu!...

II PARTE

Quem está na esquina senão uma escultura,
um totem tecnológico, um ídolo urbano,
um mecânico artifício?! (Engenho humano?!)
E que figura é esta a mover-se intrusa
no sagrado altar da pirâmide moderna?!
É um humano ou um robô?! É uma estátua?!
(Um reflexo, uma sombra ou uma silhueta?!).

Pois quem está na rua?! (O que?! - senão um carro...
senão borracha e aço, vidro e gasolina:
um protótipo de vida! Onde está o homem?!).
Onde e como distinguir o certo e o errado
se as trevas obscurecem a definição?!
Quem é o bandido e o herói da história (?!),
se a madrugada, enfim, é tão contraditória:

omite o óbvio - e revela o que não o é;
sepulta e ressucita o sonho e a ilusão,
atribuindo a mesma origem e fim a ambos
- se entre estes extremos a consciência nasce
como a irresistida alvorada futurista
que expele lava de esperança nas entranhas
na gestação que o tempo faz da liberdade!

(à mercê da qual a igualdade manifesta-se,
pois tanto a falta quanto o exagerar daquela
no aborto desta última culminará!
Quando - e onde - sobreviver poderá?! Como?!).
Quem, afinal, está atrás da vítrea tela,
do luminescente vídeo, etéreo, fosfórico.,.
que, microscópica, uma animação demonstra

fantasmagoricamente intergaláctica?!
Um angélico-humanóide terrenal?!
Ou uma terrígena criatura cósmica?!
A imagem e semelhança da Divindade?!
Ou um mitológico ser-semi-humano?!
Um descendente da raça - ou um ancestral?!
A escuridão da madrugada a tudo iguala!

Que mundo! Que madrugada! Que escravidão!


 

 

 

Da Vinci, Cabeça de mulher, estudo

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Mariano da Rosa


 

Algo Assim


I parte: “NÃO”


Não! Não te quero como uma nuvem sem-forma,
Que não tem rosto, lábios, voz ou coração...
Que, de tão inodora ou incolor, repugna,
Por ser menos terrena – mais celestial!

Nem como uma flor de exotismo extraterrestre
- De exangue, eucêntrica e autocrática beleza,
Que, de tão transcendente, desnaturaliza-se,
Sendo mais metafísico o prazer (botânico?)!

Nem como um rio que de si nunca deságua,
Que não transborda jamais... Nem mesmo tem fim...
Que, enquanto escoa, todo alienado esvai-se
Pelo rumo de um atemporal “sempre-cósmico”!

Nem como a mítica personagem da ninfa
Que me faz mais fictício – enfim, menos humano:
Sem sensório ou tórax ou entranhas sexuais...
Embora “sem-visão”, tornando-me só "olhos"!


II parte: “PORÉM”


Quero-te, porém, inescapável aos nervos,
Sem tornar-se um sagrado objeto de culto
Que reclame uma neurótica devoção,
Em nome de uma paixão – um amor-fetiche!

E, ainda, instintivamente bárbaro, enquanto...
Embora vulnerável aos sentidos físicos!...
Humana, desde a consciência psico-orgânica
Que consagra a mulher como fêmea do homem!

Porém, imprevisível ao cérebro quero-te
- inconteste e súbita, tanto quanto (...), quando
Possessiva, tal qual uma gota de ácido,
Uma bebida etílica, um alucinógeno!!!

E, ainda, como um desafio entre os extremos
Quero-te – entre o absolutista medo e o desejo
De tornar-nos: Eu, menos do que um senhor (teu);
Tu, mais do que refém – e nós dois, ambos, cúmplices!!!


 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Mariano da Rosa


 

Patogenia de uma Ausência



Nem a solidão toda a tua ausência pode (...),
nem toda uma saudade o lembrar justifica
- é mais do que um auto-expressar-se da memória,
é mais do que uma doença psicossomática,
o asfixiante nó que, nevrálgico, explode
diante do aborto cirúrgico da história!

É todo um querer de ser-o-que-não-se-soube (...),
de sentir tudo quanto - quando - não se pôde:
uma síndrome de abstinência psico-física
que absorve - da derme ao cerne, do corpo à mente (...),
que reclama o objeto, enfim, tanto quanto o verbo,
que forma-se no Indicativo (e no Presente!).

Não é um religiosístico arrepender-se (...),
que absolve a alma humana - e o ser diviniza,
restituindo toda a autoconsciência!...
É uma liturgia autogestativa
que o dualismo antagônico sacraliza,
ambos, macho e fêmea, tornando homogêneos!!!

Ah ! É o irromper de um vulcânico vazio:
uma abissal fome (...), uma desértica sede (...) ;
uma hemorrágica sensação de não
que faz do sonho um órfão, do desejo um náufrago (...)
- sintomático destino: amorose aguda
(patogenia de uma ausência – inesquecida!).


(extraído do livro "O Todo Essencial". Universitária Editora. Lisboa, Portugal)

 

 

 

Leonardo da Vinci, Embrião

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Regine Limaverde

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Mariano da Rosa


 

Clamor


Grite!...
Até que as manhãs de domingo ressuscitem
Como um guerreiro militar oriental,
Antes do naufrágio da nave cronológica,
Da subversão do Norte (...), da anarquia crônica (...)!

Grite!...
Até que das árvores a seiva goteje,
Submergindo as planícies urbanas (...), os vales (...);
Antes da exaustão das oceânicas fontes,
Da desertificação irremediável!!!

Grite!...
Até que se fragmentem todos os espelhos
Em mil estilhaços, inencontráveis cacos (...);
Antes do irrecuperável eclipse das lâmpadas
Que abortará sem dó a gestativa imagem!

Grite!...
Até que as grades de ferro dos “nãos” inclinem-se
Diante dos “porquês” da igualdade humana,
Antes que os mártires tornem-se mitológicos:
Sem filhos ou viúvas (...), ou até discípulos!

Grite!...
Até que a fome seja um primitivo código,
Limitado às arqueológicas fronteiras,
Antes do genocídio do Capitalismo
Que torna um canibal moderno a sua vítima!!!

Grite!...
Até que as pedras das muralhas despedacem-se
Diante dos olhos dos seus próprios artífices,
Antes que as nódoas de sangue desapareçam
Sob a ação dos protozoários pós-modernos!

Grite!...
Até que as pontes, portas e degraus ressurjam
Como um caminho para qualquer peregrino,
Antes da extinção dessa milenar espécie
Que como “dessemelhante” subjuga o próximo!

Grite!...
Até que a terra um edênico nicho torne-se
- Um histórico berço, não um mausoléu,
Antes do decreto da paz apocalíptica,
Da autodestrutividade em seu cerne implícita!

Grite!...
Até que a voz torne-se um cavernoso eco
- Dos porões endócrinos até os nevrálgicos,
Antes do abissal silêncio do vácuo cósmico,
Do “na-da” (ou do “tu-do”?!), que tanto desespera!!!

Grite!...
Até que o humano alcance a autoconsciência,
O estado último da existência terrena,
Antes da degradação da macrobiose
Que igual torna todos os seres biológicos!


 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

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Vânia Diniz

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Mariano da Rosa


 

Volúpia



Quero amar-te toda:
Com a indômita vontade
De um pré-histórico ser “quase-em-extinção”,
E a áspera sede de qualquer moribundo,
E a fome de um urso que, solitário, ruge...
Das vísceras vomitando ácida fúria!

Quero amar-te assim:
Com as cirúrgicas mãos
De um escultor medieval, “renascentista”...
E o instinto mamífero de um corpo divino,
E a mítica presença de um querubim – anjo,
Que a mais crua e sanguínea paixão sacraliza!

Quero amar-te então:
Com a alma metafísica
De um ente iluminado – Encarnação do Sonho,
E o gênio hermético do “Homo Sapiens”,
E o carnivorismo inato do “Homo Ferus”
- Que incorpora a presa em senhora transformando-a!

Quero amar-te enfim:
Com os uivos monossilábicos
De um ébrio anônimo - mendicante e nômade...
E as interjeições – os “ais” - de um recém-nascido,
E as gestuais onomatopéias de um mágico
Sem escrúpulos afetivos!

Quero amar-te mais:
Como uma antiga nau de guerra
No ancoradouro dos teus braços;
Como a onipotente raiz
No subterrâneo do teu ventre;
Como um vulcão intermitente
Agonizando em teus joelhos;
Como um escravo – “réu-confesso”,
No auto-exílio da tua carne!...

Quero amar-te: Até
Que não haja vítima alguma,
entre nós dois – somente cúmplices!!!



(extraído do livro "Húmus" - inédito)

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Slave market

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Teresa Schiappa

 

 

 

18/07/2006