Osvaldo Chaves
MADRIGAL PARA OS 80 ANOS DO PADRE OSVALDO CHAVES
Está dito
que as coisas e os homens ficam velhos
que as perspectivas se tornam objetos
e as esperanças terminam em desfechos venturosos ou sombrios.
Entretanto,
o mundo poupou algumas coisas
da obrigação fatal do envelhecer.
Os sonhos, por exemplo, os belos sonhos, nunca prescrevem:
transformam-se em esperanças mais afoitas.
As manhãs ansiosas
podem virar tardes fagueiras
e a noite é uma crioula ardente
à procura de seu prometido,
o novo amanhecer.
A memória,
essa mola retesada,
quando se dispara para trás
nos arremessa ao país da infância/adolescência.
E é nesse território deslumbrante
que encontramos
a cal a pedra de nossa alvenaria.
No velho casarão da Betânia
as coisas são eternas.
As paredes são sólidas, imponentes,
e os seus tijolos estão em nós
organizando a nossa construção.
Entre corredores e pátios
um pilar se destaca
como um obelisco de desbravador.
É um marco filosófico e telúrico
e tem a solidez daquelas construções
feitas por Dom José.
Sua argamassa é de pedra moída
misturada a pavanas e canções
e está plantado em nossa alma
na praça principal
marcando os tensos passos do destino.
O olhar do tempo tem agulhas
e agudas emoções
que se atiram ferinas sobre nós
e nos desdobram a vida,
velha madrinha das contradições.
Mas ele está ali
simples e luminoso como sempre
preservado em sua serenidade,
ecoando lições e apontando caminhos.
É a nossa coluna,
a Torre de Alexandria,
e sempre lhe sobrou
luz e sabedoria.
A torre é o nosso mestre, o Padre Osvaldo.
E ao grande mestre
os marinheiros voltam pressurosos.
Buscam lições que não ficaram antigas
buscam claros exemplos e as palavras
densas de vida e cor de suas cantigas.
Nas verdes manhãs de outrora
ele chegava exultante
para tecer o porvir.
E da porta saudava a todos
Salvete, salvete, pueri!!!
Salve, salve, oh meninos!!!
Padre-mestre,
nós somos os meninos.
Aqueles mesmos das severas tardes
retorcidos de medos e espantos.
Temos medo que nos olhes nos olhos e descubras
que não nos esmeramos no cumprimento das tarefas dadas.
Temos medo que vejas
o caderno amassado por oscilações
e os traços, nem sempre retilíneos,
que nós pusemos a rabiscar no mundo.
Temos medo
de não ter aprendido a distinguir
a verdade, da fábula
a pedra, da nuvem
a palha, do linho
o vitral, da masmorra
a humildade do sim, da arrogância do não
a sutileza, do disfarce cínico
a autenticidade, da brutalidade
o prazer da vida, da libertinagem
a fé teológica, do medo de Deus
o mistério dogmático, do enigma banal.
Sabes tudo dos homens e da vida
enxergas longe, além do hodierno
sabes do céu, sabes da terra
dás notícia do prisco e do moderno
do transitório e do eterno.
Sabes dos sinos
e, ao escutá-los,
ritimas os lamentos e as canções.
E como o arauto fitando o litoral
proclamas das torres da Prainha
o sonho medieval.
Quantas pedras no meio do caminho,
pedras drumondianas,
postas ali para interpor o teu chão.
E sobre todas elas deste o salto,
o salto impávido dos que têm razão.
Os parvos vão ficando pelas margens
e enquanto isso
vais pedalando a tua bicicleta.
A sorte te acompanha e vai dizendo:
Pedala firme, meu poeta!
Teu coração é o eixo metafísico
que aguenta as rodas dessa bicicleta
uma é real e a piçarra invade,
mas a outra faz um rastro transcendente
nas finas terras da sublimidade.
Tens uma pátria, a Granja dos Séculos,
onde perambulou o menino Osvaldo,
filho de Manuel e Maria.
Da juventude de sonhos e procuras
nunca encontraste, talvez, naquela praia
o corpo da afogada.
E nós te acompanhávamos nessa busca
nas ondas da enseada
pelas brisas e cais:
Oh Lucidia, onde estás?
Dos eleitos da fé és sacerdote,
sacerdos in aeternum,
e abres caminhos entre puros e néscios,
que a todos, bons e maus, tens de salvar:
Sou sacerdote, deixem-me passar!!!
Não ficaste na cela, como um monge asceta
porque não és agrimensor de solidões:
És um homem do mundo semeando
os legumes de Deus nos corações.
Tua poesia é um pasto de gramíneas
ou uma novilha prenha de ternuras
um bando de asas-brancas alvissareiras
o vôo nupcial das tanajuras.
Teu verso é puro e honesto
um verso honrado
que rima com tua vida transparente
sai da alma certeiro e encomendado
para alegrar e consertar a gente.
És um país, Osvaldo, uma nação
civilizada e de lúcido perfil
onde tremula uma bandeira verde
cheia de constelações, bandeira rica,
que quanto mais verde é mais brasileira fica,
Bandeira do Brasil.
E ao nos despregarmos
da aridez metálica deste tempo insípido
e nos renovar
na graça esplêndida de teus oitenta anos,
tocamos, novamente,
a túnica inconsútil de tua honradez,
requerendo:
Ainda somos os meninos da Betânia
assustados diante do destino
e vivendo a liturgia desta emoção.
Mestre, dá-nos a mão:
Somos os teus meninos.
SOBRAL, 2003.
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