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Péricles Eugênio da S. Ramos

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

 

Da Vinci, Homem vitruviano

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Péricles Eugênio da S. Ramos


 

Bio-bibliografia


Péricles Eugênio da Silva Ramos (Lorena SP, 1919 - São Paulo SP, 1992). Teve seus primeiros poemas publicados no jornal carioca Diário de Notícias, em 1936. Estudou Direito em São Paulo, concluindo o curso em 1943. Na faculdade, ocorreu a publicação de seus poemas na antologia Poesia Sob as Arcadas, organizada, em 1940, por Ulysses Guimarães. Em 1947 fundou a Revista Brasileira de Poesia, com Domingos Carvalho da Silva e João Acioli, entre outros. Criou, a partir da revista, o Clube de Poesia de São Paulo, do qual foi presidente em 1952 e entre 1958 e 1963. Nos anos seguintes traduziu várias obras, entre elas poemas de Byron, François Villon e Góngora. Também organizou antologias de diversos poetas e publicou os livros de ensaios O Verso Romântico e Outros Ensaios e Do Barroco ao Modernismo. Entre 1966 e 1992 lecionou Literatura Portuguesa e Técnica Redatorial na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Em 1970 exerceu o cargo de diretor técnico do Conselho Estadual de Cultura; foi um dos criadores do Museu de Arte Sacra de São Paulo, do Museu da Imagem e do Som e do Museu da Casa Brasileira. Recebeu, em 1988, o prêmio de Poesia, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo livro A Noite da Memória (1988). Sua obra poética, vinculada à terceira geração do Modernismo, inclui os livros Lamentação Floral (1946), Sol sem Tempo (1953), Lua de Ontem (1960), Futuro (1968) e Poesia quase Completa (1972). A respeito de sua obra, o poeta Cassiano Ricardo escreveu: "pela natureza mesma de vossa poesia, tanto em Lamentação Floral como em Sol Sem Tempo, sois um criador de figuras não só de linguagem senão ainda de figuras corpóreas: 'remarei sobre teus seios, galera branca de lua'.".


Fonte: Itaú Cultural
 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Péricles Eugênio da S. Ramos


 

Dezessete horas


1
Arde a tarde,
nua.

Nua como um rosto,
nua como um seio
no ar.

2

Há um rumor
nos troncos
maduros de mel.

Zumbe a noite

(a noite? A noite),

zumbe a noite,
opaca. Misteriosa. Indevassável.

Próxima.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

Péricles Eugênio da S. Ramos


 

Duas Horas ou Da vida


Silêncio. Escuridão.
Um grito
em meio às trevas.

Um grito rápido. Um grito triste.
Lâmina.

Por que rápido? Por que triste?

E de novo o silêncio:
nenhuma explicação.



 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rubens, Julgamento de Paris

 

 

 

 

 

Péricles Eugênio da S. Ramos


 

Joana Madalena


1

Cega, chuleava roupa.
Não via, mas chuleava.
E tinha noventa
anos. E era
cega.

Hoje talvez enxergue;
mas as cinzas não trabalham.

2

És a lua de ontem,
minha avó.
Ausente à vista, certa na memória;
tranquila na lembrança
como o pão e a roupa,
os livros que me deste.

E és um presente ao homem,
àquele que hoje sou,
feito de velhos dias:

com teus lençóis sem mancha
nas tardes de Lorena —
onde há lençóis, nuvens lavadas
em céus também lavados.

3

Tarde adentro a voz se ouvia
na varanda,
tarde adentro
(a tarde era profunda):
"O fim é que é triste.
Um belo romance, A Filha do Diretor do Circo.
Como a Dejanira lia bonito!
Leia um pouco, meu neto."
E o menino lia.

Colibris revoavam no alpendre,
das canangas e dos manacás e dos bambus do Japão
subia um meigo aroma,
e havia em tudo um sabor de fonte e de jambo,
e tudo era idílico e doce,
mesmo a voz das corruíras pelas calhas,
mesmo o coaxar das rãs na terra úmida.
Crescia o musgo nas paredes
e havia papoulas e jasmins-do-cabo e rosas-chá
e flores de araruta como borboletas brancas:
tudo tão distante...

Ó minha avó, ó lua de ontem,
ensinarei teu nome aos pássaros em fuga.



Publicado no livro Lua de Ontem (1960). Poema integrante da série Um Homem e seus Fantasmas.

In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poesia quase completa. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Péricles Eugênio da S. Ramos


 

Prenúncio


1

Passa o vento,
as folhas tremem:
a sombra se inquieta.

2

Do topo dos ipês
cai a sombra:
rendada, sonhadora, espiritual.

O sol, os ipês, a sombra;
o tempo, o homem, sua sombra:
breve passagem pela terra,
e a grande sombra,
constelar, definitiva, irmã das pedras.


In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. A noite da memória. São Paulo: Art Ed., 1988.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Péricles Eugênio da S. Ramos


 

Céus Nossos


Céus nossos, terra nossa,
nossa é a graça,
a graça de existir por um momento.

Chamas, ensinai-nos a lição
de iluminar morrendo.



In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. A noite da memória. São Paulo: Art Ed., 1988.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

Péricles Eugênio da S. Ramos


 

Cabelos, os Meus Cabelos


Cabelos, los meus cabelos,
El-rei m'enviou por elos.
JOÃO ZORRO



Cabelos, os meus cabelos,
que fontes de negro espanto!
descendo por minhas costas
com segredos de floresta:

meus peitos, meus peitos altos,
são tochas em meio às trevas,
ardendo com seus perfumes,
queimando com fogos claros;

trago uma lua nos ombros,
cascatas pelo meu corpo,
e as sombras da madrugada
no topo de minhas coxas.

Meus peitos, meus peitos nus,
para o amado os tenho virgens:
se ele os pudesse colher,
duros ramos de alecrins!

Teria em corpo desnudo
a ternura do bom Deus,
as mãos derramando trigo
sobre papoulas dormidas.

Cabelos, os meus cabelos,
el-rei os mandou buscar
para os prender em seu leito:
meu corpo, o triste, vai junto.

Não mais verei os meus bosques,
não mais os trevos em flor:
minh'alma geme na estrada,
anoitecendo os caminhos.

Quer el-rei os meus cabelos,
e quer também o meu corpo:
arderei nas madrugadas,
rosa austera em grave leito.

Meu alvo corpo desnudo,
deserto avaro de estrelas,
um sonho de areias brancas
em brancas dunas a pique...

Arderei nas madrugadas,
sofrendo amargos carinhos:
meu coração, o infeliz,
suspira, pombo ferido.

Cabelos, os meus cabelos,
el-rei deseja o meu corpo:
sangrarei sobre seus linhos
como uma rola flechada.

Cabelos, os meus cabelos,
meus peitos, meus peitos altos,
meu virgem corpo desnudo
já não será para o amado.


In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. A noite da memória. São Paulo: Art Ed., 1988.

 

 

 

 

 

02/05/2006