Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Régis Bonvicino

regis@uol.com.br

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido
 

 

 

 

 

 

 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

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Culpa

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

 

 

 

 

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Régis Bonvicino


 

Uma idéia

 


palavras não matam

nem provocam inverno atômico

e na voz do poeta 

(abelhas na colméia) 

podem até conter uma idéia


Régis Bonvicino

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

Manoel Ricardo de Lima, 2003

 

 

 

 

 

 

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Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

 

 

 

 

 

Aurora F. Bernardini


 

Régis Bonvicino enfrenta  
desafios ontológicos 
Céu-Eclipse, novo livro de poemas do escritor, representa nova literalidade na trajetória do autor de Outros Poemas 

 
Por Aurora F. Bernardini 

 

Querer que a poesia limite com a filosofia e até mesmo a prenuncie, não é apenas retórica. Depois de Pound e Hölderlin, consagraram-se as formulações "os artistas são as antenas da raça" e "o que fica o fundam os poetas" (ou o "o intuem", conforme a nova interpretação do verso de Höldelin que Umberto Eco dá em Kant e o Ornitorrinco) . Mas mais tarde, no livro Sobre a Certeza, terminado dois dias antes de sua morte, incorporando à Lógica a Retórica ("tudo o que descreve um jogo da linguagem pertence à Lógica") , na realidade do nosso fin-de-siècle quando já não há mais "fundamentos" aos quais se apegar, Wittgenstein como que inverte a coisa: "Se mudam os giros da linguagem, mudam os conceitos e, com os conceitos, as significações das palavras."  

Ora, se os conceitos dependem da maneira como eles são expressos, a linguagem não é apenas a mediação mais importante de nossa condição humana, ela também é (ao menos em parte) co-autora dos próprios conceitos. Com isso chegamos aonde queríamos chegar, ou seja a algumas considerações sobre Céu-Eclipse, Poema-idéia, o novo livro de poemas de Régis Bonvicino, um dos prenúncios (quiçá) do começo do milênio.  

"Às vezes me imagino como uma palavra, num poema. Com uma existência de palavra e espaço branco. E silêncio! Este, a poesia, é o sentido que encontro para estar por aqui", diz Régis em entrevista a Caracol-Viola. Se comparada com a fase anterior - a de Outros Poemas (1990-1992), por exemplo -, onde está ainda muito presente o circuito eu-outro ("Não nada ainda do outro/semelhante ainda ao mesmo/mínimo ainda o outro/ele mesmo não ainda outro/de um mesmo morto outro/insulado em seu corpo/..."), é sintomática essa nova literalidade do poeta. Palavra dentro do poema, interpretando sua situação como uma nova ontologia, o ser-régis é seu próprio evento. A experiência de sua realidade passa a ser em grande parte experiência de imagens/figuras, não raro paradoxais ("estreitos cancelados/por um ir e vir de barcos/" p. 90; "Barco atado ao azul, contra o morro," p. 87), que se perseguem, se despregam, se consomem, se transformam, se substituem ("O sol é céu/em forma de azul/que a água não repete/mesmo em reflexo//mente/é forma de corpo/sentindo-se/ resignada//um e outro/como o vento na água") e se disseminam no texto em níveis diferentes, onde, como na realidade vista do alto do novo milênio, lógica e retórica se intercambiam.  

Mas o que se passou com o "fio de arame" onde estavam suspensas as palavras-borboleta no qual a crítica Marjorie Perloff se apoiou em Ossos De Borboleta, seu livro anterior? Agora ele fez-se "prego" (p. 59 ) ou "horizonte" e assimilou-se à "voz de cabeça" (p. 47) . E a borboleta, de emblema estruturante ("Vincos do mesmo ainda/no íntimo do outro tampouco/cicartrizes unem/tatuagens dissipam/antenas clavadas, em tinta/cacos do outro estilhaços do outro//Uma borboleta fixa encobre/cicatrizes num corpo" - Outros Poemas) fez-se foco e transformou-se em flor ( p. 59).  

Para leituras exemplares:  
 

      "LUZ"  

      "Luz do abajur  
      dicionários  
      no quarto  
      minúsculo  
      sobre a mesa  
      um mapa da lua  
      tinta seca  
      de silêncios  
      gêmeos e frio  
      um prego de arame  
      na cabeça  
      borboletas se acenderam em mim  
      dálias  
      meus dedos  
      se moviam sobre as teclas  
      entretanto  
      sombras  
      antecipavam  
      cada  
      palavra.  
      borboletas se acendem em mim  
      dálias  
      meus dedos sobre as teclas  
      sombras  
      precipitando entretanto palavras" 

A cesura abrupta porém, de simples sinal gráfico passou, qual "cor-/rente/de vento" (p. 29), a elemento de composição.  
 
      "CORO"  

      "Coro de  
      Semáforos  
      Vidros -  
      Sem cor  
      Ritmo  
      A intervalos regulares  
      Áspero  
      De pistas  
      E céu-eclipse  
      Postes  
      Cartões-postais  
      À venda  
      Numa esquina  
      Malva-  
      Rosa artemísia?  
      Ígnea 
      Inesperada vida 
      E retina  
      Um tipo de  
      Jardim" 

A palavra ideal de Bicho Papel - "Eu queria/uma poesia/como um quarto branco/quatro paredes/oito cantos" - como que transpropriou-se à procura de sua verdade e pelo teto, pelo chão... desconfinou-se. As cores fundiram-se, as flores ("quando não cadáver de flor só") povoaram-se de insetos (quando não cegos), as pétalas-páginas abriram-se ao céu em eclipse. Terá a mobilidade do simbólico, "qual concha de nenhum mar", a capacidade "de obviar a morte"? Só numa realidade desrealizada em que, como diz o filósofo, a "propriação" dos seres é dada como "transpropriação", em que, como diz o poeta, a pista é o salto numa nuvem/carga exponencial nula.  

CÉU-ECLIPSE, de Regis Bonvicino. 34, 120 págs., R$ 19,00.

Jornal da Tarde, SP, 4.9.1999

Régis Bonvicino

 

 

Ivo Barroso, 2003

 

Regina de Souza Vieira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Ruth, by Francesco Hayez

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Manoel Ricardo de Lima

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

10.11.2003


RÉGIS BONVICINO
Uma fratura no silêncio

 

Régis Bonvicino, o poeta brasileiro que melhor experimenta as possibilidades de ''uma linguagem plurívoca'', publicou recentemente o seu nono livro de poemas, Remorso do Cosmos (de ter vindo ao sol), livro que destoa da afasia, da repetição e dos desfazimentos sem risco da atual poesia brasileira

Manoel Ricardo de Lima
articulista do Vida & Arte


As discussões da arte brasileira hoje, pra todo lado que a gente estica o olho, só pra observar, que só besta mete a colher mesmo, diretamente, é pra pensar sobre lei disso, lei daquilo, política pública disso e daquilo e dinheiro nosso vazando pra tudo quanto é lado e quase produção nenhuma de qualidade. O que isto nos gera é cansaço, minimamente, ou enfado. Ou desleixo, que ao menos é palavra mais bonita e faz mais sentido: um certo deixa pra lá, um é isso mesmo, ou um simples tanto faz (fa lo stesso). Depois, de outro lado, ou do mesmo, uma larga esquizofrenia de gente que acha ter o que dizer e reclama espaço, espaço, espaço. Pois que ocupem, que digam o tanto que precisam e sabem, porque da parte de cá o gesto é silêncio e escolhas, simples escolhas muitas vezes não tão óbvias, e talvez um senso que é no silêncio que mais se diz, se faz e se é feliz com sorriso largo.

Foi com este debruçado que me deparei com um poema chamado ''Antimuseu'', trecho dele: ''o sal da lua nas ruas ainda vazias, palmeiras, o vento nas palavras, pio, esparso, pássaros, e ela não mais jorra, pelos telhados, a água, o que não passa com chuva''. O poema é de Régis Bonvicino. De pronto, me remeto a uma frase também dele que sempre ecoa aqui quando volto meu olhar para pensar o poema, para estes silêncios, ou às fraturas dele, ao entre, ao UM OUTRO, ao que sobra, aos objetos retirados de sua função, ao deslocado e ao deslocamento: ''Tudo o que é deixado de lado me interessa, interessa ao meu olhar de poeta''. Esta frase volta também sempre que tento pensar a produção do próprio Régis, talvez o poeta brasileiro que ousa impor mais riscos à sua própria poesia e ao pensamento que a circunda (e aqui falo pensamento mesmo, pra dentro do problema mesmo, com suas questões de fato, sem lei nem rei nem fé). Ou seja, um bom alento entre tantos desfazimentos, repetições e afasias.

Em 1999, Régis publicou Céu-eclipse, seu oitavo livro de poemas, e de lá para cá expandiu sua conversa a partir da revista que edita, Sibila, com a melhor poesia contemporânea americana e mais, de outros lugares, tanto fazendo se de Portugal, da França ou de Macau, e com outras expressões que lhe interessam, como as artes plásticas e a política e principalmente com uma travessia de línguas, de espaços urbanos, de culturas. Publicou lá, traduziu e foi traduzido, publicou poemas e ensaios aqui e ali e, certamente, andou refazendo a mão.

Régis acaba de publicar Remorso do Cosmos (de ter vindo ao sol), Ateliê Editorial, que foi onde li ''Antimuseu''. Este livro de Régis, como sempre tem sido a cada livro seu, é uma surpresa dentro. Se bastasse construir resumo diria que é uma compressão densa de nossa experiência moderna já empobrecida e que toma como anteparo - para frente - o interrompido; depois, uma tensão inequívoca das premissas que norteiam o sujeito contemporâneo; um refazer do esfacelamento e do provisório; um dito firme para fazer titubear discursos prontos ou, simplesmente, um silêncio invertido sobre o destroço da alma, da vida mesmo, da guerra, do país, das fronteiras, da condição humana: um gesto sereno, uma possibilidade, uma escritura singular para a sobrevivência. Mas não basta. Como escreve neste fragmento de ''Decantando'': ''eu coloquei o jarro na mesa / colocando o jarro na mesa / estava colocando o jarro na mesa / daqui, gráfico, garoupa / (...) / no sentar-se, sem programa, fixo / um grumo daqui garoupa / colocando, daqui / pistão, grumo / o jarro pousando na mesa, / confrontando-se com ela''. E a poesia de Régis se dá no risco, e aí só convivendo muito com ela, experimentando-a na filigrana.

Os temas e o trabalho com a linguagem engendrados na poesia de Régis são outros inventos de palavra (como no caso das palavras politicamente proibidas pelo projeto Échelon). E é na forma que habita uma tessitura de amálgamas. São preocupações de quem pensa o mundo e a vida como uma tensa. Em seus três poemas ''Sem Título'' este trabalho a que me refiro se evidencia. Segue o primeiro: ''Minas, silenciadores, a dissolução prévia do corpo, nadis, flama, recôndito, Sundevil, Léxis-nexis, arpa, sard, cisa, carmina, estrondos, satcoma, satélites, retratos na parede, capricórnio, gama, gorizont, ISSO, parasita, morgancanine mantis, ionosfera, reflexo, & surto de outras figuras, batedores, white noise, sexo, enseadas, Speakeasy, colmilho, miras estriadas, os ópios de emergência, e um vento, índigo, explosivo, mania, gases úteis para o exercício diário da vida, janela, Bubba, the Love Sponge, onde pousava, de madrugada, a brisa''.

Assim, desta forma, é fácil crer que este Remorso do Cosmos é ponto ou cisma de nossas circunstâncias, as mesmas de antes e outras de agora, que geram o tal enfado, um certo cansaço e um vinca em desleixos. Régis passa a apontar o deslocamento como prisma ou ''constelações de uma língua plurívoca'' (como as iluminuras que Susan Bee, artista plástica americana, fez especialmente para o livro): seus poemas estão sugeridos por registros marcados, mas ao mesmo tempo abertos para um prisma seguinte, uma alexia para quem se depara com eles. E é neste sentido que Régis, amém, destoa do que se costuma ver e ler na atual poesia brasileira e afins.


Manoel Ricardo de Lima é professor de Semiótica e Literatura, UNIFOR, autor de Falas Inacabadas, com Elida Tessler, e As Mãos

Régis Bonvicino

 

 

Carlos Augusto Lima

Valdir Rocha, Fui eu