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Regine Limaverde


 

Ressurreição


Recomeço-me
no ponto
onde me deixaste.

E vejo cada dia
com uma aurora
nova no olhar.

Recomeço-me
e o cansaço
de ontem
é dormido.

Ressuscito
após a morte.

E surjo
esplêndida
com um raio
de sol
ferindo meus olhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Regine Limaverde


 

Invasão


Com que direito
invades minhas praias
e me arrebatas
em cavalos marinhos
pisando conchas
saltando córregos?

Com que direito
me mostras canções
e brilhas luar
que finjo não ver e
não quero escutar?

Com que direito
sopras,
vento desconhecido
redemoinho,
veste transparente
cobrindo a minha nudez?

As palavras
ferem,
marcam,
permanecem:
pedras moldadas
pelas águas
que as banham.

Por isso
te pergunto:
por que ousas
invadir minhas praias
e penetrar-me
concha,
abrigando-te
dos ventos terrestres?


 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

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Nei Duclós

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

Regine Limaverde


 

Oferta


Que eu me despetale,
rosa vermelha,
aberta,
nas tuas mãos amadas.

Que eu toda me ofereça,
fruta madura,
suculenta,
pronta para ser mordida.

Que eu faça
e aconteça.
E que me vejas.
E que me queiras.
E que me mordas.

 

 

 

Ticiano, Flora

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Luiz Bello

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Regine Limaverde


 

O canto da chuva


Prometeram-me um mar e me deram excretas.
Prometeram-me o sal do batismo e me deram
lixo.
Prometeram-me sol e me deram o escuro.
Prometeram-me luz e me deram trevas.
Prometeram-me alimento e me deram sujeira.

Como posso sorrir se não me deram o prometido?

Sou a imagem da tristeza, quando o mar era o meu destino.
Lixo, trevas, excretas não são prêmio para uma noiva.
Sou chuva e querida. O Nordeste não vive sem mim.
As hidroelétricas padecem sem minha presença
e os brasileiros sofrem com a minha falta.
Portanto se chego, quero berço.
Se me querem, me tratem bem.
Quero cheiro, quero sal, quero sol.
Não me misturem com maus odores.
Não me coloquem nas trevas quando quero sentir o sol.
Minha chegada ao mar deveria ser tranquila,
mas chego pesada e suja
e um encontro
tão desejado por mim é-me repugnante.
Estou triste e descrente dos homens que me prometeram
algo e não cumpriram.


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

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Erorci Santana

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

Regine Limaverde


 

Mulheres


Sofro pelas mulheres
que não conheceram o amor:
as desamadas,
as mal amadas,
aquelas para quem
o sol não brilhou.
Aquelas que não choraram.
Aquelas que não sofreram.
Aquelas que não gozaram.

Sofro pelas mulheres que não tiveram
os seios tocados;
os lábios procurados;
que se cansaram, em vão,
da solidão,
ou jamais dormiram
no leito de um deus.

Sofro pelas mulheres de bronze
que não sentiram
A torturante ausência
do amor
porque vazia foi
a vida e não viveram.
Sofro por todas elas.
Aquelas que não choraram,
aquelas que não sofreram,
aquelas que não gozaram,
aquelas que não, e não e não.


 

 

 

Michelangelo, Pietá

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J. Romero Antonialli

 

 

 

 

 

 

 

Jacques-Louis David (França, 1748-1825), A morte de Sócrates

 

 

 

 

 

Regine Limaverde


 

Emoções


Digo-te que não há tempo para arrependimentos.
Se certeza houvesse de outras vidas
poderíamos guardar emoções, segredos.
Mas tudo é tão rápido como raio na tempestade
E a vida se esvai como areia nas mãos.

Digo-te que não há tempo para arrependimentos.
Emoções são aves em arribação.
São borboletas em migração.
Acontecem. São verdadeiras. Realidade.
E têm cores e povoam galhos,
Inundam campos, mas partem.
Se não sentidas, olhadas, amadas,
vão-se.
E as próximas (as emoções e as borboletas em migração)
já não têm o mesmo
sabor, a mesma visão.
Elas são únicas tais como
nossas vidas.
Chegam, partem e
nunca,
nunca mais voltam.


 

 

 

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Alberto da Cruz

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

 

 

 

 

 

Regine Limaverde


 

Palavra


A palavra - faca de dois gumes.
Desassossega, alivia.
Pode ser faca, matar.
Pode ser remédio, curar.

A palavra sai e é punhal e alívio.

Na busca da palavra me perco,
me encontro, me enervo, me embalo.

Na busca da palavra canto-música
Te invoco- suspiro.

Pela palavra choro,
Pela palavra rio.
És a palavra e ao
invocar tua imagem,
sorrio. Sou rio.


 

 

 

William Blake, Death on a Pale Horse

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Celso Brito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Regine Limaverde


 

Ao mar tu pertencias


Ao poeta Fernando Mendes Vianna
(que partiu há pouco) 30/10/2006



Ao mar tu pertencias,
estranho marinheiro
da poesia.
Embarcavas no seco e molhado,
eras um mágico encantado,
o sol e a madrugada,
um final de estrada.
Eras a poesia bem dita,
a palavra bendita.

Partiste e deixaste
o vazio.
Eras da poesia, o fio.
Hoje, a noite apagou o dia
e, embora há muito
não te encontrasse
te sabia ao alcance da mão.
Fiquei mais pobre no meu coração.
Se me visses, dirias
que não sou eu.

Voltaste para as plagas de
onde vieste..
Agora teus versos serão cantados
na terra dos encantados.


 

 

 

Culpa

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Luís Antonio Cajazeira Ramos

 

01/11/2006