Solange Rebuzzi

solrebuzzi@uol.com.br

Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia da autora:

 

 

Solange Rebuzzi nasceu no Rio de Janeiro em 1951. Filha e neta de capixabas, exceto pelo avô materno, um poeta pernambucano, viveu a infância em Manaus e a adolescência em Ipanema, na rua Redentor, bem no coração do bairro.

Estudou Psicologia na PUC-Rio, na década de 70, no calor dos movimentos estudantis e das manifestações que se configuravam como experiências políticas. Na década de oitenta inicia o estudo da Psicanálise que a acompanhará sempre em sua prática clínica. Fez Pós-Graduação Lato Sensu em Filosofia Contemporânea, escrevendo sua monografia sobre Walter Benjamin. E o Mestrado em Literatura Brasileira (ambos na PUC-Rio), de onde nasceu o primeiro livro de ensaios: Leminski, guerreiro da linguagem, um estudo sobre a correspondência do poeta Paulo Leminski com o também poeta Régis Bonvicino, durante a década de 70. Em 2005 obteve pela Capes/UFMG um estágio de doutorado e, durante seis meses, estudou e pesquisou na Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Parte deste estudo, sobre a obra do poeta Francis Ponge, está publicado na revista do Centre de Recherche sur les Pays Lusophones-Crepal. Cahier n. 14. Presses Sorbonne Nouvelle (2007). Doutora em Literatura Brasileira com a tese intitulada O idioma pedra de João Cabral (UFMG, maio de 2007). É autora de Contornos (1991), Massao Ohno Editor. E pela Editora 7 Letras: Canto de Sombras (1997), Pó de borboleta (2002), Leminski, guerreiro da linguagem (2003) e Leblon, voz e chão (2004).

Uma das fundadoras do jornal “Poesia Viva” da editora Uapê-Rio, onde trabalhou como membro da comissão editorial durante três anos. Colunista do site de literatura e arte Cronópios. Organizadora dos encontros literários do “Café Letrado” na livraria ContraCapa-Leblon no Rio de Janeiro em 2001, “Café Letrado Mineiro” em Diamantina – MG, em 2002, e, "Café Letrado" na Mediateca da Maison de France do RJ, em 2005. Trabalho que se desdobra no "Café Letrado - arte e poesia", com o apoio da Mediateca da Maison de France do Rio de Janeiro, em 2007.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Benedicto Ferri de Barros

 

Carlos Felipe Moisés

 

 

 

 

 

 

 

Jornal do Conto

 

 

 

 

 

 

 

 

Ticiano, Salomé

 

 

Solange Rebuzzi

 


 

 

Exercício                                

1.

 

É com angústia que o poeta espera a escrita se inscrever, mas não somente. Diante da folha em branco ou da tela clara de um computador habilita-se o jogo das palavras no vazio que brilha. Um jogo onde as palavras inserem-se – em sua materialidade – como se cada uma delas fosse mesmo um objeto, uma espécie de pião (conforme comentou Picasso sobre os poemas de Francis Ponge), que se movimenta e gira entre os dedos da mão, sem cessar.

Experimentamos

construir na escrita alguns tantos objetos, com palavras

pensamos pelas esquinas dos versos

buscando o tempo que arrisca no chão (d e s t e r r i t o r i a l i z a d o)

ou no céu - folha - de - papel

visualizar o dia, a loucura, a morte?

Assim na folha nua ou na tela-água,

palavras fluem e resistem

e se autorizam...

Algumas bóiam, saboreiam certas sobras, afundam.

Algumas outras encontram a rota e carregam muchas voces.

Há ainda as que sacodem a saia das beiradas das páginas deixando ver  (an)águas antigas que resistem ao calor de tempos novos.

 

As letras – algumas letras: d, b, p, g, j ,q – parecem insetos pousados nas janelas. Essas letras – de braços ou pernas alongadas – podem ao se juntar com qualquer das cinco vogais levar muitos fios e formar palavras de paladar inusitado. 

Ou, qual bombas!!! explodir matérias (sem poesia).

Lembro que vi, em flash de TV, as bombas --- minas --- sendo retiradas do chão, em locais onde foram plantadas, como se fossem sementes secas:

 

(horror

e

silêncio)

 

 

 

2.

 

Em dias de tempestade gosto de olhar o céu, e, procuro no clarão dos raios recolher nas mãos os sonidos caídos do alto ou do baixo do escuro escorrendo.

É de lá que me ocorrem as letras altas, as que cortadas em cima levam  junto as formas decididas: f, t, l, h. São letras que supõem crescimento no traço riscado à mão de cima pra baixo ou vice versa.

As dentais T T T (tês) envolvem um trabalho de elegante exigência ao leitor, compondo um ateliê atulhado dentro da boca. “Na visualidade da escrita, a fieira de dentes: T T T T T T” (Décio Pignatari, em um dos prefácios de Marina Tsvietáieva, p.18).           

As palavras estrangeiras também ensinam. Transpõem novos cenários. A palavra inglesa thirteen, por exemplo, traz na língua um especial sonido de vento-em-frestas no alvorecer das frases prestes a sair... e correr. 

Nas línguas estrangeiras encontro a estranheza com as diferenças, inclusive, a da presença da falta como é o caso da letra E (no francês), que, às vezes, está lá como a traduzir a própria falta. Cito: chèvr(e)/ (cabra), onde a sonoridade, segundo o dicionário da língua francesa, é de três consoantes c,h,v. A letra E é muda. Valère Novarina fala que “O E mudo é a mola invisível do francês: um ponto de energia que se comprime ou se estende – dependendo da emoção – e dá à nossa língua sua força propulsiva” (Diante da palavra, p.41).   

Há poetas que gostam de trabalhar esta materialidade que os convoca sem perdão. Eles passeiam a mão firme que corta e fura o poema ao escrevê-lo, listando coisas, palavras-coisas, pensamentos, agonias. As palavras fazem trabalhar o músculo!

Mas importa – singularmente – a travessia de cada poeta, “travessia respiratória do espaço” – matéria invisível (Novarina, Idem, p. 47).

É de lá que acodem os ritmos, os movimentos da língua, do escuro recanto que cada poeta busca ouvir e trazer à tona em seu texto.

 

 

3.

 

Hoje, os poemas são muitos, insistem e escrevem-se na página guardando a falta que compõe o olhar de cada poeta. A paisagem está destituída, enquanto paisagem de mundo. Paisagem de deserto ou linha de horizonte de onde o ponto perdido deixa ver apenas a poeira, em terreno impossível sequer de se respirar...

 

 

4.

 

As perguntas sobre o tempo de um escrito podem circular e abismar. De um lado o poeta escreve a um leitor que é percebido como leitor ninguém-absolutamente-ninguém (em um mais além de João Cabral), e por outro lado escrevem, escrevem, escrevem. Os poetas contemporâneos sussurram sem cessar a este leitor ausente, endereçam-se a um ponto de interrogação.

O que pode a poesia, então?

 

  

                                  Rio de Janeiro, abril de 2006.


Solange Rebuzzi é carioca, poeta e psicanalista. Publicou entre outros: Leminski, guerreiro da linguagem (ensaio, 2003) e Leblon, voz e chão (poemas, 2004), ambos pela editora 7Letras.


 

Minha cara escritora,

Li teu “Exercício” no Jornal do Senhor Soares. A leitura deste teu texto ou  comprova-me as instigantes veias invisíveis que ligam o poético ou demonstra-me que a angústia é uma inelutável questão do poeta com a experiência íntima da estese: ou Graves e Rilke ou Blanchot e Kafka, este dos diários.

Talvez debato-me inútil na inclinação que possuo à dicotomia, sendo a solução um aceitar como duas facetas de uma única experiência o invisível e a angústia.

Após uma crise criativa que quase me custou a sanidade (pois o convívio sincero, a comunicabilidade real com os outros já se foram há muito...) uma grande aporia surgiu  sem as verdades “transfiguradoras do deserto”. Já não escrevo mais e sei que não se trata desta vez daquele tão conhecido descanso que a Musa nos permite, com sua “saudável” ausência, após sua aproximação numinosa que quase nos aniquila. Hoje, vejo que é outra coisa. Não necessariamente um silêncio, muito menos uma falta de predisposição para os ensaios do belo, da escrita. Não. Aqui ou é a abulia por inteira, ou umas especulações sem ecos. Há sim uma necessidade de imagem que só poderia ser realizada com a vivência deste ato que não existe mais, o da escrita, a única via possível, agora eu vejo, para a saída da Aporia, da angústia. A vida possível para mim.

Gastei esta necessidade na leitura dos “Salões” de Baudelaire e na decifração, auxiliada por Eugène Conselliet e P. Dujos, de alguns tratados de alquimia. Ou seja, uma interpretação apaixonada da “escola do pedantesco”, e de quadros que trazem por um idioma  hermético de representações confabulares,  fórmulas de transmutações et cetera.

Não houve, é claro, por estas tentativas excêntricas e com um gosto gótico, a satisfação desta necessidade. E, para ser sincero, perdi nesta época, até mesmo o eixo que me angustiava.

Não o disse ainda, mas escrevo desde os 17 anos. Comecei tarde, eu sei. Reuni minha produção poética em quatro volumes não publicados: As súplicas do sono, A cartografia de Pavese, Os aposentos do declínio e Os exercícios de Agathos. Hoje, com 27 anos, sinto ter realizado com meus livros apenas a primeira parte do meu ofício, minha “ouvres noir”. E, a questão é que não tenho sequer a vitalidade para um próximo passo. Nada em mim o indica. E isso para mim seria o mesmo que viver incompleto, entendes? E ter lido teu texto, numa publicação virtual que não costumo ler, colocara-me novamente alguma coisa das questões que tinha perdido.

Deve ser no mínimo curioso para um ensaísta saber que por estes jogos adoráveis  do “acaso” alguém ache no seu texto o palco de sua vivência, não pretérita, mas presente. Isso se dá normalmente com o póstumo. E devo considerar um luxo do acaso tal encontro do teu texto. Essa foi a única motivação para escrever esta pequena carta. Que minha experiência lhe motive novos textos. 

Daniel Welbert

 

   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Luís Antonio Cajazeira Ramos

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

Solange Rebuzzi

 


 

 

Nos jardins de Nîmes

(ou nas pregas da minha saia)

 

uma árvore tem quatro chãos
o vazio do poeta
o vento dos sinos
os s(s) e n(s) dobrados
correntes e asas
de palavras a serem ditas;
uma pétala nos céus esquecidos das vogais?

Dominique Fourcade leu versos
no Centro George Pompidou
- poemas escritos a partir de uma foto:
um americano e um iraquiano

(eu soube que Juan Miró pintou
quadros a partir de poemas)

alguns versos são escritos
para serem lidos sem paginação sem tempo
são escritos enquanto as areias e os ventos se movem
barulhos da rua invadem as passagens

vozes (fora do poema?)

a tela do computador é água,
disse-nos o poeta Armando Freitas Filho

respiro

o que sabemos nós dos barulhos do mundo
e do silêncio?
qual o tempo do poema
da onda
da glote?

os músculos da face
na movimentação das pálpebras
soçobram na noite
(longa noite de verão)

procuro o poema
procuro ruídos
s(s) de vibrações
depois de muitos cafés

os olhos cercam tons vermelhos de Cícero Dias
na Maison da América Latina
passos
observam o mundo
o deserto de solidão se instala

a palavra recolhe texturas
o vazio sossega por instantes:

Maurice me escreveu
Daisy aussi
(os s(s) das sílabas
que penduram a letra
i)

Dominique Fourcade sublinhou:
- “se eu escuto o silêncio eu devo escrever este barulho”

nas pregas da minha saia
os bordados se pronunciam
negros
as pernas suplicam o poema
o corpo todo pede

rosas rosas
e, magnólias
depois eu ainda prefiro
o corpo da palavra
(esqueço os pés inchados
nas sandálias de dedo)

flash: entre as urinas
nas pedras quentes
sombras
nomes nas escadas
coloco os pés dentro do espaço
dos cheiros
sobre os Jardins de la Fontaine

o azul se instala na mesa
onde escrevo
antes foi o marrom
a madeira viva
sob o sol

l’abricot: une saveur sucrée
– árvore robusta –
ele encontra seu lugar
em solos calcários
chega ao dourado ou ao vermelho rubi
sem pudor:
sais minerais, ferro,
calcium magnesium

resta insistir
na pele da palavra
na polpa da palavra
(vogais e consoantes)

uma onda quase imóvel
faz espuma
um incompreensível
inscreve-se nos lábios
na tensão da pressa
                              

   
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

Solange Rebuzzi


 
Sent: Saturday, November 04, 2006 5:26 PM
Subject: RES: olá

 

Meu caro Soares Feitosa,

recebi ontem o correio com a bela surpresa.

O Prefácio de Recordel me levou a pensar no nosso nordeste de João Cabral.  

Belo prefácio! O trabalho com as letras é fantástico: "cavar e escolher onde cavar, recavar" (vc vai gostar de ler o Ponge que também trabalha com esmero as letras em seus proêmes)

Lerei com calma os textos do "Estudos & Catálogos - Mãos".

O papel da capa é uma maravilha! (reciclado?)

Muito obrigada!

um abraço,

Solange

   
 

 

 

 

 

 

03.01.2008