Solivan Brugnara
A leveza o êxtase e a rudeza
a Artur Rimbaud
A leveza
Vai pela estrada Rimbaud, lendo a paisagem
Estava escrito no caminho de pedras
Dispostas em escamas de víboras
Que seu andar trôpego de alegria
Será barco bêbado sobre um rio
Só por Dante navegado
E no trigo com letras manuscritas
Dos monges medievais lia, numa página com
Iluminogravuras
- Minha semente mastigou a terra, fiz-me terra
E a espiga fulva e relicário onde guarda o pão
Nas faces dos ceifadores, o texto,
Linhas da vida
Como palma da mão exposta
Nas rugas profundas, rendas ou raízes
Em volta desses duros olhos
Viu o local onde um dia perdeu-se
Traduzir-se em ponto de referência
Como água vertida em vinho
E seu olhar era criança, despreocupada
Num doce balanço sob as páginas da divina comédia.
O êxtase
Vai pela estrada Rimbaud
Vê a montanha mergulhar no céu e tingir-se de céu
Membro dentro de um céu-fêmea
E entra num bosque
Que se aninha nas suas encostas
E bebe um ar místico
A névoa de tule pintado por Botticelli
Estampado com canto de pássaros
Recende a ramagens, a âmbar das resinas
E ao suor dos faunos escondidos
Desce a nascente
E com gestual de tigre
Lambe a própria imagem no espelho d’água
Enquanto a língua sente o gosto
Do bosque diluído em água
Dentro dele formam-se imagens
Primeiro, narciso
Um instante de escuridão
Depois a flor branca
Então volta com passos crocantes
Sobre as folhas secas
E deita-se sob os álamos
Vê as copas transpassadas
Por feixes de luz amarela
Com a neblina fulva a passear sinuosa dentro deles
Nos cimos tremeluziam
Enxame de estrelinhas
Pinceladas uma a uma pelo sol
Fecha as pálpebras quentes
Vê então de São Sebastião
O seu corpo magnífico
Nu, leitoso, cheio de luz
De púbis exuberante, negra e cacheada
Alvejado por flechas
De onde o sangue verte elegante como uma lágrima
Com rosto pendido e olhar de súplica
Veste apenas a sombra das folhas
Sob a pálida pele do peito e das coxas.
A rudeza
Vai pela estrada, Rimbaud
No peito o ouro sem metáfora
Bebe a si próprio no suor que cai dos seus lábios
E a fome come-lhe o corpo,
O calor faz a alma presa no corpo agitar-se feito um feto, inquieto
e febril
Logo vai despetalar a roxa perna
E no quarto
De odor enfermo como hálito de um celibatário
Com a angústia de um pássaro sem asas
Seu coração já coto debate-se ante o céu azul visto da janela.
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