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Vinicius de Moraes


 

A mulher que passa
 


Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
 


Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
 


Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
 


Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?
 


Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?
 


Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!
 


Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.
 

 

 

Titian, Noli me tangere

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João Scantimburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal de Filosofia

 

 

 

 

 

Vinicius de Moraes


 

Soneto da fidelidade


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
 

 

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
 


E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
 


Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Eduardo Diatahy B. de Menezes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vinicius de Moraes


 

Marinha
 


Na praia de coisas brancas
Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
      Águas-vivas.
 

 

Aos mergulhares do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
      Volitivas.
 


E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
      Entre vivas!
 

 

 

Crepúsculo, William Bouguereau (French, 1825-1905)

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Luiz Nogueira Barros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Vinicius de Moraes


 

A um passarinho


Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.
 


Deixa-te de histórias
Some-te daqui!
 

 

 

Bernini_Apollo_and_Daphne_detail

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Gabriel Nascente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Vinicius de Moraes


 

Balada do enterrado vivo
 


Na mais medonha das trevas
Acabei de despertar
Soterrado sob um túmulo.
De nada chego a lembrar
Sinto meu corpo pesar
Como se fosse de chumbo.
Não posso me levantar
Debalde tentei clamar
Aos habitantes do mundo.
Tenho um minuto de vida
Em breve estará perdida
Quando eu quiser respirar.
Meu caixão me prende os braços.
Enorme, a tampa fechada
Roça-me quase a cabeça.
Se ao menos a escuridão
Não estivesse tão espessa!
Se eu conseguisse fincar
Os joelhos nessa tampa
E os sete palmos de terra
Do fundo à campa rasgar!
Se um som eu chegasse a ouvir
No oco deste caixão
Que não fosse esse soturno
Bater do meu coração!
Se eu conseguisse esticar
Os braços num repelão
Inda rasgassem-me a carne
Os ossos que restarão!
Se eu pudesse me virar
As omoplatas romper
Na fúria de uma evasão
Ou se eu pudesse sorrir
Ou de ódio me estrangular
E de outra morte morrer!
 

 

Mas só me resta esperar
Suster a respiração
Sentindo o sangue subir-me
Como a lava de um vulcão
Enquanto a terra me esmaga
O caixão me oprime os membros
A gravata me asfixia
E um lenço me cerra os dentes!
Não há como me mover
E este lenço desatar
Não há como desmanchar
O laço que os pés me prende!
Bate, bate, mão aflita
No fundo deste caixão
Marca a angústia dos segundos
Que sem ar se extinguirão!
Lutai, pés espavoridos
Presos num nó de cordão
Que acima, os homens passando
Não ouvem vossa aflição!
Raspa, cara enlouquecida
Contra a lenha da prisão
Pesando sobre teus olhos
Há sete palmos de chão!
Corre mente desvairada
Sem consolo e sem perdão
Que nem a prece te ocorre
À louca imaginação!
Busca o ar que se te finda
Na caverna do pulmão
O pouco que tens ainda
Te há de erguer na convulsão
Que romperá teu sepulcro
E os sete palmos de chão:
Não te restassem por cima
Setecentos de amplidão!
 

 

 

Albrecht Dürer, Head of an apostle looking upward

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José Louzeiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

Vinicius de Moraes


 

Soneto da separação
 


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
 


De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
 


Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Anderson Braga Horta

 

 

 

31.01.2005