Astrid Cabral
CEMITÉRIO DE MANAUS
"Laborum meta" promete o portão
em caligrafia de ferro. Enfim
o sossego não mais sonegado.
Em berços de terra e treva
os corpos despojados fruem
a contínua noite iluminada
por estrelas de paz e sóis
de silêncio sob as sebes
de impassíveis arbustos
vestidos de verdescuro luto.
Crescem capins pelas covas
mas não mais seus cabelos.
Cantam pássaros nas copas
e mudas estão as gargantas.
Passivos, a terra os elabora
contra a tíbia resistência
de tíbias, perônios e crânios.
Legiões de formigas e miúdas
vidas assumem o processo do
reverso ao útero telúrico.
Não sabemos se restam no recesso
das urnas os restorelíquias
dos corpos redimidos de lidas
entre antigas estrelas e cruzes.
Minerais, as lápides estáticas
falam do tempo sem urgências,
propõem legendas de ternura
vãs hipóteses de esperança
em outro mundo além-campas.
Vamos atrás de nossos mortos
acender velas que também choram,
conhecer a casa que nos aguarda.
Mas nossos mortos não estão lá.
Assombram dentro de nós: múmias na
química de nossa breve memória.
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