Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

Aparecida Torneros


 

Recado para um bruxo:


não me diga o que não quer,
sei que quer tanto que não sabe mais,
porque se não quisesse, que mister,
seria tão simples, um adeus, um cais,
um barco partindo, sumindo, no mar...


mas, seu feitiço, levemente denso,
seu corpo, indecentemente tenso,
seu dorso, extremamente propenso,
a amar, amar e amar , só amar...


pensa que me engana, mago da lua,
pensa que me comanda, em cada rua,
quando passo, e meu compasso,
de espera, de certeza do abraço...


não me venha com mentiras, merlin macho,
com canções inebriantes, versos que encaixo,
na minha alma de fada, itinerante, caminhante,
peregrina de estradas longas, ida incessante...


já não me percebes, tanto e como queres,
já não me conduzes, tal como disseres,
mas ainda me atrais na magia e no carinho,
ainda me possuis no desejo e no caminho...


sim, interceptaste minha nave de tal forma,
que ora me vejo atada a alguma norma
de conduta louca, e não consigo dar a volta,
pois tua sedução mais me prende do que solta...


bruxo forte, de mágica inebriante e eterna
que posso eu fazer para desatar cada perna
e seguir minha estrada, prosseguir a corrida
que me fará chegar à terra prometida?


queres que te espere? queres que te siga?
queres que te faça companhia? o que queres afinal?
queres o que não sabes, queres só a briga
dos teu ego e sentidos, lidas com o sobrenatural...


começa a desmanchar a magia que criaste,
começa a relaxar o laço que engendraste,
experimenta te permitires um afago no peito,
e deixa que eu te abrace do meu jeito...


assim, no meio do abraço reconciliador e louco
nada será lógico, e um momento será pouco,
para que tua poção de amor, teu caldeirão fervente,
me faça transformar em alimento de sabor tão quente...


"se me pedes que te marque"que te beije, que te entenda,
se me pedes que te cuide, que te sinta, que te atenda,
dou-te entanto, tantas desculpas, tantas saudades,
dou-te mais ainda: as minhas impropriedades...


porque se és um Bruxo poderoso, sou Fada dengosa,
se sabes ser um Mago criterioso, sou poesia e prosa,
se me dás o teu espaço de viver dentro de mim ainda,
é porque tua fórmula de amor-paixão é magia infinda...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

Aparecida Torneros


 

Ele&Ela nas tardes de sábado


Bate o mar furioso, quebra em ondas,
espreita a areia, suga em sondas,
os sucos todos dos amantes tontos,
que se procuram em muitos pontos...


São eles um misto de realidade e sonho,
são da vida a parte de animais no cio,
mas são do tempo o fim medonho,
dos que se separam no abraço vazio...


Estas tardes fugidas, de empenho louco,
em suítes escondidas nos fundos da mente,
nem sempre representam tão pouco,
já que são desejos de se amar somente...


E se ama o Amor, se ama o seu exercício,
se revive o gosto do prazer a dois, a três,
se sonha o menage do encontro fictício,
fantasia estranha da mulher sem vez...


Melhor crer que se perdeu a hora, a chance,
já não se tem agora, uma indicação de data,
o mar deixou nas pedras um tolo alcance,
da dureza fria, da parada morta e estupefata...


Ouvinte tola decifrando as tardes traidoras
saberia identificar o dia do amor roubado,
mas não poderia chorar o ciúmes do ser amado,
já que não lhe pertence nem as frases tentadoras...


Resta identificar que Ele&Ela são vetores,
de um mundo emocional comum a tantos seres,
de uma razão exposta em mil sabores
de beijos disseminados em outros prazeres...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

Aparecida Torneros


 

Noites solitárias


Quando ouço, atenta e amante,

na voz da Doris, a canção das noites solitárias,

sou tão pequena, tão falante,

envolvo-me na poeira das estrelas extraordinárias...

Vejo teus impulsos, teu desejo arfante,

sinto teus gemidos, teu corpo tremulante,

estou tão distante, parece que nem consigo

ultrapassar a cortina de fumaça que há no tempo,

de anos-luz que me aproximam de ti, e só falo comigo...

Digo, repito, reitero, me convenço, que perigo,

que sou tua, aí estou , no movimento das mãos,

no vai e vem do impulso louco, na agonia que te excita...

Solitárias noites, solitários prazeres, pensamentos fortes,

quantos espaços vazios a serem preenchidos neste universo,

e, nós, tão pequenitos, tão aflitos, buscando sortes,

de promover encontros, momentos, algum Criador perverso,

que nos explique a razão dos desencontros, dos suportes...

Suportar a ausência, redimir com solitária medida,

reencontrar a Paz, nesta tão tresloucada Vida.

Parece que os nossos caminhos se entrelaçam de repente,

e, de olhos fechados, imaginamos o prêmio, a dádiva,

mas, se os abrimos, que pena, que saudade crescente,

esses prazeres servem para atenuar a compulsão somente.

Entretanto, nisso concordamos, não tivéssemos nós esse caminho,

como prosseguir represando em nosso peito tamanho carinho???

Melhor deixar que ele transborde assim, líquido, melado, sozinho,

e nos console a alma, o coração, os sentidos e o sexo,

porque o Amor, se pensarmos melhor nele, não dever ter mesmo nexo.

É coisa de um Deus ardiloso, matreiro, brincalhão, piegas,

pois para perpetuar a espécie criou um meio com semente,

no ser humano, tão presente e ausente, que agora, num vidro,

num tubo de ensaio, se pode guardar o Amor e inseminar a Vida.

Por favor, da próxima vez, envasa o sêmen,

põe no Freezer,e assim, se eu precisar de ti, tu não me negas

a chance de passar o creme do sentimento na pele,

porque ficarei mais bonita, mais distante, mais solitária,

porque ficarei mais charmosa, mais amante, mais solidária...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

Aparecida Torneros


 

Te amo, espanhola


Bailaora, volteias, frenética,
aos olhos dos homens encantas...
Sapateias, patética,
sempenteias os dedos, braços alados,
teus males de amor e paixão, espantas...
Apertas as castanholas sonoras,
és, então,de todas as senhoras,
a que centraliza os amados...
Eles te desejam, te comem com olhares...
Esbanjas sedução, pedem que não pares,
não deixes de sapatear estonteantemente...
Tentadora, passeias, poética,
pelo tablado carregando babados,
és flor entreaberta, és luz intensamente....
Palmas, eles te acompanham, sonhadores,
são teus amantes no flamengo que agitas,
enredados na tua magia cigana,
cada um deles te quer como troféu,
na fantasia da dança, que incitas,
podes levá-los em direção ao céu,
e ao seres amada, assim, humana,
gritas olé, em atitude mundana!!


E tua alma de bruxa, de fada, de feiticeira,
faz do Amor de cada um deles, o teu prazer,
já não podes estancar a sede crescente e festeira,
de bailar, de superar-se, de enlouquecer...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

Aparecida Torneros


 

O pensamento de um Homem


Cada mulher que tentar entender
o que pensa um homem,
vai mesmo é se perder
com tanta pergunta sem resposta.
Porque, se a paixão bate, eles somem?
Em que tipo de mulher, um macho aposta?
Que sabor, nas mulheres, eles comem?
Será a ternura, o tesão ou o mistério?
Em papo feminino, o vampiro é disputado,
como jóia rara, o domado lobisomem...
Cada fêmea sabe que é assunto sério
dominar o bicho, amarrar o lobo bobo amado...
Eles pensam com os hormônios,
usam muito pouco, no amor, os seus neurônios,
vão no impulso do gol. mp calor da partida,
parecem grandes torcedores nessa vida!
Caçadores, querem abater suas presas,
com viagra, armam suas tochas acesas
e partem para o ataque querendo ser vencedores!
É a turma da esquina, do futebol, clube ou pagode!
Como vai se entender um deles, como se pode?
Colecionam parceiras em vez de amores,
cada um deles é mesmo um menino queridinho,
pensando que nos enrola , pobrezinho.
São eles a nossa fofoca mais divertida!
Toda mulher esperta leva seu homem no bico e no sapatinho!
Ele não sabe, mas, se bobear, nessa vida,
homem que é homem, é teleguiado, um bonequinho,
que a gente domina, evidentemente, no carinho!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

Aparecida Torneros


 

Beijos de baton


Vermelhos lábios de macho marcam teu corpo de mulher

beiços borrados de cor e sabor, em forma de talher...

São eles a fantasia dos desejos, a tatuagem dos mistérios,

porque nivelam o mundo dos sexos de dois hemisférios,

equilibrando os opostos que se atraem e se traem nas funções,

sôfregos atos de busca dos prazeres, da entregas, dos senões...

E tu, fêmea delirante, percebes a surpresa nele, a perplexidade,

a revelação de um segredo inconsciente, na verdade...

Observas a felicidade, o poder do encontro, a eternidade

do casal que vive assim, da descoberta da própria animalidade...

Pena não seres dele a companheira e cúmplice, a parceira,

lastimas o fato de estarem assim como pássaros viajantes,

e, juntos, nao terem construído o ninho no momento que passou,

no instante que não aconteceu no dia certo, nos anos idos...

Mas, peregrina das paixões, amante dos pães de cada dia,

nos dejejuns com tulipas, com cores, sabores, tantos amores...

Por que não agradecer somente agora, essa chance passageira

esses dias de sol, noites de lua cheia, esses minutos vividos,

enquanto a historia se borra de baton e se anuvia...??????

Ri da cena, da brincadeira, do despojamento, da besteira...

Ri, pra seres mais verdadeira, da certeza de alcançar a alma

do homem que te faz das mulheres resolvidas, a mais inteira...

Da próxima vez que os beijos de baton acontecerem, tenha calma!

Observa a importância da atitude, a doação da amizade,

reflete em ti, muito mais, bem mais ainda a doce saudade...

A saudade dessa boca que te marca, sobe e desce,

e, num ufanismo feminista, vê nele o homem que jamais te esquece...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

Aparecida Torneros


 

O enigma: ele é muitos


Há momentos em que seres invadem teu coração,

Tu te perguntas quem são estas criaturas,

Te indagas de A a Z o que eles sentem,

O que eles te trazem para trocar emoção,

Ou para te fazer aprender o quanto mentem,

Ou para ti ou para si mesmos, nas fissuras,

Nos apertos, nos limites de cada indagação...

Há momentos sutis que unem e que separam

Mas que te fazem crer na certeza das posturas

De seres inteira, amiga, compreensiva e doce...

Te cutucam os enigmas destes meninões

E tu te surpreendes mais próxima que fosse,

Que poderias ser muito mais que sermões,

Poderias ser o abraço infinito, o alcance,

E te expões em dádivas, compreensões,

E te ofereces em preces, em cada lance...

Porque há homens que se reúnem num só deles,

E se emaranham em buscas intensas, em jogos...

Te levam aos mais incríveis lugares, afagos,

Te fazem viver verdadeira queima de fogos...

Quando, nestes momentos, descobres os magos,

Os bruxos, os feiticeiros, os inteligentes,

Te rendes aos seus jeitos, trejeitos, artifícios...

E te defendes, atacando, por seres frágil,

Embora resolvida, embora amante, embora ágil...

Há momentos que só queres que eles te abracem

E de ti persigam o calor que do teu corpo emana...

E que concluam o quanto o queres todos,

Dentro de ti, pra sempre, como se te amassem...

Eles se reúnem, e se mostram num ser sozinho,

Um Homem único integrando tantos, um ser perfeito,

Para que tu o respeites, o realizes, o acalmes...

Há momentos em que preciso garra e força,

É preciso estares atenta e te tomares jeito

De aceitar que te comande este Homenzinho...

Que parece pequeno quando tu o acolhes no peito...

Mas, em contrapartida, Ele te torna densa,

Te torna tensa, te desafia, te mostra um caminho

De amar sem freios, de perdoar seu defeito...

O maior deles, o medo da entrega total,

O mesmo medo que precisas demonstrar para Ele...

Enigma, devora-me, Homem do meu carinho,

Devora-me nesta noite, estou prudente,

Estou carente, estou solitária, estou temente,

Não te quero magoar, só te quero amar...

Há momentos em que as palavras nada valem,

Porque é preciso tocar com mãos e bocas,

É necessário doar-se em corpos colados,

É urgente superar a saudade dele,

É premente demonstrar sua importância

Na tua vida, no teu destino, na tua distância...

Há momentos que te fazem suspeitar da ânsia,

Da angústia de não ter dele a voz e o laço

Do corpo amado, do sexo delicioso, um maço

De pequenos gestos somados que te embalem,

Para que teus gritos de gozo nunca se calem...

 

 

 

 

 

 

31.10.2006