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Claudio Daniel


 

Barata

 

Seminuas vendem sabonetes e o mar azul-da-prússia de paisagens recortadas de cartão-postal. Movimentos sincopados de ancas revelam saliências epidérmicas ao som da música melíflua de oboés. Jatos d’água escorrem pela concha do umbigo sob o céu cocainado, longe de estrias e da micose que avança nos pés. O verde em alta definição da folhagem oculta o sulco espesso da cavidade e atrai suspiros plásticos, romanescos, fluindo como sangue menstrual. Súbito, assoma a logomarca com a inocência animal de uma máquina de calcular. Iates e sol jamaicano anunciam o novo capítulo da novela. Seminuas têm medo de barata.

 

2002

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Claudio Daniel


 

Piolho

 

                                                       Money is a crime
                                                   — Roger Waters

 

Barítono de carapaça e gravata quase lilás mergulha os olhos baços no copo de cerveja irlandesa entre cotações do mercado financeiro.


(Passa uma sombra magra de seios fumantes.) Verde álcool, cogumelos e vozes graves de semblantes que suicidam a noite estrelada.


Lady sings the blues para vocal e piano. Retrato de Wilde na parede e tapeçarias com toscos motivos de gnomos de barba pontuda.


O business man engole nacos de carne vermelha entre chamadas ao celular e citações do Economist sobre a crise da balança comercial.


Tabaco provoca câncer. Trabalho conduz à liberdade. Café com creme e canela. A metafísica do compromisso institucional.


Todo homem de negócios é sério. Tem sapatos sérios de couro italiano e óculos sérios com aro de tartaruga. New York, New York.


Bico de papagaio na coluna recurvada. Folders de lançamento do novo produto. Brieffings para a mídia. Um calor estival, quase Saara.


Relógio digital marcando quinze minutos para Qualquer Tempo. Uma vaga sensação de arritmia (fadiga ou problemas coronários).


Executivos sempre usam marcapasso, água-de-colônia e longas meias pretas.

 

2002
 

 

 

Titian, Noli me tangere

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Aleilton Fonseca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Claudio Daniel


 

Parafuso, escaravelho


Água-de-serpente para esquecer jamais esta música de peles.


Quem conta fêmures e pêlos desalinhados
da fêmea
apodrecida.


Mais negro do que a negra mariposa pedra do esquilo
roendo restos
de não.


Estamos cáusticos
e nus.


Corpo e palavra são flores pontiagudas
que laceram.


Você sempre diz o azul-granizo:


céspede
ou áspide
que anoitece.

Ser o lobo e mais que isso: ser o Lobo do vermelho
tardio em
jades de ninfeta:


aqui escrevo ilha — facas de pomba cega,
estrela morta
em diapasão


ou luas
de capricórnio?


Tudo o que eu amo
sim
corre no tempo com a velocidade do parafuso
e do escaravelho.

 

2003
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Cussy de Almeida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Claudio Daniel


 

Filósofos, cogumelos


Rumor de verde-água esse bosque de caninos que desaparece.


Trevos
na boca


— odor
de cogumelos


e lua-de-
mosquitos —.


Estranha senhora fênix viaja em
caligrafia sua
tiara
azul.


Vagares da lua de outono biombo jasmim dragão
no teto
curvo
como atravessar
espelhos.


— Armas e cascos de cavalos
ao longe —.


Filósofos-de-laca conjeturam possíveis amanhãs

 

 

2003
 

 

 

Crepúsculo, William Bouguereau (French, 1825-1905)

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Francisco Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Claudio Daniel


 

Leoa, clavícula


Jovem negra pinta de azul-violeta as pontas dos mamilos.


Há jaguares
sob as unhas.


Mímica
de esfinge
nos pulsos.


Núbia voz animal raio-de-pedra golpeia nudez janaína
reflexo de híbrida
orquídea
ou seio-
noite-
flor-
que incandesce.


(Três colares
de relva;
riscos
gravados
na rocha,
sortilégio.)


(Pintura: mascar o carvão leonino da desértica
epiderme,
ruminando
arenoso
até cantar
a clavícula.)

 

2003
 

 

 

Bernini_Apollo_and_Daphne_detail

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Junot Silveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

Claudio Daniel


 

Pavão, martelos


Recomeçar a travessia do elefante, a via do esqueleto
e do coágulo.


Até queimar
o sol.



Mascando insanidade,
em ofício rouco
de martelos,


repetir o ato insone, raquítico, epilético.


Retribuir ao medo uma jóia
minúscula.


Fabricar, com as próprias mãos,
um pavão real
— e depois
cegá-lo.


Fornicar o amarelo — abstração
do violeta —


e desfazer
a palavra
estrela.


Até queimar
o sol.



Ser asqueroso, simples e tosco.


Desejar lutar
com Deus.


Por fim, recolher
as metades
do rosto,


e ver a luz refletida na mina
do mistério.

 

2002/03

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Francisco Brennand