Viagens à Beça, verdadeiros
haicais
Quem ainda não se deliciou com
a leitura de Folhas da Selva, livro de Aníbal Beça, não deve
perder tal oportunidade. Eu li e continuo me deliciando –
nas minhas idas e vindas ao Parque das Laranjeiras; são
viagens à Beça, verdadeiros haicais.
Só não cai quem não quer
desprender-se das bases impostas pelos sistemas quase
falidos, do capitalismo agonizante dos países emergentes. Eu
caio e grito hai, porque quem não faz isso, hai mas não cai.
Na obra Folhas da Selva,
Aníbal Beça alerta e indica rotas sem traçá-las. Enquanto um
curumin distraído pisa numa arraia e se dá mal na praia de
água doce, não pode correr facilmente quando alguém parece
ouvir o som de um serrote de aninga. Na verdade, eram cutias
comendo rápidas buritis maduros. E o quati, logo em ano de
Copa do Mundo, revela um talento de craque, agarra no ar o
tucumã que cai; da mesma forma que a arraia-pintada marinha
lança o búzio do atapu ao vento, para abocanhar-lhe em queda
livre, partindo-o e se alimentando do molusco antes
protegido.
Durante a leitura de Folhas da
Selva, fiz viagens à Beça com imaginário citadino, por isso
foi difícil perceber que lá adiante não era uma bolsa a
tiracolo, era mãe mucura indo à caça com o filho de carona.
Na tentativa de disfarçar o meu equívoco, voltei-me em
câmera lenta, tal qual uma preguiça na imbaubeira a passar a
outro galho. Imbaubeira cujos talos das folhas são
transformados em paredes de gaiolas nordestinas que
aprisionam canários, curiós e papa-capins, servos daqueles
que não amam a poesia.
Aníbal Beça voou nas Folhas da
Selva para nos presentear com a riqueza das idéias poéticas
de José Félix, lá em Portugal. E antes de travarem um
repente poético, os dois pensadores reavivaram em mim as
lembranças do chá das quatro, que tanto me extasiaram quando
eu vivi 2 anos em Angola. Não era o mesmo Chá das Quatro,
obra de Beça e Félix; era chá de caxinde (erva cidreira),
sorvido entre as quatro da tarde e o pôr-do-sol na praia da
Corimba, em Luanda.
As poesias de Beça e José
Félix me ajudam a realizar vôos imaginários, como o que fiz
ao sobrevoar o rio Solimões a lamber a cidade de Fonte Boa,
na busca de dados, informações e conhecimentos sobre o
analfabetismo de crianças e adultos para a dissertação do
mestrado em Educação. No meu vôo imaginário, eu estava num
barco pequeno e veloz, na sinuosidade da água barrenta do
Solimões; na realidade eu era apenas mais um passageiro do
vôo da Rico.
É hora de terminar este
texto. E ainda voando em Folhas da Selva, Beça me devolve à
realidade dos ditames da vida. Aníbal Beça diz que as manhãs
de domingo antes eram para a leitura e o ócio; hoje, para o
neto. Esse é o meu futuro, talvez não tão distante. Mesmo
assim, ao ler na ociosidade das manhãs de domingo, ainda
preciso resgatar a ausência do lar de toda a semana, nas
idas e vindas ao Parque das Laranjeiras.
E na página 309 de Folhas da
Selva, José Félix diz que fecham-se as folhas do livro
quando chega o meio dia.