Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Despedida


Pegarei todos os meus sonhos e os despacharei em envelope pardo, destinatário incerto, sem remetente.
Passarei um pincel escuro no arco-íris que inocentemente eu desenhei, carregado de cores.
Amassarei de vez todas as flores de mentirosas esperanças e
arrancarei até mesmo os falsos botões que estão por vir.

Nublarei a noite quando ela me escancarar a lua cheia, apagarei uma a uma, todas as estrelas que teimarem em tremeluzir.
Tingirei de cinza a manhã mais luminosa do meu santuário, emudecerei o canto do meu sabiá canoro e não farei mais festa para o meu colibri.

Desfarei todas as pegadas do caminho, onde os teus passos e os meus estiveram perfilados.
Encherei de colcheias e semifusas confusas todas as canções que arrancaram lágrimas deste meu coração emocionado.
Farei em pedacinhos, pequenas e grandes lembranças palpáveis, sem esquecer aquele CD e o vestido de marquinhas, aquele que tu gostavas, mas não chegaste a conhecer.

Destroçarei também as recordações não palpáveis, que um dia me deram provas incontestes do teu amor
E dizimarei todas as angélicas hostes que me atrelaram a ti, esquecidas da minha dor.

E se porventura em sonhos minha alma desvairada te buscar e,
em prantos te encontrar andando pela rua,
Abraça-me com aquele carinho de antigamente,
porque sonhando, nossas almas não mentem
e a minha te dirá que ainda sou tua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Sino


Quisera Meu Senhor, que eu fosse aquela,
De quem tristeza e dor passassem longe.
Quisera assim tanger tal como tange,
Alegre, o sino daquela Capela.

Quisera Meu Senhor, que meus clamores,
Que as lágrimas que choro em desatino,
Pudessem transmutar o meu destino,
Em bênçãos, risos, preces e louvores.

Mas choro ... e é tão sentido este meu pranto,
Que verto fartamente às escondidas,
Com o peito afundado em desencanto.

Ao longe escuto o sino da Capela.
Tangendo ele me diz que sou aquela,
Que chora no compasso do seu canto.


 

 

 

Octavio Paz, Nobel

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Baratas & Fofocas


Com esta confissão, dou as mais poderosas armas para os meus gratuitos desafetos: quem quiser me apavorar, pode usar baratas ou fofocas.

Tenho um horror tamanho à baratas que, não importa onde eu esteja, simplesmente perco a compostura e dou vexame.
Este inseto horripilante vem das profundezas da imundície, seu habitat.
Quando no chão, ela corre de forma desordenada e enlouquecida, quase sempre em nossa direção.
Não bastasse isto, resolve voar e dar rasantes, grudando em nossas roupas, em cima das nossas camas ou na tela do nosso computador.
Some e aparece de súbito, com aquelas antenas malditas e com aquele cheiro asqueroso que impregna os locais por onde passa.

O que me conforta é saber que não sou só eu a ter este pavor:
certa feita o entregador dos refrigerantes Aliança, descarregava um pesado engradado de guaranás no armazém de meu pai, quando uma baratona gigantesca desceu por seu braço. Ele não teve dúvidas e atirou o pesado enquadrado a metros de distância, para defender-se do inseto asqueroso.

Mas o que baratas têm a ver com fofocas? Muitas coisas, creio eu.

Ambas são imprevisíveis e sorrateiras.
Ambas procedem da imundície.
A barata vem dos esgotos reais. A fofoca vem dos esgotos mentais.
Como nunca sabemos de que lado elas vêm, nem a que horas elas vão dar o ar da (des)graça, ficamos completamente desarmadas e desprotegidas.
Ambas têm o mesmo "modus operandi" desordenado, invasivo e perturbador.
Ambas provocam sensações de asco, repulsa e palpitações. Ambas exalam um mau cheiro peculiar e insuportável.
Ambas conseguem fazer com que percamos a compostura e a elegância, além de tirar-nos do nosso eixo.

Apenas algumas diferenças (afora o fato de serem substantivos concretos e abstratos).

Da barata nós podemos nos defender com algumas boas esguichadas de inseticida.
A fofoca é tão resistente que ainda não inventaram um inseticida à altura de seus estragos.
A barata deve ter lá a sua função no ecossistema.
A fofoca é perniciosa, não tem função necessária em sistema algum, é oriunda de esgotos mentais doentios, causa avarias irreversíveis e, o que é pior, não temos como nos defender visto que, quando percebemos sinais do seu cheiro asqueroso e repugnante, ela já seguiu além, levando consigo o bom nome de alguém, a honra e a dignidade de outrém.

Barata? A gente mata!
Fofoca? A gente isola!

 

 

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

Início desta página

Antônio Jackson de Souza Brandão

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Declaração de Amor


Eu te amo do amanhecer ao anoitecer e mesmo quando durmo, ainda te amo.

Eu te amo nas tres dimensões, nas quatro luas, nos quatro elementos, nas quatro estações, nos quatro pontos cardeais.

Eu te amo nos cinco sentidos, nas sete cores do arco-íris, nas sete notas musicais, nos doze sígnos do zodíaco, em tudo o que existe eu te amo cada vez mais.

Eu te amo na procela e na calmaria, em todos os josés e marias, nos infantes, nos anciãos, nos amigos, inimigos ou irmãos ... eu te amo em toda a criação.

Eu te amo no caos aparente ou na mais perfeita estrutura ... eu te amo como o próprio criador ama a sua criatura.

Eu te amo no vento que vem do norte, na linha do horizonte, na pequena fonte, nas nuvens grávidas de chuva ... eu te amo nos meus dias nefastos e nos meus dias de sorte.

Eu te amo na árvore frondosa, na montanha majestosa, na pedra preciosa, nas miríades de estrelas do universo ... eu te amo no pequeno átomo, na imponderável constelação, eu te amo para além de qualquer humana compreensão.

Eu te amo pelo pouco que sei de ti, pelo muito que ignoro e por aquilo que somente posso pressentir.

Eu te amo na plenitude da lida, no ocaso da vida ...
e, depois que eu me for, nas lembranças que porventura eu deixar,
hás de encontrar perfumados e palpitantes restos
do que foi o meu amor !

 

 

 

Ticiano, Salomé

Início desta página

Urariano Mota

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Pérola


Minerando em turvos rios,
Escavando em densas minas,
Entre ecos de humanos sons,
Entre sons das mais tristes sinas,
Entre vales e mil colinas,
Entre zeros depois da vírgula,
Entre os muitos plurais da vida,
Encontrei em ti, Amiga,
O ouro que não garimpei,
A esmeralda que não escavei,
O som que não escutei,
A pérola, que sem buscar,
Achei!

 

 

 

William Blake, Death on a Pale Horse

Início desta página

Foed Castro Chammas

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Que Importa?


Que importa teu momentâneo suplício
se és imortal?
Que importam teus olhos depauperados
se é teu Espírito que vê?
Que importa ter tão pouca audição
se é tua Alma que ouve?
Que importa esta momentânea treva
se amoroso amplexo de luz te aguarda
para além da vida?
Que importa esta árdua luta pela sobrevivência
se tudo é palco, cujas cortinas
se fecham a qualquer momento
devolvendo-te a tão sonhada liberdade?
Que importam os desequilíbrios do teu veículo físico
se tua essência imortal
não pode adoecer nem morrer jamais?
Que importam esta solidão profunda,
carências, brados estéreis
por um pouco de compreensão e amor humanos
se no cósmico silêncio do Infinito, tua Alma
intui e conhece todas as respostas?
Que importa o pálido e insignificante trajeto do teu rio
contornando montanhas, saltando abismos
se teu destino final é regressar ao grande Oceano
do qual um dia saíste?
Que importam as perdas aparentes, as ausências,
dos seres amados
se ao final da grande viagem, por lei de afinidade
desembarcarás na mesma Estação?
Importa apenas prosseguir
a despeito de todas as dores e obstruções.
Importa apenas AMAR, única garantia de que
não terás vivido em vão...
passaporte seguro para a grande travessia.
Porque, tudo o mais não poderás levar
e a qualquer momento, terás que deixar.

 

 

 

Bernini_The_Rape_of_Proserpina_detail

Início desta página

Luís Antonio Cajazeira Ramos

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Solidão


Solidão não é a falta de gente para conversar,
namorar, passear ou fazer sexo...
isto é carência.

Solidão não é o sentimento que experimentamos
pela ausência de entes queridos que não podem
mais voltar...
isto é saudade.

Solidão não é o retiro voluntário que a gente
se impõe as vezes, para realinhar os pensamentos...
isto é equilíbrio.

Tampouco é a pausa involuntária que o destino
nos impõe compulsoriamente, para que revejamos a
nossa vida...
isto é um princípio da natureza.

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
isto é circunstância.

Solidão é muito mais que isto...

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos
e procuramos em vão, pela nossa Alma!

 

 

 

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Ser poeta


Ser poeta é sina,
porque há sempre um exalar de perfume
e dor em cada texto que o poeta assina.
É caminhar no fio da navalha,
é às vezes, ser cruelmente
retalhado ao resvalar em cada rima.
É gestar versos indóceis, querendo nascer...
Nascendo são filhos pródigos
que seguem seu rumo,
deixando o poeta vazio,
para que de novo, ele possa "conceber".
Ser poeta é ver as coisas mais simples
pelos olhos de uma abelha, multifacetadas,
e assim, enxergar detalhes mil,
onde os outros não conseguem enxergar nada.
Ser poeta é enfeixar todas
as reverberações de um diamante,
ciente de que ele, será sempre
e tão somente um mero matiz.
Ser poeta é conviver
com uma sensibilidade imensurável,
que exalta e aniquila, que desnivela,
que o eleva ao Reino de Deus e,
simultaneamente o rebaixa
ao Reino de Hades...e,
em meio a estas tempestades,
que fulminariam o mais comum dos mortais,
ser poeta é caminhar sozinho,
implorando ao mundo,
a compreensão de seus ideais!

 

 

 

Albrecht Dürer, Head of an apostle looking upward

Início desta página

Aleilton Fonseca

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Fátima Irene Pinto


 

Dura na queda


Já pensou se eu acreditasse
Nas alcunhas que me deram,
Nos defeitos que apontaram,
Nos conluios que fizeram?

Já pensou se eu me abatesse
Com os surtos de crueldade,
Já pensou se eu me pautasse,
Em malignos critérios?

Quanto mais vão perseguindo,
Quanto mais vão bloqueando,
Mais meu nome vai seguindo.

Quanto mais vão boicotando,
Em secretos burburinhos,
Mais minha luz vai refulgindo.



Descalvado - SP
Novembro/2006



 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

Início desta página

Adriano Espinola

 

17/11/2006