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Inez Figueredo


ADAM CADMO
 

A coisa de amor entre os sons e os sentidos, esse ato de amor se passaria na mente do poeta na hora em que ele cria, naquele lugar os sons e os sentidos praticam um ato de amor. Poesia é isso, um ato de amor, intrinsecamente, substancialmente.

Paulo Leminski, in Poesia:A Paixão da linguagem.1986, Funarte. Curso: Os sentidos da Paixão.


O que é eterno em mim
beija teu cerne de homem.
Suave pincel, minha costela ora
e, ousada, circunda tua água sagrada.
Molhada, desvela exausta
teu punho ereto, teu grito de gozo.
 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Alphonsus Guimaraens Filho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

Inez Figueredo


 

CLARA FONTE


Ó Claras manhãs de frutas claras
onde o trânsito do teu corpo entre meus ais,
primavera sombreada de barro e madeira,
delicia-me a orelha de beijos,
devolve-me a Palavra
e o alpendre tomba ensangüentado,
facada da luz na esvoaçante trepadeira!
Se o toque dos meus seios em tuas vogais
ou a seda dos lençóis entre meus textos,
não sei. Tudo perdura.
A presença do teu verbo, dorso entre meus zelos,
devasta. Tudo devora-me.
Se, ora, a luz dos claros olhos, os teus,
murmúrio do inconcebível no meu ventre,
outra vez, outra vez, houvera
tudo em mim fora.
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Jorge Medauar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

Inez Figueredo


 

ECORPIO EIDOS

 

......Mas queria conhecer tudo da terra,
do céu e da natureza,
tanto quanto o meu espírito puder captar
              Fausto Zero
J.W.Goethe



O último facho de luz, sem dúvida, havia deixado lá atrás às mãos do companheiro, aquele que lhe havia seguido até o limiar. Então sentiu uma trágica saudade daquele jovem Ganimedes com seu jarro eterno, versador de luz na obscuridade, mesmo a do meio dia. Densa bruma agora o envolvia. Dois laços formando um enorme oito, asseguravam-lhe a certeza da mutação e da alteridade. As falanges dos dedos da mão direita doíam-lhe em contato com o aço gelado e as da mão esquerda com a dureza da opala. Foram-se os mornos dias do verão da terra bela, pensou; o frio das brumas, os vultos fantasmagóricos qual fiapos esparsos surgidos das profundas regiões aquosas, das lamacentas paragens, tornar-se-iam, doravante, seus guias e pontos de mira, assegurou-se.
Sobre os sonhos quem poderia assegurá-lo da natureza dos mesmos? No entanto sonharia. Sobre os dormentes que conduziam ao seu espaço vital, aquele onde sacava o alimento gerador, qual pelicano ao bicar do peito o sangue para alimento dos filhos,se esgueiraria e cavaria os grãos do SacroErótico para nutri-los e sem sono os cravaria na mente a espera, outra vez, da Terra Bela e do fúlgido Ganimedes para concreta-los.
Que poderia dizer-se a si que já não houvera dito na sua longa escuridão quando na proa de seu barco transportava-se da Luz do leste, da esfera do sol, para as fatigadas regiões geladas do Sul?
OH, Hadit, Universo alado, acolhe-me pois que, como Shiva e com mil braços devo limpar os restos do mundo. Sejam os da criação ou os da dissolução.
 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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Dimas Macedo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

Inez Figueredo



EVA


Entre a luz e o grão
o azul teto do sonho
e o barro chão,
o meu tigre adormece
e o pássaro vela.
No segredo, na sombra,
no rio, na pedra;
do meu fúlgido olho,
espectro de um pastor,
imoderada, pinga-se tão lúcida cor.
Entre as asas antigas
de um pássaro cantor,
transborda a Estrela
vestígio, silente, de um fungível abismo
tão fundo, negro, liso;
de um tronco nodoso à deriva
no azul escuro da eterna esfera.
No umbigo das bruxas, das feras,
a semente d’água,
o princípio, o indício
da sempiterna sensitiva:
fêmea nos lábios de Deus
pousada viva. Eva.
Palavra em eterna treva.
 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

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Lau Siqueira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

Inez Figueredo


 

HÍFEN


Quando o brilho da íris
rememoram,
puxam as cadeiras
das pupilas
e olham-se.
Ali acomodadas
sentem-se tranqüilas
nas trêmulas pálpebras
entre cílios,
por horas.
Estendem os dígitos
por fim,
tocam-se no silêncio da memória.
 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

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Elaine Pauvolid

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

Inez Figueredo


 

ISTO EM MIM


Noutro lugar de mim
mas mesmo assim
ainda em mim,
tu, um deus,
vizinho em mim,
por tênues tabiques separado,
trazes as cadeiras e as mesas,
os lençóis e as frutas do jardim.
Embora o cão rosne,
a lâmpada do poste se apiede
dos fantasmagóricos signos da calçada
ainda assim, tu, isto em mim,
instala–te na clareira, barroso chão,
apodera-te da única cadeira
e em mim navegas
naquela madeira à deriva, poeira,
do porão do meu rosto.
 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

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Barros Pinho