Inez Figueredo
QUIXOTE, PORÉM SOL.
Resignificando todas as coisas,
um sol bem grande aproxima- se,
espatifando a noite em gomos amarelos,
circundando os lótus distraídos,
reavivando o brilho do opaco lodo,
desatento às horas, pisando os segredos.
Quixote, Meu Senhor, Meu Amado,
a mim vieste da imensidão do nadir,
da infinita esfera, negra azulada,
uma das três Supernas que a ti gestou,
a desatar as fitas das galés,
rompendo em si a névoa e em mim a dor.
Ó Quixote, amargo é saber!
Sou o que Sancho, o duplo em ti, pode ser
quando atravessa-me curvo e embuçado:
um vulto solidário que, às avessas,
em cada rastro teu coloca seu lastro
e acompanha-te pelo mundo fascinado.
Ó Quixote! Ó Quimera, Ó Quimera!
Dentre as árvores, que damas se tornaram,
o cicio dos pássaros exorta-te
a afastar o véu que a luz aterra,
clareando os moinhos, avivando a Pena
mergulhada em tinta de lágrimas e vinho.
Ó Pena! Ó Pena!
Tremula-me às mãos por Dulcinéa, a bela,
a que se faz pagar com nossa alma eterna,
aquela que, Palavra, há de dizer-me, um dia,
(com suas aias, suas saias, suas rendas)
do mudo Verbo no formulado Reino.
Enfim, Quixote, Meu Guerreiro,
universo confuso, encharcado d’aurora,
por um Deus desenhado Cavaleiro
a trotar meu corpo vagamundo,
expandindo meu coração de gozo,
entupindo minha boca de areia.
Pois bem, Quixote,
sejas tu insano, sejas vero, sejas linfa às minhas tenras veias,
não coube a mim certeza.A galope, portanto!
Marca-me. Em mim tatua o símbolo fecundo,
Sacro Conjunction: rosa rubra na delirante cruz.
Fincado às altas ameias.
|