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José Carlos de A. Brito


 

O número três


Três, não é apenas
Um número, que multiplicado
Por mil, resulta no ganho
Diário de um comércio.

Ou três hipóteses
De destruir o concorrente;

Três torres de apartamentos
Que arrasam a paisagem da praia;
Três automóveis
Para desgaste da vida;

Ou três planos de exportação
Com mão-de-obra barata.

Três, não é apenas:
- Uma venda
- Um investimento
- Um fim de semana ansioso
Pra satisfazer a família.

Três, pode ser muito mais:
- Um dialogo com a alma
- Respirar perfume de uma floresta
- Alimentar-se dos frutos
Espalhados da árvore.

Três, pode ser:
- A magia de um universo
- Um vento de memória e Volúpia
- Uma troca de olhares
Que eterniza o tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

José Carlos de A. Brito


 

Aquarela do suplício


No papel branco
A pena andava
E desenhava preces de dor
Pedindo orgasmos
- Suplícios d água -
Ao diluí-la de cor em cor.

Ajoelhou-se; sentiu apertos
De mãos cerradas
Nos seios nus.

A claridade
Encharcou as nádegas
Que palpitavam
De tanta luz.

Jogou-a ao chão
- Mais tinta aguada -
Seus lábios secos
De gel carmim

Beberam gotas
De sêmen bárbara
Que o pênis pinta
Em cor jasmim.

Com peito plácido
De paz gritada,
Já desenhada
E presa à cor
Sentiu o anus
Vibrar de dor,

Que o dedo inteiro
Sincronizava
Com labaredas desse suor.

E seu sorriso
De gota em gota
Ia deixando marcas no chão
Do mesmo sangue
Daquela tinta
Envenenada pela paixão.

 

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

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Ana Cristina Souto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

José Carlos de A. Brito


 

Menina se masturba na rua escura
A Garcia Lorca


Do infinito surge com trágica olhada,
A luz chega cega à menina deitada.
Nua, a menina, encolhe-se nela.
Se masturba, e seu brilho a veste de estrela.

Nádegas florescem como rosa soberba
A lua masturba sua nádega esquerda
E a outra desperta vermelha, fervente,
Que paraíso sente. A menina inocente.

O anus desponta da mão. E sem medo,
Em ânsia de gozo o corpo se curva,
Membros internos beijam-se em segredo.

Faz de sua mão punhal que introduz,
Na avenida escura seu corpo reluz;
Não há mais punhais além de seu dedo.

 

 

 

Regina Sandra Baldessin

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Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

José Carlos de A. Brito



Da mulher ao cosmo


Sou destino desse universo. Seu pensar...
Assim posso sentir-me em seu início e fim
E acrescentei-lhe meu profundo olhar
Para que o caos pudesse ver-se em mim.

Surgiu a minha alma para que ele ouvisse
E fosse, minha mente, síntese de seu prazer.
De seu abismo fundo pudesse sentir-se,
Como eu no mundo a procurar seu ser.

Com brilho de uma estrela que disponho
Sinto o cosmo transformar-se em meu riso
Sou seu sonho e o futuro de seu início,

Quero ser meu fim em seu eterno sonho.
Ser consciência de seu sem fundo. E mais;
Ser dele, o código de meus próprios sinais.
 

 
 

 

 

Hélio Rola

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Maria da Paz Ribeiro Dantas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

José Carlos de A. Brito


 

Visão cega


Posso ver pelo tato dos dedos
Posso ver quando o coração
Sofre pontadas.

Posso ver pela alegria de quem ouço os risos
Posso ver pela pele eriçada.
Posso ver pelo cheiro do mar e das flores,

Posso ver pelo odor dos sexos e hálitos secretos
(Para ver pelos sonhos, não é preciso ter olhos).
Posso ver pela umidade da neblina e da chuva.

Posso ver pela energia noturna das estrelas
E ver a lua, pelo inconfundível véu de seda.
Há círculos de sol e de saudade,

E posso vê-los no barulho de vozes e pássaros.
Pela nostalgia vejo o por da luz, entardecida.
Posso ver pelo ego e o alter-ego.

Aprendi a não me iludir com os olhos,
A dor também ensina a ver.
Posso ver pela visão dos cegos.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Dora Ferreira da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

José Carlos de A. Brito


 

O vinho do nordeste


Em canto febril de morte,
No embalo de vento forte,
O sertão viraria mar.

O rio absorveu a mágoa,
E em seu espelho d água
Recolheu os clamores.

E das rezas do nordeste,
Brotou das uvas do agreste
Um mar líquido rubi.

É claridade dourada
Vindo dessa outra água
Que o deus Baco enviou;

O mar pelo corpo desce,
Doçura que endoidece,
Assim o sertão virou.

 

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Andréa Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

José Carlos de A. Brito


 

As duas novas torres


Nascerão, da explosão, duas novas torres
De trabalhadores polacos, asiáticos, latinos
Formadas por africanos sonhadores
E com a alma de índios clandestinos.

Do sábio Jabir Hayan, uma alquimia brota
De Abu Ali (Avisena) e sua medicina
Luz do antigo Islã nas trevas da Europa
E no olhar da mulher a paz será a sina.

As duas novas torres, assim e por fiadas
De sábios do passado, e por suores,
De calejadas mãos, serão edificadas;

Do sangue que se forma, a paz será a norma
Da fundição dos mortos, se unirão as dores,
Essa junção de ódios serão as duas torres.

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

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Gizelda Morais