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Myriam Fraga


 

Trajetória


Eu,
Que decepei a cabeça
De Holofernes


E apascentava os leões
Com vinhos de Marsala.


Eu,
Que dormi com Pizarro
Numa tenda encarnada,


Sacerdotisa do jaguar
E da serpente emplumada.


Eu,
Maria, a Sanguinária,
Isabel, a Católica,


Rainha destronada
Inocente e assassina.


Hoje masco chicletes
Perfumados a menta,


Estrela absoluta
Dos filmes de pornô.
 

 

 

Leonardo da Vinci, Embrião

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Pedro Nunes Filho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

Myriam Fraga


 

Os retratos


I
 


Na matemática severa
Das imagens
Em retângulo brilhante
A face,
Preservada.


Aqui o tempo é um esmalte claro
E o traço outrora impreciso
É perfeito e mineral.


Somente extinta aparência
Vislumbrada além do morto
Confinado
Nos retratos.



II
 


Em luz e sombra agora
O contemplado
Rosto de antigamente
Exato e raro.


Tudo que foi
Aqui está enterrado.


Em branco e preto
A soma revelada
Do que outrora foi vida
E hoje é distância.
 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

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Cláudio Aguiar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

Myriam Fraga


 

Liberdade


Tardo é o tempo da escolha
(Desespero de então saber-se exato)
Já edificada a mente
E o corpo
Coagulado em rígido horóscopo.


Prisioneiro de antigas trajetórias
Quando mediu-se rumo
E permanência
E no tempo projetou-se o itinerário.


Antes da escolha — o homem
A cartilagem,
Sua carapaça de gesso repetida,
A face anterior
Criada em série.


Apodrecido no íntimo
Âmago (ou silêncio)
Nos pés a ferrugem,
A grilheta da classe,
O caminho traçado,
O pai,


Ou o que chamamos destino.
 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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Dora Ferreira da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Myriam Fraga


 

Perspectiva


Este é um mundo-limite
(A que me oponho)
De ciciadas palavras,
De mesuras,
De faces decalcadas
De outras faces
E de sentenças duras.


Este é um mundo-mentira
(Não me enganam)
Da espiral de cinza.
Do frangalho do sonho.
Onde a espera faz-se inútil
E o tempo é nada.


Mundo-agora.
O demônio com seus filtros
O desvairado cachorro.
Sua matilha.
Semeando este chumbo,
Esta ameaça.


Duro é o espreitar do olho
Em cada face.
Na boca devastada
A fome pasce
E a mão ensaia o gesto
E se disfarça.
 

 

 

Titian, Noli me tangere

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Jomard Muniz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

Myriam Fraga


 

Barragem


Estrutura de cal
Subitamente o rio
(argila e metal)
Se recompõe
E pára.


Somente a fúria
Calma do gesto
Que se disfarça.


Barragem ou poço
(argamassa)


Simetria de iludidos
Nas linhas duras
Do cais.


Talvez a sombra
íris-pupila
Que se adelgaça.


Recua e passa.
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Francisco Perna

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

Myriam Fraga


 

O avião


Somente as asas
Aço-metal
Linear o traço.


E o rastro.
Sombra vazia
Do acaso,


Devorando intuições,
Cansaços.


Tão frio-aço (metal)
Vapor de sonho
No espaço.
 

 

 

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Napoleão Maia Filho