Rodrigo Magalhães
Esquizofrenia
Primeiro dia
Eu
Sei que o rádio me perscruta
e, de propósito, quando o tinha em menor volume,
com maldade, pra minha escuta, pro meu ciúme,
Analista
(pigarro)
Eu
acompanhou a voz dela com a do Chico, e,
enquanto a primeira renunciou o lume, a segunda
completava, anunciando o íntimo:
E antes que o teu gosto não seja ou seja morno,
A7+
A#º D#7/9-
G#m7 C#7/9
quero ser a cicatriz risonha e corrosiva,
a fim de que o meu seja indecente ou não te sirva,
F#7/13
B7/9-
marcada a frio, a ferro e fogo
pouco, resta-me um até logo
E7+ B7
em carne viva
Segundo dia
Analista (De soslaio, a mosca e o espelho do olho esquerdo)
Eu
Outro dia, no banho, meus dedos engilhavam
enquanto conversavam o Sinatra e o meu pai.
O Sinatra sorriu: “ E o ocaso ali à frente...”.
“ Ele sabe. Viu meus cabelos brancos.” – concluía,
sem pesares, o meu pai.
Analista (O espelho pisca e a mosca sai)
Eu
A mão engilhada não sente o linho da toalha,
e o que guardei de outra pele já não lembra o cheiro
que ela traz.
Terceiro dia
Eu
E, doravante, o que me alimenta parece
que se molha ou se apimenta, e à língua lembra
Analista (bocejo curto)
Eu
a libido, pois, nágua, o músculo, mesmo seco,
vira musgo, e ainda geme aquele orvalho.
Analista (bocejo longo)
Quarto dia
Eu “ Deve doer...”, foi assim, uníssonos, o meu pai e o Sinatra,
pois, diante do espelho, concordavam, vendo o fio dental
tenso, ao longo, três nós, densos, entretanto, entre os dentes,
mão e gengiva e o combate em silêncio.
Quinto e último
dia
O analista,
debruçado nos compêndios,
concluindo o raciocínio
com o novo conceito pragmático-sistêmico,
falou de paranóia, declarou esquizofrenia
e se esqueceu de Irene.
Próximo...
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