Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Sugestões


Se me dizem a palavra trigo
quero possuir a lírica semente.
Se me falam a palavra pedra
Logo imagino o leito de uma estrada.
Se a palavra polícia é-me dita
Sonho com a segurança da cidade.
Porém, se os valores vão ficando invertidos,
Se me dizem a palavra trigo
Penso então nas mãos mais calejadas;
Se me falam a palavra pedra


Logo explode a idéia de confronto;
E se a palavra polícia é ouvida
Vem com os berros e o gemer dos torturados.


(De Sincretismo: A poesia da Geração 60 [Org. Pedro
Lyra]. Rio de Janeiro, Topbooks, 1995)
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Sebastião Uchoa Leite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

A flor anídrica

 

A Mirtes Brígido Machado


 

Por quem bate o coração da amiga
Já esquecida das pecas pétalas
A dessangrada papoula entre grafemas
Na revista contendo manchas pardas?
Ser vivo ainda? Borboleta ou forma?


Que importa o dobre de um sino
Abafado, ao rés do lado esquerdo?
Ter-se exaurido a força em certas mãos
Se o corpo frágil, os olhos da menina
São estampa que nunca se desfaz?


Horizontalizada, resguarda os segredos
Talvez de múmia, inseto ou arabesco
Discreto modo de assim permanecer
Ali imóvel, a marca de um momento
A sensação, impulso terno, gesto
De preservar a vida em tempo breve
A mão que o pôs ali.


Por quem pulsa o coração que esquece?
Bate pela flor? Ou sua ausência?


(De A Poesia Cearense no Século XX [Org. Assis Brasil]. Rio de Janeiro: 1996)
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Slave market

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Luiz Nogueira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Os ausentes

 

Ao Frei Tito


 

Os ausentes necessitam sempre
bilhetes, cartas e coisas
vezes pequenas lembranças
uma gravata, um poema, um postal.


Os ausentes são tão necessitados
que ninguém os lembra
nem só por saudade ou falta.


Os ausentes têm mãos invisíveis
e figura tão diáfana
que os versos para eles
já nascem feitos poemas.


Os ausentes por qualquer acaso
jamais fogem ao nosso convívio
ainda que a distância seja tanta.


Dos ausentes fica sempre um sorriso
como as pinturas recheias
de surpresa, reencontro e irreal.


( In: Dossier Tito. Lyon- França: Anistia Internacional s.d.;
traduzido para o Francês sob o título Les Absents,
pelos monges do Convento de La Tourette, versão
incluída no livro Verbo Encarnado de RP)
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Grief of the Pasha

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Virgílio Maria

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Gemedeira da floreira


Encovados olhos negros
por detrás duma touceira
de arame, cola e papel
e cores que estão na feira
para alimentar um filho
ai! ai! ui! ui!
da filha desta floreira.


Florista fabrica flores
para as jarras de alto luxo
para os bolsos de alta venda
e oferta flor de cartuxo
estendendo os dedinhos
ai! ai! ui! ui!
mais roxos que o próprio roxo.


Florista fabrica flores
e seu ritual de rua
é um bailado sem som
um triste cantar de loa
a Estrela d’Alva sem luz
ai! ai! ui! ui!
e a borboleta na lua.
 

 

 

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Tarcísio Holanda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Chula da rendeira


Na ponta dos teus dez dedos
tem uma perna de fio
de fio feito de nata


e bilros que vão batendo
a toada da matraca.


A cada passe um ponto
A cada ponto uma peça
uma angústia, um susto, um sarro
a flor seca da alvorada
e a tristeza em cada venda.


Em todo canto mil olhos
olhos postos na almofada
neles fervem pesadelos
neles moram sonhos pardos
das almas dos miseráveis.


Na renda moureja um anjo
em luta contra os maus fados
que têm nome de gente
a dureza dos diamantes
e o dorso nu das navalhas.


Zumbindo nos teus ouvidos
um diabo chamado fome
reúne seus comandados
e atiça seus humores
pra que não resistas tanto.


Pedaço da própria pele
quem disse merece preço?
Da rendeira faz-se uso
pois renda é pra ser trocada
por um pouco de sobejo.


Tem uma perna de fio
sem um pingo de beleza
nem ao menos como aquela
de uma teia de aranha
na ponta dos teus dez dedos.


(De Verbo Encarnado. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996)
 

 

 

Inocência, foto de Marcus Prado

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Régis Bonvicino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Definição


Rosa não rosa
eu não rescendo a flor.
Nada mais nada
eu fui tirado
de onde o mundo veio.
Mundo ó mundo


a dor constante
de compreender.
Roda com roda
quero a ciranda
orando pela paz.
Rumo e mais rumo
trunfo e conquista
não canto canção.
Vida vida vida
flor de existência
curta mas bela.
Grito então grito
trago um chicote
inquieto na mão.


(In: Poiésis Literatura. Petrópolis, n. 41, nov. 1996)
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Dora Ferreira da Silva