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Társio Pinheiro


 


Passagem secreta


Quem saltará
do fundo do meu espelho
revestido de bruma
de elmo
de escudo
e espada na mão?

Certamente
cavaleiro templário
dono de estratagemas e artifícios
fiel guardião
de todos os meus mistérios.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Errância


O peixe que me conduz
corre num rio de luz
em meio à tarde suspensa
na transparência do ar.

O peixe que me conduz
vive do limo em meu corpo
e de repente se some
nas profundezas do ar.

O peixe que me conduz
perdeu-se do seu cardume
nesse rio que desliza
entre os abismos do ar.


 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922),  A Classical Beauty

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Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Insônia


Um anjo amargo me procura
com a fúria cega de um ciclone
por trás do olhar profundo e insone
da noite escura.

Um deus de sombras me vigia
por entre as frestas das janelas
na noite úmida de estrelas
e de agonia.

Um espelho antigo me procria
com a face nívea de uma gueixa
e a noite inteira ele me deixa
de alma vazia.


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Cissa de Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Voragem


Entre mim e a minha imagem
                   na água vertical do espelho
um precipício de luzes
                  uma voragem de sombras
e o rumor do meu silêncio
                  caindo infinitamente
na arquitetura do abismo.



 

 

 

Octavio Paz, Nobel

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Cecília Quadros

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Catedral


O que tem de catedral
em mim
é esse silêncio
que dá voz às pedras

são essas sombras
estendidas sobre o meu medo

e a pouca luz das velas que me acendem
sob o olhar de cobiça
desses anjos.


 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata

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Clotilde Tavares

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Êxtase


Anjos noturnos no meu quarto.
Coração escatológico a pulsar sobre o criado-mudo.
Sopro de Deus na brisa repentina.
O cantochão monódico dos grilos.

Noite, noite, noite...

Pousa sobre o meu leito a enorme face do silêncio.
As sombras recolhem as asas.


 

 

 

Ticiano, Flora

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Rosalice Scherffius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Janela para o caos


Esta cidade se acende
e invade a minha janela
com cem nuvens de mercúrio
e mil gigantes de pedra.

A vastidão dessa noite
declarou guerra aos meus anjos
com as estridentes trombetas
desses boeings delirantes.

Uma xícara de chá
inundará minha vida:
hei de afogar minha insônia
nesse oceano pacífico.



 

 

 

Leonardo da Vinci, Embrião

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Cida Sepúlveda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Fuga


A sombra esconde cavalos
que saltam quando me deito
negros corcéis libertários
velozes sobre o meu leito.

A sombra antiga que guardo
atrás do armário e da cama
é um lago frio onde uns pássaros
dão de beber aos meus anjos.

E atravessam a madrugada
feito as espadas do vento
tempo, cavalos e pássaros.
Enquanto isso ao relento

a noite dorme na aldrava
da porta que – mesmo insone –
deixa fugir meus cavalos
da relva escura das sombras.


 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Maria Georgina Albuquerque

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Dies irae


Tudo crepita:
o galho seco que queima
a brasa indômita, viva
o fumo ardendo em meus lábios.

Tudo range:
a fechadura da porta
a maçaneta, a missagra.
O tempo crava as esporas.

Tudo suplica:
as folhas secas que eu piso
as saúvas que eu esmago.
Um deus sucumbe aos meus pés.



 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Ieda Estergilda

 

 

 

 

 

 

 

São Jerônimo, de Caravagio

 

 

 

 

 

Társio Pinheiro


 

Água-forte


Verter
sobre o metal do dia
o ácido vívido do sonho
até que
o real
se inscreva.


 

 

 

Bernini_The_Rape_of_Proserpina_detail

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Eleuda Carvalho

 

 

30/05/2006