Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Renato Suttana

fantasmananoite@ig.com.br

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

  • Renato Suttana mantém uma bela página na www com poesia, ensaio, crítica, tradução e muito mais. Vale a pena conferir: http://www.arquivors.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bernini_Apollo_and_Daphne_detail

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

 

 

 

 

 

 

Caravaggio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Renato Suttana


 

Estudos, Catálogos & Mãos

 

 

Prezado Soares:
 

Uma vez, durante uma viagem de ônibus (não me lembro entreLeonardo da Vinci,  Study of hands qual e qual cidade, mas sei que foi num ônibus), um amigo - que estudava a física, mas que tinha certo interesse por livros, principalmente romances e poesias - me perguntou se eu conhecia a prosa de Pedro Nava. Respondi-lhe que não a conhecia a fundo, mas que tinha lido alguns trechos. Então ele me perguntou o que eu achava dessa prosa, mesmo com a pouca experiência que tinha dela. Como não me ocorresse nenhum adjetivo para qualificar a escrita desse autor, e na tentativa de dar uma idéia do que eu pensava de uma prosa que para mim me parecia consistente, fundada numa vivência profunda do mundo e das coisas - principalmente, uma escrita calcada na memória e na ancestralidade do ser e da palavra -, eu apenas lhe disse que a achava "substanciosa". O amigo riu, julgando inusitada a expressão, e redargüiu que o fazia pensar em qualquer coisa como uma sopa, um caldo ou uma iguaria qualquer, rica em proteínas. Mas tinha entendido o que eu quisera dizer e por isso acrescentou que também achava a prosa de Nava bastante consistente, embora, de sua parte, como eu mesmo, a conhecesse pouco e muito de ouvir falar.

Leio agora o seu "Estudos & catálogos: mãos" e esse breve episódio da alguns anos atrás me vem à memória. Como qualificar essa prosa que você me envia, senão recorrendo àquele adjetivo, isto é, dizendo-a "substanciosa" também - num sentido que implica agora não tanto o que eu tinha visto em Nava, mas num sentido que implica certa relação do espírito com a terra, com as coisas do chão e do mundo ao redor, que você tão bem consegue evocar nesse prefácio que não só é ele mesmo uma peça de grande interesse, mas que, ao apontar tão delicadamente para a poesia do prefaciado, nos traz também um desejo imenso de mergulhar nela, para descobrir mais tesouros, mais seiva, e nutrir o espírito com a substância grossa da vida? Muitas coisas me evocou esse prefácio: nordestes, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa (no estilo entrecortado das frases e naquilo que João Cabral de Melo Neto chamaria de palavra "colada à coisa", da qual extrai o seu ser e a sua substância e com a qual você consegue lidar de maneira tão própria e pessoal, apesar de tudo) - mas me evocou principalmente a personalidade do Feitosa, a cada dia mais da terra, a cada dia mais à espera de que o mundo se abra numa grande aparição reveladora.

Neste ponto, sou obrigado a repetir a expressão do Mauro Mendes: "Cadê o livro? Cadê o meu"? Assim, na expectativa de ler, além do belo prefácio, também o livro do Virgílio Maia propriamente dito (para o qual, acredito, o prefácio constitui um excelente chamariz), deixo aqui o meu elogio e o meu pedido de que, quando possível, você nos dê a informação de como consegui-lo (o livro), impresso ou em versão digital (na eventualidade de que exista alguma), para que possamos conferir a coisa e ver se o prefácio não ultrapassou o objeto a prefaciar, o que estou certo - num bom sentido - não será o caso.

Para aproveitar esta carta, gostaria ainda de lhe perguntar uma coisa. Conheci recentemente, no Jornal de Poesia, alguns poemas de Affonso Manta, que muito me agradaram. Leio, em seu "Estudos & catálogos", uma notícia, fornecida por Maria da Conceição Paranhos, de que o poeta faleceu recentemente, o que terá sido, com certeza, uma grande perda para a poesia brasileira, conforme a própria Paranhos comentou. Assim, minha pergunta é: que acesso podemos ter a outros poemas do autor, para além do pequeno vislumbre que tivemos de sua obra no Jornal de Poesia? Existem livros publicados dele e estão acessíveis no mercado ou, como receio seja o caso, tudo não passará de raridade - como, por exemplo, a poesia de Orides Fontela, que só podemos ler por fragmentos na Internet e que está, esta última, a esperar por uma boa edição completa de seus poemas, já que se trata de uma presença tão nobre na poesia de língua portuguesa dos últimos anos? Você teria alguma informação a me dar?

Bem, com os votos de que outros prefácios, outros poemas, catálogos, estudos e mãos venham por aí, num sempre crescente nível de qualidade, vai aqui o meu abraço.
 

Renato Suttana


Nota do Editor:

Vejam como a coisa funciona em rede-web: Conceição Paranhos fala em Affonso Manta, o que leva Sutanna a falar de Orides Fontella. O JP promete uma bela página para Orides; e complementará, no possível, a de Affonso Manta. Viva a Internet!


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

Renato Suttana


 

A águia


Uma águia
(só as vejo em livros, mas sei
que são fragmentos alados

de morte e beleza)
captura o exato
com seu olho de águia. –

Vive de ser a medida
que vai da ponta da asa
à ponta da garra.

 

 

 

Albrecht Dürer, Germany, Study of praying hands

Início desta página

Vera Queiroz

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

 

 

 

 

 

Renato Suttana


 

O porquinho-da-índia


O porquinho-da-índia
no poço da jibóia
é um abandonado da sorte.

Sem pai
nem mãe
nem um lugar onde se meter,

não tem para onde correr. –
Enfarrusca-se
num canto.

(Procura abrigo
na toca do inimigo.)
Solta um agudo

gemido
quando a jibóia
(que graça!)

o abraça:
um gemido
que é um ganido

ou parecido.
O porquinho-da-índia
no poço da jibóia


é um abandonado da sorte.

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

Início desta página

Teresa Schiappa

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

Renato Suttana


 

O gato


No mundo da ferocidade
o gato carrega, sereno,
a sua verdade.

Sobre o muro, onde pausa
para olhar os arredores,
observa o casal de rolas

e seus amores.
Gatos não pensam (?), mas
o olho que volve para trás,

para olhar os arruladores,
faz pensar que pense
que um casal de rolas

em seus amores
seja um excelente prato
para um gato.

No mundo da ferocidade
o gato carrega, sereno,
a sua verdade.

 

 

 

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

Início desta página

Yêda Schmaltz

 

 

04/07/2006