Moquém
Moquém, conforme conheci e aprendi e,
também pratiquei nas minhas andanças canoeiras, com paradas estratégicas
às margens e nas praias de rios e lagos, igarapés e igapós do imenso
desvão varzeano amazônico, é bem diferente de como registam os mais
diversos dicionaristas. Pelo menos aqueles que, de quando em quando os
consulto, por dever de ofício. Silveira Bueno, Raimundo Moraes,
Houaiss, Carlos Roque, Nascentes, Mirador, Michaellis, Lello,
Cândido..., todos ensinam que Moquém, oriundo do tupi ou nheengatu (mboka’i,
moka’em mokai’e, moquê, mocahen, muquém), é técnica indígena, primitiva,
- grelha alta, de varas verdes, - para assar carne, ou peixe, ou aves,
sobre o lume. Utensílio com que se assa alguma coisa.
Até o nosso desventurado conde Stradelli e
o sábio Nunes Pereira falam desse moquém que eu desconheço.
Não quero, com isso, dizer que eles estejam
errados e eu certo. Não. Escrevo, apenas, escorado no que aprendi, na
prática.
Moquear, secar carne no moquém. Sapecar a
carne para não se danificar.
Ora, sapecar é processo indesejado, e bem o
conheço, porque é o mesmo que chamuscar; crestar... Bem diferente da
técnica do moquém, onde a labareda não existe, porque a brasa é
enterrada, exatamente para não chamuscar.
Como está nos dicionários, o moquém não
passaria de nosso delicioso churrasco (de carne, de peixes, de aves,
lingüiça, queijo, calabresa...), pouco importando ser a grelha de varas
verdes ou secas, vergalhões de ferro, chapa incandescente...
Pode ser que meus antepassados, por mutação
de tradição (isto existe?) até chegar à minha geração, e os nativos com
os quais convivi tenham transformado o moquém em churrasco. Tudo é
possível.
Contudo, contra tantos abalizados mestres,
eu, que não tenho qualquer cacoete de filólogo, continuo a fazer o meu
moquém, quando a oportunidade se me oferece, do jeito como o aprendi. E
ele, nada tem a ver com churrasco, nem com carne sapecada ou sabrecada
(como dizem no interior).
O moquém que aprendi a preparar nos
beiradões – e o preparei muitas vezes – tem sabor requintado, e ninguém
jamais dele reclamou ou disse tratar-se de qualquer outra iguaria. É
preparado assim:
"1. cava-se na terra uma vala a gosto,
ou conforme o tamanho da peça que se vai assar (por exemplo:
70x40x30). No fundo arrumam-se galhos secos, cavacos, ou cocos de
ouricuri (urucuri) ou de outras palmeiras, feito o que se lhe ateia
fogo;
2. quando as labaredas transformam o material combustível em brasas,
é hora de desencadear o processo e então;
3. pega-se o peixe previamente “tratado”, ou o bloco de carne pronto
para o moquém, envolve-se em palha verde de bananeira, cauaçu ou
pacavira, atira-se um pouco de terra fina sobre o braseiro para, de
pronto, não queimar o invólucro e, sobre a camada de terra ou areia,
deita-se peça para assar;
4. ato contínuo, lança-se terra ou areia em cima da carne ou do
peixe, envolto em palha verde, até às bordas da vala."
O tempo da assadura di-lo o que está
moqueando. Não tirem, por favor, precipitadas conclusões. O invólucro
(palha de bananeira, cauaçu ou pacavira) protege perfeitamente a peça
contra qualquer corpo estranho.
Concluindo: moquém, é carne assada
unicamente pelo calor, em vala (onde se fez o braseiro), recoberta de
terra; churrasco, é carne assada ao calor do braseiro vivo, em grelha
suspensa, feita de varas verdes, vergalhões ou chapa, sem ocorrência de
chamas; carne sapecada ou sabrecada, é a que posta a assar foi tomada
por labaredas e fumaça e chamuscada – uma porcaria.
Ah! O processo de moquém é idêntico ao das
caieiras onde se produz carvão de cozinha, guardadas as devidas
proporções.
O consumo de peça moqueada é igual ao do
churrasco de peixe nos beiradões: ao lado da vala onde se fez o moquém,
estende-se uma folha verde de bananeira e, sobre esta a farinha-d’água
do Uarini, o sal, o limão e a pimenta-murupi.
Sirvam-se!
Depois, digam se há iguaria que se compare
ao verdadeiro moquém. |