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Almir Diniz

Thomas Colle,  The Return, 1837
 

 

Crítica, ensaio, resenha e comentário:


Crônica & conto:


Uma notícia do poeta: 

Cláudio Feldman

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

Sandro Botticelli, Saint Augustine, Ognissanti's Church, Firenze

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

Almir Diniz



Pequena biografia


Almir Diniz nasceu em Cambixe, município do Careiro, naquela época, distrito do município de Manaus. Fez os estudos complementares em Cambixe, o ginasial e o colegial no Colégio Estadual do Amazonas. Bacharelou-se em Direito pela Universidade do Amazonas.

Ingressou no jornalismo em 1974, trabalhando, sucessivamente, nos jornais Folha do Povo, O Combate, A Crítica, O Jornal e Diário da Tarde. Escreveu crônicas para as rádios Rio Mar e Baré. Ganhou o concurso de poesias instituído pelo Centro Estudantil Plácido Serrano (1950) e o Prêmio Esso de Reportagem Norte-Nordeste, com a matéria Borracha: dinheiro, sangue e miséria (1956). Recebeu menção honrosa com a reportagem Fronteiras ensanguentadas. Ganhou prêmio pelas reportagens Relíquias sem teto (1957) e Açúcar Amargo (1958).

Foi prefeito municipal do Careiro; diretor do Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas; representante do Amazonas na Associação Brasileira de Municípios; procurador judicial do Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas.

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

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Ricardo Alfaya

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Almir Diniz

 

Lanchas de reboque

 

 “Café-com-pão, bolacha não”, “café-com-pão, bolacha não”, era a voz roufenha e monótona da Xiborena em demanda da ilha do Careiro.

Quando ia, levava pessoas, notícias, cartas, jornais, encomendas, lembranças.

No retorno trazias leite e derivados, frutas, verduras, legumes, flores, gente, saudades.

Vagarosa, singrando as águas do rio Negro, a favor da corrente, enfeitava a paisagem de cores e espumas. Cores, das vestes alegres de jovens passageiras que voltavam ao campo ou que iam visitá-lo. Espumas, elaboradas pelo banzeiro oriundo do deslocamento da lancha em contato com a vegetação aquática protetora das beiradas dos igapós que margeiam a ilha de Marapatá e do varzeano Caldeirão, mescla de paraná, lago e igapó, de cujo intrincado de belezas naturais surgia, como que por artes de encanto aquele valente caboclo a vender broas e gengibirra. Depois o encontro das águas com sua eterna magia de beijos molhados e abraços liquefeitos que teriam incentivado arianos portugueses ao deleite de misturas com negras africanas. E em seguida a travessia do Solimões com as lanchas de reboque arrastando filas enormes de canoas, unidas uma a outra, por cordas de juta ou agave, parecendo trens nativos, composições singulares deslizando sobre imenso trilho líquido.

E lá se ia a Xiborena contornando a praia da boca do Careiro (da ilha do Careiro), passando pelo Imanium, Miracauera, depois, lá em baixo, pela Camboa, Ilha das Onças, Murumurutuba, Parauá, chegando às proximidades do furo da Correnteza, de onde retornava, entrando pelo Cambixe, de subida e de retorno.

De quando em quando um apito, longo melancólico, de ordinário avisando que havia passageiro a bordo.

O ribeirinho se apressava, pulava na canoa abancando-se, soltava a amarra e apanhando o remo preparava a abordagem. A lancha diminuía a marcha para facilitar a operação. A canoa atracava a bombordo ou a estibordo e o passageiro, normalmente desajeitado, se não era da roça, punha os pés num banco e depois no estrado, abaixava-se pousava as mão nas falcas, demonstrando receio, às vezes medo, não raro pavor. A canoa se afastava; o comandante acionava a campa uma vez – delém – e a máquina era ligada; duas – delém, delém – e lá ia ela à meia marcha; depois, três – delém, delém, delém – e a marcha era total. As cordas que atavam as canoas uma a uma e cada uma a outra, arqueadas pela diminuição da marcha voltavam a esticar-se, e as igaratés e os pequenos batelões rebocados, enfileiravam-se novamente, e o trem flutuante retomava a romântica caminhada sobre a imensa pista líquida, enfeitada de meninos nus, aguardavam a passagem da composição para alegrar sua espera no breve balanceio das ondas de todos os dias: “café-com-pão, bolacha não”.

 

Tiziano, Mulher ao espelho

Elizabeth Marinheiro

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Almir Diniz

 

Moquém

 

Moquém, conforme conheci e aprendi e, também pratiquei nas minhas andanças canoeiras, com paradas estratégicas às margens e nas praias de rios e lagos, igarapés e igapós do imenso desvão varzeano amazônico, é bem diferente de como registam os mais diversos dicionaristas. Pelo menos aqueles que, de quando em quando os consulto, por dever de ofício. Silveira Bueno, Raimundo Moraes, Houaiss, Carlos Roque, Nascentes, Mirador, Michaellis, Lello, Cândido..., todos ensinam que Moquém, oriundo do tupi ou nheengatu (mboka’i, moka’em mokai’e, moquê, mocahen, muquém), é técnica indígena, primitiva, - grelha alta, de varas verdes, - para assar carne, ou peixe, ou aves, sobre o lume. Utensílio com que se assa alguma coisa.

Até o nosso desventurado conde Stradelli e o sábio Nunes Pereira falam desse moquém que eu desconheço.

Não quero, com isso, dizer que eles estejam errados e eu certo. Não. Escrevo, apenas, escorado no que aprendi, na prática.

Moquear, secar carne no moquém. Sapecar a carne para não se danificar.

Ora, sapecar é processo indesejado, e bem o conheço, porque é o mesmo que chamuscar; crestar... Bem diferente da técnica do moquém, onde a labareda não existe, porque a brasa é enterrada, exatamente para não chamuscar.

Como está nos dicionários, o moquém não passaria de nosso delicioso churrasco (de carne, de peixes, de aves, lingüiça, queijo, calabresa...), pouco importando ser a grelha de varas verdes ou secas, vergalhões de ferro, chapa incandescente...

Pode ser que meus antepassados, por mutação de tradição (isto existe?) até chegar à minha geração, e os nativos com os quais convivi tenham transformado o moquém em churrasco. Tudo é possível.

Contudo, contra tantos abalizados mestres, eu, que não tenho qualquer cacoete de filólogo, continuo a fazer o meu moquém, quando a oportunidade se me oferece, do jeito como o aprendi. E ele, nada tem a ver com churrasco, nem com carne sapecada ou sabrecada (como dizem no interior).

O moquém que aprendi a preparar nos beiradões – e o preparei muitas vezes – tem sabor requintado, e ninguém jamais dele reclamou ou disse tratar-se de qualquer outra iguaria. É preparado assim:

"1. cava-se na terra uma vala a gosto, ou conforme o tamanho da peça que se vai assar (por exemplo: 70x40x30). No fundo arrumam-se galhos secos, cavacos, ou cocos de ouricuri (urucuri) ou de outras palmeiras, feito o que se lhe ateia fogo;
2. quando as labaredas transformam o material combustível em brasas, é hora de desencadear o processo e então;
3. pega-se o peixe previamente “tratado”, ou o bloco de carne pronto para o moquém, envolve-se em palha verde de bananeira, cauaçu ou pacavira, atira-se um pouco de terra fina sobre o braseiro para, de pronto, não queimar o invólucro e, sobre a camada de terra ou areia, deita-se peça para assar;
4. ato contínuo, lança-se terra ou areia em cima da carne ou do peixe, envolto em palha verde, até às bordas da vala."

O tempo da assadura di-lo o que está moqueando. Não tirem, por favor, precipitadas conclusões. O invólucro (palha de bananeira, cauaçu ou pacavira) protege perfeitamente a peça contra qualquer corpo estranho.

Concluindo: moquém, é carne assada unicamente pelo calor, em vala (onde se fez o braseiro), recoberta de terra; churrasco, é carne assada ao calor do braseiro vivo, em grelha suspensa, feita de varas verdes, vergalhões ou chapa, sem ocorrência de chamas; carne sapecada ou sabrecada, é a que posta a assar foi tomada por labaredas e fumaça e chamuscada – uma porcaria.

Ah! O processo de moquém é idêntico ao das caieiras onde se produz carvão de cozinha, guardadas as devidas proporções.

O consumo de peça moqueada é igual ao do churrasco de peixe nos beiradões: ao lado da vala onde se fez o moquém, estende-se uma folha verde de bananeira e, sobre esta a farinha-d’água do Uarini, o sal, o limão e a pimenta-murupi.

Sirvam-se!

Depois, digam se há iguaria que se compare ao verdadeiro moquém.

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Almir Diniz

 

Até mesmo como registro histórico, com assinatura e tudo (melhor  que digitá-la), eis a "foto-jpg" da carta do poeta Almir Diniz para quem mandara, por indicação de Jorge Tufix, dois panfletos:

 

 

Encontrado agora, 16.09.2022:
 

 

 

 

 

 

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