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Carlos Gildemar Pontes


 

Memória na pele


Há uma memória indissolúvel
que guarda desejos
abraços
prazeres

que acorda no meio da noite
e espera o dia vir
com seu cheiro de mato e passarinho
há nesta memória
o registro dos momentos passageiros
do brilho dos olhos teus
dos prazeres repartidos
da resina do sexo entre nossas coxas
erupindo como se fôssemos mar revolto
em minha memória
és como uma tatuagem gravada no pescoço

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

Tens o cheiro da bondade


Quando chegaste e me pediste abrigo
havia esperança e desejo em teu olhar

querias uma história
um rastro para teus pés silenciosos

tuas mãos frias agarravam-se
uma na outra

por mim desceste um muro
para ficar debaixo do meu olhar

foi aí que descobri tua boca
trêmula no primeiro beijo

e foi então que senti teu cheiro
e fiquei louco porque era o cheiro da bondade

depois que nossas roupas caíram ao chão
pude ver teus seios e me inebriar

doces tão mais doces que pudins
são teus seios

e quanto mais os bebo
mais abelha sou

quente tão mais quente que vulcão
é tua flor intumescida jorrando lava e mel

e quanto mais mergulho em ti
mais abelha sou

preso tão mais preso hei de ficar
com teu beijo, teu cheiro, teu seio

e tua flor queimando-me
até cair-me mansamente em teu colo
cheiroso de bondade e gratidão

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Cláudio Portella

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

Tua boca


tua boca roça meu desejo
um feitiço quando falas
quando beijas...

tua boca é vulcão
portal da saliva
que me queima

tua boca é moenda
ritual para o verso
ternura que algema

 

 

 

Um esboço de Da Vinci

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Daniel Mazza

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

O tempo do amor


não há relógio que marque o tempo do amor
o tempo do amor
não se marca com relógios
nem com outra medida

não é necessário muito tempo
muito esforço do coração
nem muita conversa, muita lição

o tempo do amor
é para quando se ama

 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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Adriana Zapparoli

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

Amor é mistério


porque o amor é concreto
é preciso construí-lo com tijolos de carinho

porque o amor é cristalino
e por ele nos tornamos transparentes
é preciso tijolo em parede de vidro
montado em argamassa de mistério

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

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Ana Peluso

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

A esperança bate


Bate a esperança
a esperança bate
crio este refrão:
a esperança bate

busco a rima inútil
a pancada do coração
a esperança bate
e eu escuto

vou além do fútil
corro o horizonte
que não vai além
de livros e papéis espalhados

teus olhos surgem/ fogem de mim
flores que eu queria em nenhum jarro
cato-os, migalhas sobre a mesa
coloco-os no papel
a luz acesa
enxergo tua boca
agora de frente
beijo a parede

tudo está fechado
portas e janelas
tenho as chaves
mas estou preso

a esperança bate
vou atender:
era engano;
volto a ler
os anos

as imagens voltam como ondas
furiosas atrás de mim
perguntando-me de mim
rindo de mim
eu não digo nada
a esperança bate

tem dias em que quero franzir a testa
por isso não penso
nem vou ver o sol
cubro o espelho e deito-me

o vento anuncia teu perfume
abro a porta sorrateiramente
tu entras vestida de ilusão
ou sou eu que me iludo
dá no mesmo

a noite paira, pairo sobre ela
sentado, remexendo papéis
minha vida é feita de papéis

a sorte um dia disse que vinha
todos esperaram na cidade
a esperança bate

minh’alma de sonhar-te anda perdida
e a esperança bate
florbelamente em meu peito

ser herói seria bom
ter tantas vidas
revistas, fitas coloridas
álbum de figuras

hoje perdi as andorinhas
a esperança bate
amanhã chego cedo no portão
espero que uma delas pouse no muro
e me leve para ti.

 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

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José Valgode

 

 

 

 

 

 

 

 

Jacques-Louis David (França, 1748-1825), A morte de Sócrates

 

 

 

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

A ARANHA E O POETA *



A aranha tece a teia
Eu o poema
Há milênios fazendo-a perfeita
Eu aprendendo
Todos os pequenos bichos se
enredam no poema-ceia
Só rato, barata, cupim, traça(m) minha teia
A aranha mata a fome na rede
Meu poema tem a fome fiada nos milênios
Diferenças à parte,
a aranha não suporta minha indisciplina


* 1º LUGAR NO I CONCURSO NACIONAL DE POESIA AUDIFAX DE AMORIM, 2005, promovido pela Prefeitura de Colatina - ES

 

 

 

William Blake, Death on a Pale Horse

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Carlos Gildemar Pontes


 

O ABISMO DO OLHAR *



Teus olhos são halos de mistérios
portões de minha alma andrógina
teus olhos dissipam as nuvens
construo asas no cristal dos sonhos
vôo-partitura do cântico-desejo: tua voz

Seria capaz de voltar à gênese
brincar com o homem-barro de Deus
colher todas as maçãs do paraíso
para te isentar do pecado original

teus olhos são magmas
a lamber o caminho dos hemisférios
o caminho dos argonautas
dos desbravadores das arenas

quem me deteria por teus olhos?
nem Caim
nem a Medusa com tantos horrores
perdoaria Nero ao ver sua cabeça em chamas
seu corpo na boca de leões famintos
não, ninguém me deteria

teus olhos margeiam o tempo
e o espaço da imensidão
teus olhos mergulham
nas hastes de metais dos pára-raios
luz que viaja absoluta para dentro de mim

teus olhos são duas andorinhas perdidas
que asas-batem em meus sonhos
persigo-os na arquitetura dos seus vôos
me bastam por serem assim
cristais divinos de amor

teus olhos meus olhos sugam
silenciosos como o amanhecer
pudesse eu tê-los às mãos
seriam faróis de tudo
a incendiar o medo e a solidão
pudesse eu vingar-me de tanta beleza
te amaria mais ainda
lentamente
para não perder de vista
o evanescente crepúsculo da minha razão

teus olhos entronizados por Deus
me ordenam a luz do dia
e tudo passa a brilhar

teus olhos têm o silêncio dos lagos
madressilvas sobre as pedras
colibris sobre os muros da ilusão

os anjos estão sorrindo
são teus olhos que anunciam
o vento das manhãs

teus olhos me extasiam
porque são o que são
diz-me alguma coisa
tuas palavras
incendeiam minha solidão



* 5º LUGAR NO I CONCURSO NACIONAL DE POESIA AUDIFAX DE AMORIM, 2005, promovido pela Prefeitura de Colatina - ES

 

 

 

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Sonia Rodrigues

 

 

11/07/2006