Carlos Nejar
Repúdio
Réu de morte,
réu com denodo,
cordel e archote,
desterrai-me.
Infiéis
ao eixo a que pertenceis,
desterrai-me
pelo que deixais
de fazer.
Na fartura e na colheita,
desterrai-me.
Pousastes a mão de ferro
sobre a vida que não herdo,
mas pretendo por direito.
Vosso rosto não mudou,
em si mesmo se fechou,
lacrada urna.
Desterrai-me
pela paz e pela guerra;
sou o sinal que elimina
a vossa parte de fera.
Desterrai-me
com paixão e desespero,
girante em torno do Todo,
como pássaro ao viveiro.
Desterrai-me.
Incomodo a solidão
destes corpos que se dão
para o nada, para o chão,
para o terrível então.
Giro em torno do Todo,
sendo, por isto, mais eu;
tudo o que a morte tolheu,
reverto em pesado ouro.
Sou aquele que cedeu
o melhor de seu tesouro
e mendigo se perdeu
nas próprias coisas que deu.
Desterrai-me.
Giro em torno do Todo,
morcego no breu.
Giro em torno do Todo,
giro em torno do covo,
onde irão enterrar-me.
E usai de precisão
em colocar o tampão,
em colocar-me qual pão
para o consumo do Todo.
Baixai-me, se o quiserdes,
com nojo.
Também na morte,
preciso de vosso engodo.
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