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Eleonora Cajahyba


 

A porta

Ao poeta Clóvis Lima


A porta é aberta no fruir da vida.
Porém, fechando ao mundo, vem a paz.
E, à solitude do meu leito, traz
Com a noite, um doce abrigo, após a lida.

Porto seguro, firme e assim sentida
É refugio, se a calma satisfaz;
Às vezes, a alma chora... chora... mas
Chorando, é quando grita a dor sofrida.

Na clausura, é cerrada a liberdade;
Se abre aos amantes, gozo e amenidade,
Se a porta bate à cara, ò dor cruel!

Ao rico empobrecido, só saudade...
Pois fecha a porta ao pobre com maldade.
Nada se iguala à porta, a do amigo fiel.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São Jerônimo, de Caravagio

 

 

 

 

 

Eleonora Cajahyba


 

Notre Dame de Paris


Volto e contemplo sempre essa grandeza
Das pedras brutas bem filigranadas
E a nave retumbante de beleza
Em curvas infinitas enlaçadas.

És grandiosa na fé e fortaleza
Dos bravos peregrinos, nas jornadas
De fervidos clamores, na certeza
Que a Madona ouvirá preces rogadas.

Nenhum santo na nave majestosa.
Apenas a Senhora pequenina,
Ao lado só, com a face de menina.

Plena, porém de graça e esplendorosa,
Na sua pequenês, tem compaixão,
Sendo infinita dentre a multidão!


 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922),  A Classical Beauty

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Nicodemos Sena

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eleonora Cajahyba


 

Justiça Redimida


Meus Códigos guardei juntamente com os livros.
Do direito me basta, apenas, sua essência,
O “noumenon” por mim bastante perscrutado
Na busca do saber de todo o nosso espírito.

Desimporta da Lei, também a letra fria
Sem justa adequação à pretensão pedida
Seria a decisão um só corpo sem alma,
Um falso julgamento e ficção aleijada.

Julgar é banquetear com as hóstias rubras
Da nossa consciência ante o Corpo de Cristo
A sublimar o ser num justo veredicto.

Mas, sempre combatida, e às vezes, sem razão,
Será Thémis o orgulho e o canto aos Tribunais.
Só então, ficará redimida a Justiça!


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Ronaldo Cagiano

 

 

 

 

 

 

 

 

Jacques-Louis David (França, 1748-1825), A morte de Sócrates

 

 

 

 

 

Eleonora Cajahyba


 

O derradeiro olhar de minha mãe


Quem assistiu à minha imprecação?
O eco abrandando todo o seu clamor
Pelas quebradas cheias de emoção;
Casou-se com a tristeza... e veio a dor!

O verso ressuscita a compaixão,
E, unido ao pranto, ressublima o amor
Para as lamentações do coração
Trazendo, assim, conforto ao trovador.

Choro no desencanto, porém canto
A angústia de sentir-me só, assim.
Se o tempo voa, fica sempre o pranto,

Reafirmando que tudo tem seu fim;
Mas nunca esqueço o seu olhar, enquanto
Me fitou, despedindo-se de mim...


 

 

 

Aurora, William Bouguereau (French, 1825-1905)

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Luís Manoel Paes Siqueira

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

Eleonora Cajahyba


 

O tolo

"Les sots, depuis Adan, sont en majorité."
Delavigne


O tolo sempre quer glória e poder
Sem atentar no absurdo que ele sonha;
E, por mais alto que o desejo ponha,
Mais cresce o seu desejo de querer.

Não vê nada sombrio... só quer ver
A vida pela face mais risonha,
E nem pensa que existe o desprazer,
Que isto ser-lhe-ia a máxima vergonha.

Esta não é uma visão sofista,
Ao contrário, revela uma realista
Quer, deste jeito, louva a grande sorte...

Mas, ai do tolo!Em sua pobre vida,
Não receia da morte a despedida
Porque ignora, sequer, que exista a morte.


 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Luiz Edmundo Alves

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Eleonora Cajahyba


 

Natal


Estes cantos do Natal
Não são cantos de alegria
Mas ditoso madrigal
Que a muita gente extasia.

Sim, a muita gente! Mas
Não dá ao meu sentimento
Essa euforia, esse alento,
Pois só tristeza me traz.

Porque esses homens nefastos,
Não vêem crianças sofrendo,
Dando expansão aos seus gastos.

Assim, o Divino Dia
É, para mim, um crescendo
De profunda nostalgia.


 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Cláudio Feldman

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Eleonora Cajahyba


 

O deserto e a loucura

A Carvalho Filho


Antes a poética loucura
do que a sanidade dos medíocres.
No seu deserto há lua cheia,
na sua loucura há preamar.

O seu deserto é povoado de idéias,
de imagens belas e profundas.
A sua loucura é a lucidez dos puros
que vêem paisagens infinitas.

É o conflito dos extremos
na busca da unidade.
É o ser finito buscando
a infinita coerência do existir.


 

 

 

 

 

 

17/11/2005