Jornal de Filosofia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Do Círculo Hermenêutico Periférico

ou

Dos Símbolos

 

Soares Feitosa

 

4. 

Os símbolos de Severino Cavalcanti

e sua crise mensalinha

 

Brasil, esta crise monumental, julho-setembro de 2005! Pois agora, de uma hora para outra, neste início de setembro, o escândalo "mensalinho" do Presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.

A seguir, o fac-símile do "documento" em que, segundo a revista Veja, Severino Cavalcanti teria garantido ilegalmente ao arrendatário de um restaurante da Câmara Federal a prorrogação de um contrato e, com a ilegalidade, o seu (dele) "mensalinho", escândalo que pode custar-lhe o mandato parlamentar. E a desonra:

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Primeira Secretaria

Cumpridas as exigências contratuais, dê-se a requerente direito às prorrogações constantes do inciso II, do artigo 105, do Regulamento dos Procedimentos Licitatórios da Câmara dos Deputados, aprovado pelo Ato da Mesa nº 80, de 07.05.2001, aditando o Contrato nº 2000.009.3, até 24 de janeiro de 2005.

Brasília-DF, 04 de abril de 2002

Deputado SEVERINO CAVALCANTI

Primeiro Secretário

 

Severino inocente, Severino culpado? Por favor, este ensaio não se propõe a este tipo de análise. Registram-se aqui os símbolos e sua "leitura". Maria Isabel de Araújo, poeta e amiga, escreveu-me sob uma descrença de que também participo (grifos meus):

 

 
From: MIA
Sent: Tuesday, September 06, 2005 9:07 PM
Subject: Sobre a leitura dos símbolos.
 

É  extraordinário  o seu estudo bruxólogo sobre os símbolos! Como ficção, nunca li nada melhor. Mas, como estudo sério sobre a influência dos símbolos nas vitórias ou derrotas de entidades, é pura fantasia. Até eu sou capaz de "ver" tais derrocadas através de um símbolo, quando se fala do passado. O desafio é analisar um símbolo "ruim" de alguma entidade que no futuro será uma derrotada! Somente um bruxo verdadeiro (bruxos existem?) seria capaz de tal previsão!

Fica em tudo isso a impressão maravilhosa dos seus escritos, da sua imaginação, da sua arte de bem escrever, do seu maroto modo de persuasão. Só tenho que lhe prestar  minhas homenagens. Um forte abraço, cá das praias capixabas da

Maria Isabel de Araújo

 

Vou aceitar o desafio da leitora e me propor uma "profecia", fazendo questão porém de recusar a honrosa patente de bruxo ou feiticeiro, que não sou. Assim: Severino Cavalcanti romperá ileso a crise ou cairá de maduro como uma jaca podre?

Coloquemos os dados (símbolos) à mesa:

Hoje, 7.9.2005, Severino encontra-se em New York, representando o Parlamento do Brasil, a fazer um discurso por lá, na ONU. Claro que tudo isto faz parte de mordomias monumentais, passeios, comendas e salamaleques, mas o poder é assim mesmo; tudo isto no contexto: os símbolos do poder.

O problema é que aqui, ele ausente, o pau troa! A revista Veja acaba de publicar o fac-símile do documento acima reproduzido, com laudo pericial garantindo-o bom e verdadeiro, e, por conseqüência, Severino, corrupto.

Qual o desfecho?

Severino, um típico "coronéu" sertanejo, colonial, parece saído diretamente uma página de Gilberto Freire, de Casa Grande & Senzala. Clientelista, compadrial, apaniguado e apaniguante, e, como tal, um homem "bom". Generoso, dizem, capaz de arrancar a camisa a dá-la de vestir a um parente ou ao filho de um compadre. Protetor e amigo, jacta-se de mandar soltar motoristas bêbados e pagar contas de arruaceiros, compadres seus. Não é patrimonialista no sentido de acumular bem materiais. Dizem-no pobre, ou melhor, remediado, modesto, com cheques pendentes na praça, na mão dos inimigos. Arrecada, sim, falam, mas é para gastar com os seus. Sente-se bem, ele, nessa função de "proteger" — "coronéu", "coroné".

Com um defeito, porém. Gravíssimo defeito: faz e diz o que fez, pau e cobra, enquanto, regra geral, quem faz, diz que não. Severino, sim: faz e diz! E não pede segredos. Dá entrevistas. Os outros escondem-se. Emprega parentes e, na maior cara de pau (cinismo ou honesta sinceridade?), defende o método. Sim, defende o nepotismo! E lamenta mais não poder empregar, que os pedidos naturalmente são muitos. Um parêntesis: não está este ensaio a defender o emprego de parentes, nem a condená-lo. O estudo diz respeito aos símbolos, só isto. 

Não sei se Severino bate o recorde de emprego de parentes no Brasil. Uma certeza porém: ganhou o símbolo de nepotista nº 1 da História do Brasil de todos os tempos. No futuro, alguém que tiver um estudo a fazer, uma tese a aprontar, rapidamente consultará a www os verbetes: «nepotismo Brasil» e, prontamente terá a resposta: Severino Cavalcanti, o chefe. No futuro? Melhor conferir agora mesmo como a consulta será respondida hoje, 7.9.2005. Ei-la:

 

Sim! É de assombrar! As duas primeiras informações, 1° e 2º lugares, o nome do Presidente da Câmara, campeoníssimo, Severino Cavalcanti. Portanto, segundo a rede mundial de computadores, a figura simplória e bonachã de "coroné" Biu, o nepótico.

Severino Cavalcanti, 74 anos, pernambucano, lá de dentro dos matos, município de João Alfredo, PE, também conhecido como seu Zito ou seu Biu do Relógio, este último um "slogan" do tempo em que era próspero comerciante, várias lojas de móveis e relógios entre São Paulo e Pernambuco. Largou tudo para dedicar-se à política.

Pois seu Biu encarna agora um símbolo cruel, o nepotista, o supremo ladrão do Erário. Contudo, um levantamento correto talvez lhe retire a patente quando forem contados a quantos empregou, que nem teria nomeado a tantos, nem roubado no atacado. O problema? Os símbolos! Ele diz que faz. Diz e faz! Alardeia. Dá entrevistas. Os outros, prudentes, fazem mas dizem que não.

Pior, tudo leva a crer que Severino, pelo contrário, é um migalheiro, um pobre-diabo, com um poder ofensivo quase insignificante, se comparado com os grandes gatunos da Pátria. Mas isto, julgá-lo melhor ou pior, foge aos objetivos deste ensaio. Aqui, os símbolos e suas "leituras", só isto. Vejamos o que diz dele o Presidente da OAB:

 

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, atacou duramente nesta quarta-feira, em Florianópolis (SC), o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Busato disse que Severino é "a expressão física do "mensalão", o que há de pior dentro do Congresso Nacional." [O Globo on line, 7.9.2005]

 

Danuza Leão vem de lá, quatro pedras, fogo e tocha no matuto, com esta, como se fosse EPÍSTOLA CONTRA BIU

 

Severino é um jagunço que mal consegue articular uma frase e que poderia, no máximo, trabalhar numa venda de beira de estrada no interior - com todo o respeito aos que o fazem. Vejo também, como num filme, o ilustre deputado descalço, calça arregaçada, chapéu de palha na cabeça, andando por uma estrada lamacenta, com uma enxada no ombro, se dirigindo à lavoura - com todo o respeito aos lavradores. Esta Câmara, que tanta vergonha nos causa, com Severino fica pior ainda. Muito pior. [Jornal O Povo, 7.9.2005]

 

Severino, pior do que todos os outros? Se sim, se não, por favor, este ensaio não pretende demonstrá-lo. Busato, um homem sábio, disse hoje cobras e lagartos do bravo coronel sertanejo. E Danuza Leão, que também não lhe poupa o lombo. Unanimidade nacional, Severino, o inimigo nº 1. Sim, é ele!

Severino já demonstrara grande aptidão para meter-se em fria, há 25 anos, no mesmo 7 de Setembro, quando os senhores de engenho de Pernambuco encomendaram missa de ação de graças a um padre italiano, Vito Miracapillo, que pregava a Teologia da Libertação nos canaviais pernambucanos. O padre respondeu que não celebraria missa de comemoração alguma, uma vez que o povo brasileiro, sob opressão da direita, nada tinha a comemorar. Apesar de todos os demais coronéis e políticos do trecho manterem-se bem caladinhos, ele tomou sozinho a frente do movimento e conseguiu a expulsão do padre. Muito religioso porém, tem conseguido reeleger-se ao longo desses anos todos. Negociador e pertinaz, chegou, no voto, ao cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, o segundo na linha sucessória, logo abaixo do Vice-Presidente da República. 

Explodida agora a crise, Severino saiu daqui para discursar na Assembléia Geral da ONU, certo de que teria deixado os problemas sob controle. Em seu abono, noticiam os jornais, Lula o defende. Severino, como Presidente da Câmara, é peça fundamental a evitar a tramitação de qualquer processo de perda de mandato do Presidente da República, Lula. Ainda em seu favor, aquele que o acusava, em entrevista à imprensa, pareceu retirar a acusação. Contudo, a crise só recrudesceu com a inesperada publicação do fac-símile do início desta página.

Vejamos mais simbologias de Severino, pró e contra:

Há uma foto em que ele aparece, logo após a eleição à Presidência da Câmara, com o umbigo de fora. Nada contra umbigos, de fora ou de dentro, mas o Príncipe (Severino é o segundo na linha sucessória republicana) está obrigado à inexorável liturgia do cargo.

Uma revista de humor, Casseta e Planeta, assim explorou o episódio, na seção piadas fotográficas: O ensaio sensual do novo presidente da Câmara dos Deputados!!! O novo presidente da câmara dos deputados, Civirino Lampião, depois de varrer toda a calçada em frente ao plenário, subir com os jornais pros apartamentos e levar o lixo pra fora, assumiu e mandou um recado para a oposição: "Homi, rapaiz! Eu qui sô dono di meu imbigo!!! Euquisô... prirridente... é ieu...".

Ao tempo de Collor, sua esposa à época, senhora Rosane Collor, apareceu, numa fotografia descuidada, com o fundo das calças à mostra. A Veja fez um paralelo com Rainha da Inglaterra, de quem jamais se ouviu falar sequer usasse calcinhas, que, por certo, usa-as, mas não anda exibindo-as por aí. Pois agora nosso bravo Severino mostra o umbigo por baixo de um paletó seboso. Não o paletó, que era de bom talhe, limpo e bem passado; mas a postura do velhote, desastrada, com certeza. Sim, o tal decoro que se requer, em primeiro ao ancião, mas, e sobretudo, em grau elevado à autoridade de que se reveste o cargo de Presidente da Câmara. Como se não bastasse, Severino, já Presidente da Câmara, pousa para retratos ao lado de uma jovem, ela, também à la Rosane Collor, com o fundo da calçola (é assim que se diz em Pernambuco, calçola) à intempérie.

[Logo após a divulgação do "mensalinho": não se trata de ser ou não culpado, porque culpados todos nós somo-los. "Caído", parece-me o termo justo. Para onde vão as "fisionomias" de Severino Cavalcanti nesta foto?].

Veja esta informação do Blog do Noblat, 3.9.2003, perfeita, coincidente:

 

Ligou-me um amigo do Recife, desses que transitam com desenvoltura à esquerda e à direita, e freqüentam ambientes da classe A à C. Disse-me assim: «O sentimento em Pernambuco é o seguinte: se dissessem que Severino Cavalcanti recebeu de um banco R$ 300 mil por debaixo do pano, ninguém acreditaria. Nem os desafetos deles. Mas essa história de receber R$ 10 mil mensais de um dono de cantina é a cara de Severino. Todo mundo aqui acredita.

 

Nada a ver com puritanismo. Nem com a moralidade, falsa ou verdadeira. Cuida-se aqui apenas do simbólico. Umbigo de fora para o senhor Presidente da Câmara dos Deputados?! Calcinha à mostra, para uma senhora, esposa, parenta ou "amiga" ao lado do Presidente?!

Não é que atraiam "coisas" — mostrar umbigos e calcinhas —, que não penso assim. Imagino que quem as pratica já está, símbolos, com "coisas desarrumadas" dentro de si. Repare no conjunto "face marota", com todo respeito, do velhote, foto à direita. 

Severino, entretanto, nem melhor, nem pior que qualquer outro. Dizem até que é ótima pessoa, amigo, servidor, leal. O "julgamento" aqui, tão-só à vista dos símbolos, não é neste rumo. Nem se investiga aqui seria ele bom ou mau; verdadeiro ou falso. O registro é sobre a perfeita "harmonia" entre os símbolos "barriga de fora" e "calcinhas à mostra" com a simétrica vulgaridade do mensalinho que teria arrecadado, o seu valor banal, insignificante mesmo, embora dez mil reais ao mês não sejam nenhuma insignificância no quadro de pobreza da população — e aqui, repito, não há discussão quanto à verdade dos fatos, mas apenas quanto aos fatos midiáticos versus símbolos. Erro seu: afrontar os símbolos.

Vejamos o valor monetário do mensalinho de Severino Cavalcanti. Os grandes gatunos "trabalham" símbolos outros e, por isto, outros valores. Marcos Valério, simbolicamente um gatuno-mestre — volto a repetir: a verdade não está em jogo —, sua careca reluzente e o aprumo de sua elegância, se falsa, se verdadeira, nada a ver. A esposa de Valério, senhora Renilda, também muito elegante, muito segura, e seus cavalos de luxo — uma rapinagem sob o distinto casal, dizem os jornais, centenas de vezes o mensalinho do mal-amanhado coronéu do sertão, que gente civilizada é outra coisa. Centenas de milhões, o casal Valério, diz a imprensa, enquanto o nosso feioso "coroné" nordestino levava minchos dez paus mensais, que sequer os teria recebido integrais. Com o agravante de que a parcela maior, a "entrada", de 40 mil, segundo os jornais, teria sido rachada com outro deputado, Gonzaga Patriota.

Os símbolos de Patriota? Da mesma estirpe, pelo visto. Patriota nega de pés juntos tenha recebido, mas já esclareci: a verdade, nestes ensaios, não está em jogo. Realmente, quem garante sejam os Lulas, Dirceus, Delúbios, Valérios, Severinos, banqueiros e donos de restaurantes pessoas reais e não apenas clones, ou ETs, aqui mandados instalar pelas potências do capital internacional (Leonel Brizola, que o Deus o tenha!)?! Uma conspiração da CIA, do FMI, do comunismo internacional?! Gostaria de estar vivo daqui a 50 anos para ler o que vai ficar como verdade definitiva. A dos símbolos ganhantes, é claro. Quem sabe, a versão definitiva não venha a ser a de que um bilionário ermitão, um certo Daniel Dantas, seria o único responsável por tudo isto?! — vide artigos de outro visionário que atende pelo nome de Diogo Mainardi.

Símbolos a favor de Severino? Ele declarou, antes de viajar: «Tropeço nas palavras, mas não sou corrupto». Ato de humildade desse porte, reconhecendo-se em tropeços, em quase queda, pode ser capaz de levantar grandes gestos de boa vontade. Mas, a rigor, não é um gesto de humildade total, que dissesse em amplo brado: «Caí. Perdão!»

É muito difícil encontrar e administrar um símbolo suficientemente válido numa crise dessas. Talvez enfiar a face do chão, rasgar as vestes, um grande jejum (símbolos) e biblicamente cobrir-se de cinzas — porque, afinal, só o gesto grandioso, ainda que seja a morte, é capaz de reverter caminhos. Dentro de cada um de nós, latente e real este "símbolo" mais que terrível: «Necessito de tua queda, a te soerguer intacto em meus braços». Assim as grandes tragédias, o "herói" caído, despedaçado e morto (símbolos), ressurreto nos braços da Misericórdia, vide este outro estudo, Psi, a Penúltima.

Levantou contra si, Severino, inábil, outro símbolo no auge da crise. Manteve viagem que já não poderia ter feito. Melhor tivesse ficado. O que terá para dizer perante a ONU um homem sob queda tão medonha?! Passa, pois, uma idéia de zombaria, um símbolo de "não estou nem aí", perigosíssimo em momento tão grave. O assombroso símbolo da desídia, em plena vitalidade contra si. Renan Calheiros, o prudente, que também ia, suspendeu viagem. Ficou. Administra-se.  

Veja este outro, também "coronéu", o oposto do Severino deselegante, seboso, descuidado. Trata-se do ex-presidente Sarney, e seu grande bigode lustroso e bem aparado; jaquetão de muitos botões doirados, a seriedade em pessoa; gentil e circunspeto, a voz pausada, suficientemente "litúrgico". Um homem calmo, o Sarney. Prudente. Acusam-no de ter roubado o Maranhão inteiro, inclusive um convento barroco para fazer o museu de si mesmo. Se é verdade? Por favor, este ensaio não cuida do tema "verdade", assunto de grande interesse de um ex-procurador da Judéia que, no início de nossa era, atendia pelo nome de Pôncio Pilatos. Maiores curiosidades sobre Pôncio e sua pergunta inquietante, aqui, basta clicar: A dúvida.

Sarney tem trabalhado, consciente ou inconsciente, com rara competência, símbolos ótimos, o que não significa seja melhor, nem pior. Incólume. Ainda teve a extrema sapiência de mandar (?) divulgar oportuníssima profecia, de um certo Moacir das Neves, de que será Presidente pela segunda vez. No mínimo, permanece calado; nem desmente, nem confirma a profecia, posição simbolicamente mais forte que desmentir ou confirmá-la.

Profecia, um símbolo de um poder extraordinário, a ser analisado mais adiante. Uma distração imperdoável de Maquiavel, que não disse: «Príncipe prudente é aquele que manda produzir grandes augúrios, ótimas profecias». Com sacrifícios humanos, se necessários, vide Tirésias, cuja profecia (Antígona, de Sófocles) teria levado Creonte a sacrificar o filho infante, Megareu, sob pena de não reinar em Tebas. Quem garante que o governante, ao praticar uma atitude enlouquecida, não estaria apenas a cumprir uma "profecia"?! Creonte não fez por menos. Matou o filho pequeno e reinou sobre Tebas. Contam que Reagan não dava um passo sem ouvir os oráculos. E Bush, à ordem de quem, profeta, teria mandando invadir o Iraque?

E, afinal, Severino cairá ou não?

Não cairá, porque caído, dizem-me os símbolos, já está.

Cassado?

Desconfio que o corpo não lhe suportaria tamanho grito, o sofrimento pessoal, até a hora de. É um sertanejo, rijo em seus 74 anos. Mesmo assim! Um largar tudo seria a opção mais sã, não pela morte — dizem que de muita fé. Ele ameaça, registram os jornais, "contar tudo". Acho que não. Quem passou a vida cultivando favores... os símbolos... saberá do cadafalso... melhor que vá sozinho... a poupar favores... favorecidos —: o bico calado.

Mostrar-se-á Severino digno de seu próprio sofrimento? Como enfrentará os «Arre, desgraçado!», os «Bem que eu avisei!» e os  «Bem feito!»? É da lei, repito, permanente e aterrador, este outro símbolo: o cão raivoso?, todos a ele! Paus, pedras, tiros, "bananas" e palavrões... e os moleques gritando atrás.

Ou, quem sabe, tão medonhamente doido, o velhote, dane-se ele e, sob o mesmo símbolo imprudente de 25 anos passados, quando, apesar de super-religioso, enfrentou a igreja contra o padre, expulsando-o — resolva falar. Isto mesmo, sabendo-se perdido, falar tudo.

Falar o que tem para falar. Imagine-se o pandemônio se ele, antes de vir a ser cassado, encaminhar a cassação do atual "companheiro", o Presidente Lula?! Coragem o velhote já deu mostras de tê-la. Agora de noite, aos repórteres em New York, negou tudo. Em poucos minutos, três versões diferentes e, com grande aborrecimento, disse que enfrentará. Tremei. E o efeito "coragem": um bocado de gente, antes pronta para silenciar, até negociando silêncios, a desandar em falas. Um "pentecostes" tropical... falando... falando. E as línguas de fogo. Se é terrível? Claro que é! E depurativo. Incêndios. Símbolos.

A elite já o abominava apesar de sua generosidade, sua hospitalidade e sua "bondade" sertaneja tão real, típica de um "coronéu" verdadeiro — vide este testemunho de Jorge Bastos Moreno, em seu blog, em O Globo. Antes contudo esta outra imagem do Severino: ele, na manhã-madrugada da inesperada eleição para a Presidência da Câmara, já empossado, a convidar a esposa, dona Amélia, anciã, para sentar ao seu lado, à mesa da Câmara da República do Brasil. Ninguém se deu pela gafe. Por longos minutos, Severino, de Presidente, a comandar a nova legislatura, a sessão on line, ao vivo e a cores, e a esposa placidamente sentada ao ali do lado, nhô coroné e sinhá. Pelo contrário, ninguém reprovou aquele gesto de rara ternura numa casa quase sempre tão brava, sob interesses ferozes, o Parlamento. Era o amor, parece, a ungir a matutice, o caipirato, de todos nós. «Viva coroné Severino!» - gritei daqui (sem grito algum), bem de longe, a milhares de quilômetros. Ninguém escutou. Este retrato, por Jorge Bastos Moreno:

 

Outros dizem que vou morrer entalado pelos bolos de fubá da Dona Amélia. Tem gente que diz que não agüenta mais eu falar dos Cavalcanti. Alguns querem me levar pra CPI por causa da minha amizade com o Severino e dona Amélia, esse casal de velhinhos simpático que me trata tão bem. No campo pessoal, afetivo, minha carência fala mais alta. Eles me tratam bem. Não levo isso para o campo profissional. Saiba você, leitor, que se Severino for de fato ladrão, ele não rouba só o seu dinheiro, mas o meu também. [Blog do Moreno, O globo, 7.9.2005]

 

Está é a minha "profecia", tão-somente à vista dos símbolos: Severino Cavalcanti com o seu primarismo coroneliano, a sua gritante sinceridade oriunda daquela herança tão nossa: Brasil-colônia, senzala e corte — e ninguém mais perfeito à esta soleníssima cerimônia (mais um símbolo):

 

Aarão trará o bode vivo. Imporá as duas mãos sobre a sua cabeça, e confessará sobre ele todas as iniqüidades dos israelitas, todas as suas desobediências, todos os seus pecados. Pô-los-á sobre a cabeça do bode e o enviará ao deserto pelas mãos de um homem encarregado disso. O bode levará, pois, sobre si, todas as iniqüidades deles para uma terra selvagem. Quando o bode tiver sido mandado para o deserto, Aarão voltará para a tenda de reunião, tirará as vestes de linho que ele pôs à sua entrada no santuário, e as deporá ali. Lavará o seu corpo no lugar santo, retomará depois suas vestes e sairá para imolar o seu holocausto e o povo, fazendo a expiação por ele e pelo povo. Queimará no altar a gordura do sacrifício pelo pecado. O homem que tiver conduzido o bode a Azazel no deserto, lavará suas vestes e banhar-se-á. Depois disso poderá voltar ao acampamento. [Levítico, 16, 2126]

 

Sim, não deixe de reparar no final: O homem que tiver conduzido o bode a Azazel no deserto, lavará suas vestes e banhar-se-á. Depois disso poderá voltar ao acampamento. Acrescento: quando então seremos todos felizes para sempre. Aliás, por uns dias.

Quem quiser mais ler sobre esse bode famosíssimo —, recomendo as obras de René Girard, algumas publicadas no Brasil. Um instante: Girard, o grande teórico dessa estranha caprino-expiação garante que todos os bodes expiantes são culpados; culpados, sim, todos eles, exceto o Cristo, expiatório e inocente. Mas isto, certamente, assunto para muita cerveja gelada. E novos símbolos. Uma farofinha e costela de bode assada. [Bodes daqui, é claro — nada com os expiatórios, eles, os bodes. Nós, sim; expiemo-nos]. Leitor, convido-o!

Os agradecimentos ao poeta Sérgio Varuzza Filho pelo envio da maioria destas fotos deste ensaio, em especial a do deputado Severino Cavalcanti com a esposa, na madrugada da votação e posse de Presidente da Câmara dos Deputados da República Federativa do Brasil, uma cena de rara beleza, porque os brutos também amam, assim estava no cartaz de um velho filme.

 

Fortaleza, Ceará, 7.9.2005, noite muito alta.


PS.

Seu Biu termina de dar entrevista coletiva, 11.9.2005. Dentro do previsto, mais brabo que um siri dentro de uma lata, respondeu a tudo. Se mentiu, se falou a verdade, por favor, este ensaio não cuida do tema. Ainda teve o desplante de indagar: «Está satisfeito?» «In-nhô sim, meu coroné!»

Severino demonstrou a inteira validade daquele símbolo de 25 anos passados quando, sozinho, enfrentou o padre Miracapillo. Mais uma vez, se o padre era bom, se era mau: uma tarefa à margem do propósito deste ensaio. Severino meteu os pés pelas mãos e surpreendeu a todos, menos a este ensaiote.

Se o pau vai troar?

Claro que vai! Mas é por pouco tempo, não por morte, mas por ruindade dos símbolos trabalhados pelo Coronéu.

 

PS2:

Esta notícia, a alma penada de nosso coroné Biu, de Jorge Bastos Moreno, em O Globo, 17.9.2005 (sim, vivemos sob a tirania dos símbolos):

 

A coluna conseguiu extrair do fundo da alma de Severino um segredo até então inconfessável. E ele o revelou no momento em que, católico fervoroso, resignava-se a aceitar a perda de mandato como provação divina.

— Eu devo ter feito alguma coisa para merecer tudo isso.

Antes, falara do apoio que está recebendo de todas as igrejas, católica e evangélicas, advertindo aos algozes que ficar contra elas, contra Deus, era temerário. Nesse momento, quase deixa escapar o que confessaria mais tarde na conversa:

— Não aconteceu comigo? Eu não fui...

E parou aí. Mas quando buscou na memória as razões da sua provação, reconheceu finalmente o que nunca tinha admitido até agora: o arrependimento.

— Estou pagando pela expulsão do padre Miracapillo.

A coluna correu ao calendário: Vito Miracapillo recusou-se a celebrar missa pelo Sete de Setembro, em 1980. Todas as ações de Severino na época coincidem em datas com as ações contra ele agora. Abi-Ackel, relator do mensalão, promoveu o processo. Figueiredo expulsou e Itamar anistiou o padre. A arma contra Miracapillo foi a mesma que Lula tentou usar contra o repórter do “NYT”. Deus protege os perseguidos.


 

Índice - basta clicar:

  1. Início desta desta página: Do Círculo Hermenêutico Perifério ou Dos Símbolos — Prólogo e proposta.

  2. O Partido dos Trabalhadores e sua crise de 25 anos, algo a ver com os símbolos?

  3. Os símbolos do PT, decifrações.

  4. Os símbolos de Severino Cavalcanti e sua crise mensalinha.

  5. Os símbolos do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste

  6. Decifrando os símbolos do BB e BNB

  7. Ascensão e queda de Roberto Jefferson — símbolos: o riso, as palmas e o silêncio.

  8. Mais símbolos, os varapaus da Bíblia

 

 

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 Tentativa de viagem aos símbolos

do Partido dos Trabalhadores

 

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Símbolos do BB e BNB;

uma pequena viagem em torno

de Antígona, de Sófocles

 

 

 
Velazquez, A forja de Vulcano

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Um esboço de Da Vinci

 

 

Dos leitores

Abílio Terra Júnior

Adriano Espíndola

Afonso Luiz Cornetet

Albano Martins Ribeiro

Antônio Aurelino Santos da Costa

Aricy Curvello

Auro Ruschel

Betwel Cunha

Carlos Felipe Moisés

Claudio Willer

Floriano Martins

Francisco Gomes de Moura

Frederico Pereira

Geraldo Peres Generoso

Henrique César Cabral

Izacyl Guimarães Ferreira

Lauro Marques

Luiz Paulo Santana

Mara Alanis

 

Maria Helena Nery Garcez

Maria Isabel Araújo

Mario Cezar

Mario Moreira

Milton Larentis

Ozório Couto

Rodrigo Magalhães

Rogério Lima

Rubenio Marcelo

Ruy Espinheira Filho

Sérgio de Castro Pinto

Sergio Wanderley

Valdir Rocha

Walkíria de Souza

Wladimir Saldanha

Weydson Barros Leal

Zilmar Pires Mota

 

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