Mestre Feitosa:
trata-se de um belo trabalho lítero-ensaístico-profético.
A primeira parte, a análise da estrela vermelha, o
símbolo petista, é para mim tão dolorosa — como o
confessou entre triste e contraditória a leitora Maria
Helena Garcez, com quem me solidarizo — quanto trágica,
e arrasa pela secura e dogmatismo de sua análise.
Tome-se este período: “Veja, trata-se de uma estrela
comum, mas, na posição alterada, entortada para forçar,
assume-se arma de ponta, estrela ferramenta,
pé-de-cabra, talhadeira e chave-micha.”
Oh! Céus! Supremo opróbrio! A estrela-símbolo da
ascensão
democrática do povo sob as bênçãos do direito e da
justiça, defensora da ética e do decoro no sagrado
exercício da administração pública, metamorfoseia-se no
seu oposto, no pé-de-cabra que arromba o coração do
Brasil!
Verdade que a cor vermelha da estrela não me convencia.
Pudesse ser amarela sobre verde, ou sobre azul, pudesse
ser branca sobre quaisquer destas cores, fosse verde ou
azul sobre branco, enfim, nada contra as estrelas
vermelhas do mundo, nada contra as cores do mundo, mas,
em se tratando de símbolos, sou mais estrelas das nossas
cores.
A
menos que seja vermelha por sangrar e dessangrar, arma
de ponta a nos levar a todos à catarse, depois da
prosternação, do levantamento e da revisão de nossos
pecados, antigos e atuais, enquanto Pátria de
indivíduos, Nação de História e Costumes.
Mas, a voz do narrador continua peremptória: “Não se
entortam estrelas! Céu algum desta orbe mágica, Gaia,
contém estrelas tortas.” Que bela sentença! Diante dela
a pergunta que se segue parece sem sentido:
“Como saber os dias, senão pela estrela?”
Mas faz sentido. Como violar um símbolo que é símbolo de
guia, de orientação? Como saber os dias, se a estrela
está torta, foi entortada? Como saber os dias de hoje,
os dias mortais de agora, se a estrela, torta, não
representa mais o absoluto de sua total liberdade?
São cavilações de um frustrado, caro poeta, embalado
pela argúcia do narrador em questão. Pinçando trechos,
frases, atraído pela beleza poética do texto, e
fustigado pelas significações.
Mas a tragédia se declara: “Cristal trincado, a morte
sempre irreversível.” Parece ser nua e crua a grande
verdade, embora não seja “a verdade” a preocupação do
narrador. De fato, nada será como antes, e ainda bem.
Agora, Severino. Severino de severo, Severino de
severina, por severa, invenção ou apropriação cultural
de João Cabral de Melo Neto em “Morte e Vida Severina”.
Se
na primeira parte, a da análise dos símbolos petistas,
cristalizou-se, a meu ver, a voz fatídica das
significações, aqui, na análise de Severino, o humanismo
prevaleceu, e com ele, a esperança. Não a simbologia.
Com um domínio espetacular de todo o texto, e de cada
parte, o narrador constrói a figura humana de Severino
nos seus diversos papéis, metido até o pescoço, ou
melhor, até o último fio de cabelo na medula óssea de
nossa cultura e de nossa história.
Comerciante de carreira, bem sucedido, depois político,
figura arquetípica do “coroné”, arquétipo também do
lavrador que bem poderia ser, “descalço, calça
arregaçada, chapéu de palha na cabeça... ... com uma
enxada no ombro...”, nas palavras de Danuza Leão.
Arquétipos. Símbolos. “A expressão física do “mensalão”...”,
disse Busato.
Senhor narrador, eu percebi uma fina ironia de parte de
V. Excelência. Como que a dizer, devagar com o andor,
que o santo é de barro. Eia, Busato, eia, Danuza, atire
a primeira pedra aquele(a) que nunca pecou!
O
sutileza do narrador separou o que é preconceito
arquetípico da embolação com os fatos: ninguém é
expressão física do “mensalão”. Todos somos vetores
culturais e históricos do “mensalão”. E, dona Danuza,
não adianta pedir desculpas aos comerciantes de venda de
beira de estrada, nem aos lavradores de pés no chão. Mas
eu assumo consigo a falha histórica: você expressou a
nossa verdade ancestral. Inconsciente. Preconceituosa.
Que aprendam os Luizes Inácios e os Severinos as lições
que nos cabem a todos. Não são as suas figuras, as suas
estirpes, de resto ligadas ao cerne do Brasil, o que
eventualmente os desonrará. São, na certa, os males de
que todos padecemos.
Por tudo isto, querido poeta, valho-me de mais uma frase
pinçada no seu rico ensaio: “Talvez enfiar a face do
chão, rasgar as vestes, um grande jejum (símbolos) e
biblicamente cobrir-se de cinzas — porque, afinal, só o
gesto grandioso, ainda que seja a morte, é capaz de
reverter caminhos”.
Pois é o que estou simbolicamente fazendo: enfiando a
cara no chão, na poeira dessa brasilidade, nos
subterrâneos do nosso coração, desnudando-me,
perquirindo-me, quem sou eu, onde, quando, por que tenho
sido corrupto, para compreender-me e compreender as
contradições em que nos metemos, para começar por mim a
catarse pela qual, consciente ou inconscientemente, pelo
menos a maioria de nós está passando. Uma catarse que
faça jus à hipótese do narrador, atribuindo a Severino
“um gesto de humildade total, que dissesse em amplo
brado: “CAÍ. PERDÃO!” Prostrado diante da multidão
silenciosa, como num quadro de Di Cavalcanti.
Abraço fraterno,
LPSantana
BH/MG
P.S.: Impressionado com as análises dos logos do BB e do
BNB. Proponho, como cidadão e sócio, desde já, a
mudança. Não acredito em fantasmas, mas mudava. A
dissecação do logo do BB foi uma obra de arte. A do BNB
tem até um lado patético. Mas, curiosamente flagrante.
Serve de advertência aos criadores de símbolos. Não há
mal nenhum numa bunda, parte de nossa anatomia. Mas, a
cultura, as crenças... A estrela do PT: mudava. Não a
estrela, mas a cor ou as cores. E, claro, deixava livre,
de pé, inteira, conforme a simbologia (conhecida e
desconhecida, inventada e por inventar) das estrelas.
Abraço, e continuarei de olho na seqüência.
LPSantana
Sent: Thursday, September 22, 2005 11:42
AM
Subject: R. Jefferson & Varapaus
Para mim muito boa a primeira parte, amigo
Feitosa, poeta e escritor. Espetacular a segunda,
dos varapaus. Não que seja eu um versado em
traduções e erudições que tais, não. Simplesmente
pela viagem, pela curiosidade do texto, pela
prazerosa investigação, pela aprendizagem
imediatamente compartilhada, tudo isso versado no
seu inconfundível modo de narrar.
Para mim já inconfundível como ler algo e
dizer, é Drummond, é João Cabral, é Gullar, é
Saramago, é Rosa, e não é nenhum mistério posto que
se lemos com freqüência alguém com quem nos
identificamos e que efetivamente tem estilo
próprio, logo o observamos e — já o confirmaram
vários dos seus leitores — não custa reafirmar.
O narrador pergunta: "Então, o homem não é
uno?" Quanto ao estilo, parece que sim. O jeito, a
assinatura, o modo de falar. Verdade que podemos
assumir outros estilos, propositadamente, treinando.
Mas solto, espontâneo, vai-se estabelecendo o traço
personal. E quanto ao resto, as certezas, as
dúvidas, as decisões, "Então, o homem não é uno?",
repito a pergunta do narrador, e respondo com as
suas palavras, "Claro que não! No mínimo, a
tangê-lo, coisas do dia, coisas da noite, afora as
do crepúsculo da manhã e do crepúsculo da tarde."
Fico com o narrador.
Voltando à vaca-fria (vá lá se saber a
origem de tal expressão, à vaca, de vasta
simbologia), eu assisti precisamente aquela sessão
da CPMI, ocasião em que se deu a mencionada
risadaria. De fato, aquilo mais parecia um final de
reunião no boteco da esquina. Virou piada. Desfez-se
no alarido o rito processual. Acabou.
Afirma o narrador, e o apóia a espetacular
citação bíblica: "Estes, pois, os símbolos que
levaram Jefferson à derrota: o riso, o gabar-se das
mulheres e o discurso morno. «Como és morno, nem
frio nem quente, vou vomitar-te.» Apocalipse, 3-16".
Com relação às mulheres, há um sem número de
razões a fundamentar essa assertiva. Talvez
exercesse eu o instinto de origem, quando censurei
intimamente a fala do deputado Maurício Fruet, jovem
promessa, boas dicção e prosa, mas que me veio com
essa, em plenário, solicitando a palavra para uma
"questão de ordem". Disse o deputado: "Excelência, é
uma intervenção mini-saia: curta e provocante".
Havia ainda mais um termo de que não consigo me
lembrar. Ora, o uso de algo pertencente ao universo
feminino com intuito de mofa, gozação,
brincadeira, pareceu-me, em si mesmo, ao ambiente e
ao objeto de que se tratava, um erro crasso. Do
mesmo naipe do que cometeu Jefferson.
Por outro lado, varapaus trocados por
porretes, ou cacetes, ou paus, é mesmo de
lamentar. Imagino que uma das dificuldades da
tradução resida justamente em evitar as soluções
"fáceis", que descaracterizem a forma original. Do
jeito que a coisa se deu calhou bem o "...clister de
pimenta. Lá neles, por favor!" E o arremate: Claro
que os cobri de imensos palavrões. Se "palavrões" já
traduz algo grande, imagine-se antecedido do termo
"imensos". Santa e justificada fúria.
Se alguém se socorrer do quadro de Giotto
vai achar estranho o comprimento dos tais cacetes ou
porretes ou paus, que mais se parecem varas
compridas ou... varapaus.
A dedução do provável horário da prisão de
Cristo foi outro lance espetacular. Os archotes,
mencionados por João e observados por Giotto. Muito
interessante a tática policial, desde os tempos,
sim, senhor. De fato, faz sentido: Dali a minutos
será dia pleno... e, ao romper da barra, o
indefectível e aterrorizante: "Teje preso!", que
Deus defenda, proteja, guarde e acautele.
E eu me persigno e arremato: Amém!
São muitas as abordagens do erudito
narrador, a merecerem comentário, como esta: "Isto
existe, sons, uma pronúncia especial, algo para além
do sentido léxico e lógico do vocábulo? Parece que
sim!". Isto colocaria escritura e oratória no rol
dos termos de uma possível dissertação, pelo menos
num de seus aspectos, escritura aqui entendida como
escrita, oratória como fala, discurso. Em Saramago,
a meu ler e ouvir, coincidem as duas coisas no que
diz respeito à atenção e fruição do
ouvinte/leitor. Tanto sua oratória, quanto sua
escritura, são agradabilíssimas. O que não ocorre
com todos os(as) escritores(as). Nem todos possuem o
que comumente se chama "o dom da palavra". Ou
será uma cousa muito diferente dessas modestas
especulações? Tudo pode ser, na voz do nosso
preclaro narrador.