Luiz Paulo Santana
Penso, e no entanto...
Bem que tentamos
libertar o mundo.
Não sabíamos que o mundo
é tão duro, inflexível.
Bem que tentamos
libertar o amor.
Mas o amor (o que é o amor?)
andava ocupado
com as inflexibilidades do mundo.
Depois descobrimos que o mundo
que queríamos libertar
habitava em nós.
De repente, o mundo somos nós.
O que fazer, então,
se somos tantos?
Calamo-nos perplexos.
Ficou difícil libertar o mundo.
Porque não há liberdade possível.
O mundo somos nós
e nossas palavras de ordem
libertas quae sera tamen,
somos nós e nossas máximas
liberdade, igualdade, fraternidade,
somos nós e nosso estranho
desejo de liberdade,
de sair por aí tocando flauta,
de deitar sob uma árvore,
de experimentar a solidez
cromática da pedra,
de ser mundo como o mundo é
no seu silêncio
na sua solidão
na sua imobilidade.
Libertar o mundo de sua indiferença,
nós que gritamos e sofremos,
nós que nascemos e morremos
enquanto o mundo é
a árvore é
a pedra é
as estrelas são (ainda mais distantes).
Não há liberdade nas estrelas.
Não estou liberto de nada
nem dos homens, nem das estradas,
nem da árvore, nem da pedra,
nem do meu peso estou liberto,
nem da manhã, nem da noite,
nem do sono, mesmo desperto,
mesmo dormindo, mesmo gozando
a céu aberto.
A única liberdade é saber
que não há liberdade.
A única liberdade é saber,
portanto, é pensar.
A única liberdade é o pensamento.
E no entanto...
Os dias e as noites,
as chuvas e os ventos,
as estações do ano,
as fases da lua
o tempo contado nas estrelas,
tanto, todo, tudo
pôs fim à minha liberdade.
Durmo e acordo,
gozo e trabalho,
sei que o mundo é redondo,
mas o que vejo?
O centro de tudo sou eu,
mas não há liberdade.
As estrelas passam,
a lua e o sol,
os dias e as noites,
os amigos e os carros,
as chuvas e os invernos
e eu resisto.
A todo instante existo
em meu eixo,
e nem mesmo o que sou
eu tenho.
Que lógica férrea é esta
que me faz perceber
as cores?
Que ilógica férrea é esta,
um nada que cabe em tudo,
um tudo que cabe em nada?
Tudo sou eu,
e é pesado.
Nada é pesado
como tudo.
Tudo e nada,
pesados como chumbo.
Mas não há liberdade.
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