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Luís da Silva Araújo


 

Soneto


Por quantos trilhos palmilhei um dia
e quanta estrada ultrapassei infrene,
por esperança que então eu sentia
hoje formada em ilusão perene.


Vi um presságio do futuro meu
que com seu gáudio para mim surgia
na transparência da visão sandia
e me tornava também um sandeu.


Agora eu sinto por misérias tantas
que o meu futuro são apenas dores
e que eu não posso nunca mais sonhar.


Porque me fiz, eu mesmo, um sacripanta
e, assim, envolto por meus dissabores
numa vontade louca da chorar.


CPE-MS, 29:12:93
19:25


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

Luís da Silva Araújo


 

Soneto


Quanta emoção me invade o peito agora
que os olhos meus marejam de saudade
por um amor que foi nem sei a hora
me desprezando vil, sem caridade...


Porque na larga desse mundo errante
partiu sem pena tudo o que eu queria
para apagar o lume em que eu vivia,
para queimar minh'alma vil de amante.


Chora minh'alma, eu sei, desconsolada
- se é que existe ainda no meu ser,
- se é que pode ainda me alentar.


Porque sombrio eu sigo a minha estrada
uma agonia enorme a conceber
enquanto espero a vida me matar.


CPE-MS, 19:12:93
10:45


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

Luís da Silva Araújo


 

Soneto


Passam as horas, também passa a vida
na lentidão sem nome do seu rito
para roer minh'alma empedernida,
para afastar-me desse amor maldito.


Porque esperei silente no meu canto
todos os dias que viesse a flor
pra aliviar de vez o meu quebranto
e colorir de novo o meu palor.


Mas só de enganos me foi feita a vida
e de mentiras e de sofrimento
e de misérias e de desencanto.


Assim, se tenho a (i)lusão partida
melhor que morra o meu amor nojento
pra que minh'alma não se afogue em pranto.


CPE-MS, 20:12:93
21:21


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

Luís da Silva Araújo


 

Soneto


Ouço o cantar do pássaro, estridente,
que vem ferir de gume os meus ouvidos
junto à saudade da mulher ausente
pra amarfanhar de vez os meus sentidos ...


Porque a saudade no meu peito é um grito
que não comove mais ninguém no mundo
e que me rói a mim porque o permito
na decadência de um amor imundo ...


Chora o meu peito, como a ave chora
enquanto chilra em sua indiferença,
os seus soluços de criança nova.


Pois é saudade de quem foi embora
o que me prostra e amarga e fere e imprensa
e que me põe a vida inteira à prova ...


CPE-MS, 21:12:93
10:12


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

Luís da Silva Araújo


 

Soneto


Por quantos trilhos palmilhei um dia
e quanta estrada ultrapassei infrene,
por esperança que então eu sentia
hoje formada em ilusão perene.


Vi um presságio do futuro meu
que com seu gáudio para mim surgia
na transparência da visão sandia
e me tornava também um sandeu.


Agora eu sinto por misérias tantas
que o meu futuro são apenas dores
e que eu não posso nunca mais sonhar.


Porque me fiz, eu mesmo, um sacripanta
e, assim, envolto por meus dissabores
numa vontade louca da chorar.


CPE-MS, 29:12:93
19:25


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

Luís da Silva Araújo


 

Soneto


Abro a janela. E a rua deserta
pra mim se estende como um desafio;
cá dentro o lume de curto pavio
tremula ao vento da janela aberta.


Quase escurece o meu quarto, e amedronta
qualquer passante que surge na rua
como entendesse no (a)to uma afronta
enquanto o lume dançante recua.


Fecho a janela e derrubo no leito
este meu corpo cansado e dorido
e a vela apago que não se mantém.


E o desafio que vem sem proveito
faz-me aguçar o meu débil sentido
pra ouvir quem chega, e não ouço ninguém ...


CPE-MS, 30:12:93
21:16


 

 

 

 

 

 

 

08.09.2005