Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Raquel Naveira


 

Napoleão


Sonhei que era Napoleão
Como qualquer louco
Que tem direito a seu sonho.

Como Napoleão
Sonhei com uma coroa,
Um manto,
Um naco de mundo entre os dentes.

Como Napoleão
Sonhei com palácios,
Abelhas, lírios,
Passeios num cavalo branco.

Como Napoleão
Sonhei com pirâmides,
Tempestades de neve,
Uma cama de campanha no deserto.

Como Napoleão
Acordei
E não era dono de nada,
De nenhuma ilha,
De nenhuma bússola,
De nenhuma glória.

Como Napoleão
Acordei e vi que tudo era sonho.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

Raquel Naveira



Oração


Senhor,
Envia um anjo teu,
Que ele entre em minha casa
E tome lugar de honra
Como quem vem para um banquete.

Pode ser Miguel,
Valente,
Arcanjo poderoso
Com toda milícia celeste
Que percorre os ares.

Pode ser Rafael,
Pajem,
Estrela-guia
Que nos acompanha
Nesta difícil viagem.

Pode ser Ariel,
Jeriel
Nanael,
Qualquer um que desça do céu
E diga que teu reino está próximo
Dentro do meu ouvido.

 

   

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

Início desta página

Ademir Demarchi

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

Raquel Naveira


 

Elegância Suprema


Caminho por um tapete violeta
Estendido sobre nuvens.
Como é suntuosa tua morada!
Gotículas de chuva
Cristalizam-se em diamantes
E raios de sol
Pendem das colunas
Como correntes de ouro!

Meu rei, meu Senhor!
Quanto fausto!
Quanto brilho
Na tua túnica,
Na tua coroa,
No escabelo
A teus pés!
Por que ocultaste até o último instante que eras rei?
Por que não trouxeste teu séquito de anjos?
Tuas hordas,
Teus leões,
Tuas trombetas?

Por que te abandonaste a ti mesmo?
Indefeso,
Preso ao madeiro
Como fruto apodrecido?

Meu rei, meu Senhor!
Que suprema elegância!
O manto,
O cetro,
O olhar que me lanças
E que gera e mim a ânsia de combate,
A fé segura,
O equilíbrio.

Como eu poderia adivinhar
Que um homem era Deus?


 

   

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

Início desta página

Anísio Lage Neto

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

Raquel Naveira



Cheia de Graça


Maria era cheia de graça...
A graça estaria na sua forma?
No seu corpo longilíneo de garça,
No seu cabelo
Esgarçando feito véu?
No seu aspecto singelo e níveo
De esposa imaculada?
Na composição
De cada uma de suas partes
Formando um todo harmonioso?
Na expressão dos olhos,
Nos gestos,
Nos movimentos de quem sabe
Recolher água em cântaros
Para beber
E banhar-se?

A graça estaria no espírito?
Seria beleza invisível,
Estilo de ser,
Dons e virtudes
Escorrendo como caudas de cometas?

Gazela,
Bailarina,
Camélia,
Que graça seria a dela?
Que milagre inspirado
Era Maria
Cheia de graça!


 

   

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

Início desta página

Rubenio Marcelo

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

Raquel Naveira



O Bem e o Mal


O bem é ser livre
E voar muito além dos pinheiros da montanha.
O mal é ser cativo
E ter olhos de pássaro cegados por agulhas.

O bem é ser jovem
E conquistar com passos decididos a estrada do ideal.
O mal é ficar velho de repente
E fazer um triste inventário de rugas.
O bem é ser semente
E fecundar de palavras o vento e a terra.
O mal é ser solo estéril
E não poder estalar de arroz e mistérios.

Como é árduo escolher o bem!
Voar pode ser extremamente perigoso,
Melhor ficar cego às verdades mais simples.
Como é difícil escolher o bem!
O ideal é chama que se apaga,
Melhor ficar velho diante da própria impotência.
Como é amargo escolher o bem!
A terra se cobre de ervas daninhas,
Melhor ficar calcinado do silêncio do deserto.

Mas se escolhermos o mal,
Não veremos nunca a paisagem além da montanha,
Não teremos o coração rejuvenescido do doce ideal,
Nem provaremos o alimento capaz de nutrir nossas
entranhas mais profundas!


 

   

 

Um cronômetro para piscinas

Início desta página

Valdir Rocha

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

Raquel Naveira



Bicho Esquisito


Poeta é cão perdigueiro
Farejando tudo:
Até no lixo
Encontra cacos de estrela.

Poeta é inseto de antena,
Captando sons,
Imagens,
Mensagens telepáticas.

Poeta vive procurando rastros,
Códigos cifrados,
Hieróglifos em rosetas.

Poeta vive deixando trilhas,
Caindo em armadilhas,
Desvencilhando-se de teias.

Poeta vive catando sinais,
Atento a gestos, a gosmas,
A gemidos no vento.

Poeta é bicho esquisito,
Meio cachorro,
Meio mosquito,
E com mania de perseguição.


 

   

 

Bronzino, Vênus e Cupido

Início desta página

Raymundo Silveira

 

 

15/06/2005