Roberto Pontes
Dois poemas em
torno da ausência
por Elizabeth Dias Martins |
A presente análise* diz
respeito a ausência e memória nos poemas "Memória" e "A um ausente",
de Carlos Drummond de Andrade, e "Ars Superandi" e "Os Ausentes" de
Roberto Pontes.
O método seguido é o
comparativo, que permite estabelecer um contraste direto entre o
poetar dos dois autores, donde é possível chegar a conclusões
significativas acerca dos temas que servem a esta abordagem.
A relação entre os dois
conceitos é simples, basta recorrermos a algumas acepções da palavra
ausência tais como afastamento, carência, falta, distanciamento, mas
que também pode significar lapso de memória, esquecimento. A
ausência refere-se portanto ao afastamento espacial de coisas e
pessoas, gerando falta e carência dos que se distanciam; mas ao
mesmo tempo ao de fatos, e de momentos da vida que estão
distanciados no tempo, e que só podem se fazer presentes pela
memória.
O poema "Memória", de
Drummond, está inserido no livro Claro Enigma (1951). Sobre o livro,
Affonso Romano de Sant’anna diz que a partir dele "o poeta aprende a
amar tudo aquilo que perdeu ou vai perdendo no atrito com o tempo".
Acrescenta ainda que nos poemas de CE há uma "sensação de perda e
lembrança insistente das pessoas e coisas que ficaram para trás no
espaço (província) e no tempo (morte)" (Santa’anna, 1972 p.185)
Neste livro é muito
acentuada a temática da morte pois, o poeta começa a perder parentes
e os poetas amigos, de sua geração. A memória passa ser forma de
tornar próximas as coisas que já estão bem distantes no tempo.
Assim, o poeta estaria mais distante do "enigma" da morte, que nesse
passo de sua vida se fazia tão presente e tão real, privando-o da
companhia de pessoas do seu convívio.
Silviano Santiago, em
artigo acerca do discurso memorialista de Drummond, constata que "a
escrita autobiográfica e memorialista percorre todos os livros do
autor" e que o tom dessa escrita leva o leitor "a perceber por
detrás de antigos poemas memorizados o peso da experiência vivida
que lhes serviu de alicerce". Porém, a certa altura o adulto sai de
cena cedendo lugar para o "menino antigo", e nesse ponto: "O passado
não existe enquanto tal; ele não se dissocia do presente e do futuro
– tudo se transcorre num eterno presente cujo epicentro não é a
contemporaneidade, mas o próprio passado (...) Para o escravo da
infância não há futuro, há só passado".(Folha de São Paulo, 7 de
abril de 1990). É exatamente como acentua Ecléa Bosi ao tratar das
lembranças de velhos em seu livro Memória e Sociedade:
Ao lembrar o passado
ele [o idoso] não está descansando, por um instante, das lides
cotidianas, não está entregando-se fugitivamente às delícias do
sonho: ele está-se ocupando consciente e atentamente do próprio
passado, da substância mesma da sua vida. (Bosi, 1987 p.23)
"Ars Superandi", de
Roberto Pontes, é um poema ainda inédito em livro, mas já nasce
integrado a um conjunto que também tem por base a memória. Em
Memória Corporal (Rio: Antares, 1982) o poeta procura deixar
apreendido o instante, o momento que passou, mas pelo registro
lingüístico calcado no presente, vemos que este passado não surge
como lembrança, ou à guisa de saudade, e sim como acontecimentos que
permanecem. Basta ler três dos "Cinco prelúdios" do livro em apreço
para termos a idéia da fixação do instante vivido sem apelo ao
passado:
I
II
III
Voadejando
Gotagoteja
Furtacolorindo
a pétala
a têmpera de cera.
a polpa
pejada e só
Forte âmbar
pingo morno
repousa levitando vem do colo
corroído. afoga o ventre
no círculo do sonho.
no betume.
Em Verbo Encarnado
(Rio: Sette Letras, 1996) a memória também desempenha papel
preponderante. Desta feita, porém, com o intuito de superar a
memória dolorosa de fatos políticos que são devidamente registrados
em notas posteriores. Os poemas, por sua vez não trazem a nostalgia
do passado e sim procuram registrar a presença dos seres e fatos
evocados como em "Lembrança de Neruda":
O búzio dorme na madeira enxuta
e dentro dele, represado, o mar.
E as uvas pétreas
que jamais se douram
junto ao símbolo marinho
trazem-me à lembrança os temas de Neruda
os versos que cantou
e os que ele quis cantar.
A memória é usada para
prestar uma homenagem bem oposta ao pensamento melancólico.
Feitas essas
considerações, vejamos de que modo elas se refletem nos poemas
trazidos para comparação. Em CD a memória é evocada desde o título,
sendo ela a responsável pela confusão que acomete o coração do
poeta, visceralmente preso ao passado, "o perdido", que ama
nostalgicamente:
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
O eu-poético admite que
o esquecimento não tem forças diante do apelo do não lembrar, que se
torna sem sentido no confronto com o desejo de trazer à tona o
passado:
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
O poeta dá-nos a entender que as coisas reais, ou seja, as situadas
no presente, não são perceptíveis àqueles que estão mergulhados no
passado. As coisas reais são, para ele, as idéias, os espectros do
pretérito, no que se aproxima – se não se identifica de todo – com
as teorias neo-platônicas (a idéia é o real; o real-objetivo é
apenas imagem):
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
O poema se conclui com uma confissão de apego memorialístico às
coisas que passaram:
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Os versos de Drummond são uma celebração do passado, memória
nostálgica, melancólica e estaticizante, espécie de retorno.
O poema de RP traz de início a última estrofe do de Drummond como
epígrafe, apresentando a tese (as coisas findas são belas e as
únicas que permanecem), que será questionada nos dois tercetos após
ter sido apresentada a antítese nos dois quartetos, sendo que o
verso final é a conclusão do jogo dialético (Hegel). Mas, qual a
antítese que suscita o poeta?
A partir do título o autor já declara sua intenção, que é a "arte de
superar" o apego ao passado.
A idéia básica do poema é o "carpe diem" de feição horaciana, que
significa: colher o instante, aproveitar o momento. Para RP o
passado não deve ser esquecido ou apagado:
Não sendo lindas
As coisas findas
Devem ficar
Soltas no ar .
Porém "as coisas findas" não devem suplantar o presente, diz Roberto
Pontes. Devem oferecer a perspectiva de viver o presente voltado
para o futuro. As coisas do passado não são bem-vindas quando
evocadas com nostalgia ou melancolia. Elas são comparáveis a restos,
resíduos existenciais, que devem ser diluídos ou dissolvidos por ato
existencial equivalente à alegria:
Não são bem-vindas
São como aindas
A dissipar
Em qualquer bar.
Essa estrofe sugere que ao primeiro gole já se dá o esquecimento do
que é morto.
O poema não encerra a perspectiva hedonística (desfrute do prazer
refinado), nem a de viver tudo num instante só (epicurismo). Para o
poeta, o momento significa uma duração maior. Portanto, não vê razão
em viver-se apegado ao passado, ou seja, ao abrigo de ilusões em vez
de fruir a realidade:
E se são findas
Quais as razões
De assim trocar
Coisas florindas
Por ilusões?
– Deixa-las ‘tar.
O poema de Roberto Pontes é celebração do presente, memória
evocadora e de registro. Implica dinamicidade, o passado
compreendido como elemento construtor do presente e do futuro. Nele
"o sujeito se acha situado antes no eixo presente-futuro que no eixo
passado-presente"(Bosi, p. 29).
No plano da linguagem a ars superandi também ocorre: CD usa o idioma
materno; RP utiliza também o latim. O léxico de CD é todo
dicionarizado; o de RP inclui dois neologismos e duas re-circulações
de feição clássica, a segunda, irônica.
Quanto à métrica: o verso de CD é de cinco sílabas; o de RP é de
quatro, logrando este um ritmo mais leve.
No que respeita ao modo poemático: CD utiliza quatro tercetos (12
versos); RP faz uso do sonetilho (14 versos), modo de mais difícil
consecução.
"A um ausente" é poema do livro póstumo Farewell, que o autor, tendo
concluído, deixara preparado "numa pasta de cartolina azul-claro,
pouco antes de morrer"(Humberto Werneck. Prefácio. In: Farewell.
p.8), o que veio a acontecer em 17 de agosto de 1987.
No posfácio, Silviano Santiago nos informa que o poema em análise é
"possivelmente dedicado ao amigo e companheiro de geração Pedro Nava"(Santiago,
In:Farewell p.122), que suicidou-se e, portanto, rompeu um trato de
amizade, indo embora antes do tempo sem despedir-se dos amigos,
ferindo a lei da natureza. O poema é uma acusação, libelo contra a
traição da amizade praticada por Pedro Nava através do suicídio. A
ausência no poema de Drummond é a de quem não retornará mais.
Texto de estrutura bem moderna, estíquico, com versos heterométricos.
Nele o autor emprega o processo anafórico (vs. 1, 2, 5, 6, 16, 21,
22, 25), lança mão basicamente de metáforas, p.ex.(vs.3, 10 e 11),
de eufemismos, (vs. 4, 23, 25) e circunlóquios para não falar tão
direto de morte e suicídio. Através dessas expressões há como que um
escrúpulo do poeta em tratar do ato que patenteia o egoísmo de quem
se mata.
Em CD o poeta dialoga hipoteticamente com aquele a quem dirige o
libelo, e inicia dizendo – quem sabe para si mesmo – a razão de ter
saudade e de acusar: "Tenho razão de sentir saudade, / Tenho razão
de te acusar". Depois são acrescidas algumas informações que
justificam as afirmativas. Alguém rompeu, eliminou bruscamente uma
amizade, e o modo como isso foi feito fica bem marcado pela
significativa escolha da forma verbal "detonaste", empregada numa
gradação que demonstra a gravidade e os motivos da acusação – alguém
detonou o "pacto" e a "vida geral". Tal ato pôs fim a um acordo
comum de viver tudo "até o limite das folhas caídas na hora de
cair", de explorar novos rumos sem pressa:
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida em geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Na estrofe seguinte o poeta deixa mais claro o sentido da palavra
detonar (Pedro Nava matou-se com um tiro), pois o ato do acusado foi
grave, único e último, "sem continuação". Diz isso de forma
interpelativa, procurando resposta para a ousadia de um "ato em si
(...) que não ousamos nem sabemos ousar porque depois dele não há
mais nada". Adiante, a justificativa da saudade está nas lembranças
do dia-a-dia, nos gestos simples e nas conversas que, mesmo
"conhecidas e banais", tinham algo de "certeza e segurança", o que
contradiz o ato de pôr fim à vida, vivê-la "sem provocação",
expressão esta que pertence ao mesmo campo semântico de suicídio. Na
estrofe final, o poeta mais uma vez reforça a razão de seu
sentimento e a reprovação do ato cometido. Nela fica marcado o
contraste entre SIM e NÃO. Ao modo de um veredito, o poeta condena e
diz NÃO a todo aquele que age contra as "leis da amizade e da
natureza", e SIM aos que prezam a vida e a compartilham com amigos:
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
Cabe ver na estrofe uma alusão implícita ao estreito convívio que
uniu a turma do Colégio Arnaldo da qual faziam parte Afonso Arinos,
Jucelino Kubitschek, Pedro Nava e o próprio poeta, entre outros.
Relevante é o fato de todos os integrantes da referida turma já
haverem desaparecido, com exceção dos dois últimos, quando Nava
cometeu o ato fatal. Através de Ecléa Bosi sabemos que o grupo: é
suporte da memória se nos identificamos com ele e fazemos nosso seu
passado. (...) O grupo (...) duradouro, constitui, pouco a pouco,
uma história e um passado comuns, não raro se definindo por alguma
maneira de atuar na sociedade que caracteriza sua geração. (...) As
lebranças grupais se apóiam umas às outras formando um sistema que
subsiste enquanto puder sobreviver a memória grupal. Se por acaso
esquecemos, não basta que os outros testemunhem o que vivemos. É
preciso mais: é preciso estar sempre confrontando, comunicando e
recebendo impressões para que nossas lembranças ganhem consistência.
(Bosi, p. 336)
A ruptura dos laços de amizade consolidados pela memória fazem com
que Drummond assuma o tom retórico de acusação da última estrofe,
quando recorre ao emprego do Sim, por duas vezes, significativamente
escritos com maiúsculas. Na mesma estrofe, o inconformismo e o
espanto deixam vir à tona a perplexidade do poeta para com o amigo
que não usou a amizade para abrir-se.
"Os ausentes", do livro Verbo Encarnado, foi escrito em 1969 e vai
dedicado pelo poeta ao colega do Liceu do Ceará, votado frade da
Ordem dos Dominicanos, Tito de Alencar Lima. O poema foi vertido
para o francês pelos monges do convento de La Tourette, L’Arbresle,
Lyon, France, "circulou como abertura do chamado Dossiê Tito, por
iniciativa dos dominicanos franceses"(RP. Notas Posteriores. In:
Verbo Encarnado. p.103-104). O livro se abre com a versão francesa
do poema. Nele também há a consagração de uma "inabalável amizade"
que tem a mesma origem que a de Drummond e Nava. Aqui, entretanto, a
ausência é a de alguém distante, mas não desaparecido para sempre
(no momento em que foi escrito Frei Tito ainda vivia).
Texto de estrutura anafórica e paralelística. As estrofes começam da
mesma forma, havendo apenas uma pequena variação na última delas. Os
versos, a exemplo dos de CD, são heterométricos, e também não há
modo poemático definido. Além desses elementos, caracteristicamente
modernos, deve-se ressaltar ainda a utilização do "processo de
condensação da linguagem", como é o caso da elisão do de e do por ou
às no 2º e 3º versos da primeira estrofe, respectivamente. Este
processo, segundo Silviano Santiago, seria o aprendizado da lição do
poeta e crítico Ezra Pound (Santiago, p. 108), aquela que no poema
caracteriza também experimentação lingüística se somarmos o recurso
da elisão ao uso neologizante do "recheias" como adjetivo. A
linguagem é comedida quanto a ornatos. Dentre os poucos que nela há,
temos: enumerações com assíndetos (vs.2, 4 e 17); é mais conceitual
(uso de 5 verbos que exprimem estado ou modo – necessitar, ser, ter,
jamais fugir, ficar); uma única metáfora (vs. 8 e 9); uma comparação
(vs.15 e 16) e, por fim, na formulação sintática, duas proposições
que implicam causa e conseqüência (vs. 5-6 e 7-10); uma antífrase (vs.
6); e um oxímoro (vs. 13).
O texto de "Os ausentes", diz a professora Angela Gutiérrez, é peça
de "delicadeza, quase diafaneidade" (Gutiérrez: 1996). O poeta
inicia dirigindo-se a um TU geral, assumindo uma atitude de
solidariedade e carinho típica de quem pensa a carência humana. O
poema nos fala da presença constante dos que estão distanciados
fisicamente. Assim estando, necessitam da prova concreta dessa
lembrança, que se manifesta não só por saudade ou falta, e sim por
muito mais – solidariedade, pena, realização comum de tarefas,
importância da pessoa distante. Nele, a amizade é celebrada num tom
evocativo:
Os ausentes necessitam sempre
bilhetes, cartas e coisas
vezes pequenas lembranças
uma gravata, um poema, um postal.
Os ausentes são tão necessitados
que ninguém os lembra
nem só por saudade ou falta
Os ausentes têm mãos invisíveis
e figura tão diáfana
que os versos para eles
já nascem feitos poemas.
Quando de sua leitura sentimos um pouco de solenidade, porque as
palavras selecionadas transmitem respeito pelo outro. Porém o poema
é muito mais uma mensagem de alerta em favor dos que se encontram
"exilados", carentes de "pequenas lembranças" que possam fortalecer
o ânimo do distanciado de suas raízes, da pátria, do convívio
fraterno de amigos e familiares. Oportuna é a observação de Ecléa
Bosi quanto a importância dos objetos como alimentadores da memória:
Mais que um sentimento estético ou de utilidade, os objetos nos dão
um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade. Mais
que da ordem e da beleza falam à nossa alma em sua doce língua
natal.(Bosi, p. 360)
Com este poema o autor chama nossa atenção para a presença constante
daqueles que se ausentam, que "jamais fogem ao nosso convívio/ ainda
que a distância seja tanta", pois deles "fica sempre um sorriso/
como as pinturas recheias/ de surpresa, reencontro, irreal". Há
mesmo um sentimento de falta recíproca, tanto é que qualquer coisa
se converte em sinal de existência, inclusive o próprio poema. Para
concluir, queremos ressaltar que o poema de CD é como que o
desdobramento do de RP, e ao mesmo tempo poderia ser a continuação
do sentimento do poeta de Verbo Encarnado, posto que algum tempo
depois Frei Tito se desfez de sua vida, abandonando-a em uma árvore
de um bosque de Lion.
Memória
Ars Superandi
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
Amar o perdido
essas ficarão.
deixa confundido
C. D. A.
este coração.
Não sendo lindas
Nada pode o olvido
As coisas findas
5 contra o sem sentido
Devem ficar
apelo do não
Soltas no ar.
5 Não são bem-vindas
As coisas tangíveis
São como aindas
tornam-se insensíveis
A dissipar
à palma da mão.
Em qualquer bar.
10 Mas as coisas findas,
E se são findas
muito mais que lindas,
10 Quais as razões
essas ficarão. De assim trocar
Carlos Drummond
Coisas florindas
Por ilusões?
– Deixa-las ‘tar.
Roberto Pontes
––––––––––––––
A um ausente
|
Os ausentes
|
Ao Frei Tito
Tenho razão de sentir saudade, |
tenho razão de te acusar. |
Os ausentes necessitam sempre
Houve um pacto implícito que rompeste | bilhetes, cartas
e coisas
e sem te despedires foste embora. | vezes pequenas
lembranças
5 Detonaste o pacto. uma gravata, | um poema, um postal.
Detonaste a vida em geral, a comum aquiescência |
de viver e explorar os rumos de obscuridade | 5 Os ausentes são tão
necessitados
sem prazo sem consulta sem provocação | que ninguém os lembra
até o limite das folhas caídas na hora de cair. | nem só por saudade
ou falta
10 Antecipaste a hora. |
Os ausentes têm mãos invisíveis
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas. | e figura tão
diáfana
Que poderias ter feito de mais grave | 10 que os versos para
eles
do que o ato sem continuação, o ato em si, |
já nascem feitos poemas.
o ato que não ousamos nem sabemos ousar |
15 porque depois dele não há nada? |
Os ausentes por qualquer acaso
| jamais fogem ao nosso
convívio
Tenho razão para sentir saudade de ti, | ainda que a
distância seja tanta.
de nossa convivência em falas camaradas, |
simples apertar de mãos, nem isso, voz | 15 Dos ausentes fica
sempre um sorriso
modulando sílabas conhecidas e banais | como as pinturas recheias
20 que eram sempre certeza e segurança. | de surpresa, reencontro,
irreal.
Sim, tenho saudades.
|
Roberto Pontes
Sim, acuso-te porque fizeste |
o não previsto nas leis da amizade e da natureza |
nem nos deixaste sequer o direito de indagar |
25 porque o fizeste, porque te foste. |
Carlos Drummond
* A análise comparativa entre os poemas estudados decorreu de
sugestão feita pelos alunos da Oficina de Interpretação Literária do
Departamento Nacional do Livro/Fundação Biblioteca Nacional, 2º
semestre de 1996.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1988.
–––––––. Farewell. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo:
T.A. Queiroz / EDUSP, 1987.
GUTIÉRREZ, Angela. O Verbo Encarnado em Roberto Pontes. Fortaleza:
mim., 1996.
PONTES, Roberto. Memória Corporal. Rio de Janeiro: Antares, 1982.
–––––––. Verbo Encarnado. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.
SANT’ANNA, Affonso Romano. Drummond: o gauche no tempo. Rio de
Janeiro: Lia Editor, 1972.
SANTIAGO, Silviano. "Discurso memorialista de Drummond faz síntese
entre confissão e ficção". In: Folha de São Paulo. Letras. 7 de
abril, 1990.
–––––––. "Posfácio". In: Farewell. p. 105-129.
WERNECK, Humberto. "Prefácio". In: Farewell. p. 7-12.
ELIZABETH DIAS MARTINS é Mestre em Literatura Brasileira e
doutoranda em Literaturas de Língua Portuguesa PUC/Rio. Foi
professora de Literatura Portuguesa da Universidade Federal do
Ceará. Atualmente ministra Oficina de Interpretação Literária na
Fundação Biblioteca Nacional (RJ).
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