Francisco
Carvalho
O poeta Francisco José Soares
Feitosa, cearense radicado na cidade do Recife, me aparece na
Reitoria da Universidade
Federal do Ceará, acompanhado
do poeta Juarez Leitão, e, com aquela desenvoltura de
um lutador de artes marciais, entrega-me denso volume de textos poéticos,
através dos quais ele canta, com verve poderosíssima e espantosa
luxúria verbal, as terras, as águas, os ventos, as
pedras, as areias, os rios e as diásporas do povo nordestino.
Diz Gerardo Mello Mourão, que
a primeira impressão que nos fica da poesia de Soares
Feitosa é a de que ela nos entra “pela sala e pela alma
como um vento elementar”.
Tem toda a razão o grande épico
do Ceará, os textos poéticos de Soares Feitosa,
concordemos ou não com as posições estéticas
por ele adotadas, transmitem uma vigorosa sensação
de força e de liberdade, como se as palavras consubstanciais
ao poema fossem sacudidas por um “vento elementar”, vindo das
profundezas da terra ou do Ser. Um vento que sacudisse a inércia
do corpo e da alma, fazendo lembrar o sopro fecundoso e poderoso
que assinalou os instantes inaugurais da criação
do mundo.
Confessa o poeta que, tocado por arrebatadora
emoção, começou a sua escalada épica
em setembro de 1993 e, de lá para cá, não mais
parou de escrever, como se um ímpeto abissal o levasse a exprimir,
numa linguagem incandescente permeada de signos poéticos
irretocáveis, todas aquelas sensações que
lhe devastaram a alma pela vida afora, mas que só agora,
na maturidade de seus cinqüenta anos, vieram abruptamente
à tona, com o dinamismo e aquela velocidade perturbadora
das águas longamente represadas.
Vários críticos e intelectuais
já se manifestaram lisonjeiramente sobre as possibilidades
técnicas e estéticas dos poemas de Soares Feitosa.
E todos eles são unânimes em reconhecer a magnitude e a
sedução desses textos, ao longo dos quais, de forma
simplesmente prodigiosa, imaginação e irreverência
se misturam, ensejando uma fusão do erudito e do popular,
uma atmosfera de feitiço e de magia, e fazendo com que
os versos do poeta cearense assumam, de vez em quanto, o timbre
impressionante de um discurso profético.
Confesso que, ao me defrontar com o
poeta pela primeira vez, fiquei um pouco desconcertado com a
sua ostensiva empolgação de noviço na arte
literária. Mas, ao percorrer os densos volumes de sua obra poética,
não me foi difícil compreender que aquela empolgação
se fundamentava na convicção de quem acabou de
decifrar os enigmas cruciais de um destino talhado para as peripécias
da poesia. De outro modo, não se compreende que um homem
dedicado às atividades comerciais, envolvido com todas
as implicações inerentes a essa forma de vida,
passasse, de repente, a produzir uma interminável constelação
de poemas, como que tomado de um furor poético, e como
se os tivesse guardado, durante todo esse tempo, nos subterrâneos
da alma e do coração.
Importa assinalar que Soares Feitosa
é uma pessoa versada em línguas antigas e modernas,
delas fazendo uso permanente na urdidura de seus poemas, que
nem por isso deixam de transitar descontraidamente pelo universo
encantado dos repentistas nordestinos, desses cantadores anônimos
que se encarregam de predicar o imaginário popular, que
falam de amor e de política, e que celebram as coisas
simples da vida com a mesma ternura e a mesma irreverência
de seus antecessores gregos.
Outro dado importante a analisar, na
escritura poética de Soares Feitosa, é a extraordinária
familiaridade do poeta com a linguagem sofisticada da informática.
Conhecedor dos mistérios e das infinitas possibilidades
do computador, faz uso de uma vasta gama de símbolos gráficos
na elaboração de seus textos poéticos, de tal
sorte que o desenho estrutural de seus poemas adquire uma beleza
visual que, por si só, já constitui um privilégio
para o leitor sensível às fulgurações
da arte pictórica.
O poeta Soares Feitosa costuma acrescentar
numerosas notas explicativas sobre o conteúdo alusivo
de seus poemas. Essas explicações podem, eventualmente,
parecer uma exibição desnecessária de eruditismo
por parte do autor. Mas a verdade é que essas notas são
de importância fundamental para o leitor compreender o alcance
e o significado de alguns poemas; além de mostrarem que
a poesia não é de ontem nem de hoje, mas de todos
os tempos e de todas as latitudes, e que ao longo dos anos e
dos séculos, como que se forma uma cadeia de signos e
de estrofes, ligando o homem de agora ao primitivo homem das
trevas.
De resto, é louvar a raça,
o fôlego e o calibre deste poeta fogoso, que arremete e
esbraveja à semelhança desses garanhões que
desembestam nos descampados nordestinos, quando as primeiras chuvas
pincelam de verde a terra estorricada pelos intermináveis
verões.
Salmo 151, Femina, Uma Canção
Distante, Thiago e Talvez Outro Salmo: verifico que seu tônus
poético continua altíssimo. O belo poema Femina,
que já li tantas vezes tem a beleza e o fascínio de um
canto salomônico. O poema Thiago é uma celebração,
em grande estilo, do velho bardo amazônico, mas também
empreende uma viagem lírica pelas terras do velho e ensolarado
Ceará, com Gerardo Mello Mourão de permeio.
O Salmo 151, com fortes ressonâncias
bíblicas, me agrada plenamente. Talvez Outro Salmo mostra,
entre tantas coisas, "que somente o verbo é brasa pura,
disparada contra os teus pequenos, Senhor"
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