Vanessa Buffone
Terceira chamada
Talvez seja só isso: este alheamento,
este arquejar de mastros e velas,
partir e ficar de acasos,
destroços engolidos por memória curta,
estas desassombradas mãos vazias.
O corpo todo nu, feito do que vê,
amontoado entre tantos, na favela de mil olhos.
À noite, a menina luzia para os olhos da morte,
busca do brilho que prossegue sem ela...
Esquizofrenia aguda.
Caminhar até o fim como um marchante suicida,
em eterno comércio.
Destino de precipício, desatino que fascina e suga
e lá se vai minha boca, embora eu não queira.
Ah, meu corpo, inda agora arredondado aos seus cios,
se foi, caiu.
– Socorro, que frio!
Berros num silêncio vazio onde ecôo só,
presa no degredo de sentidos.
Nas retinas, impregnados estes suplícios torpes;
vento que passa alheio a tudo isso, surpreende o grito,
deixando no chão um rastro de saudade sem abrigo.
Eu, matéria feita de esquecimento e fome,
ofereço a língua lasciva ao indizível,
beijo-o, como-o e sigo.
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