Marco Antonio Cardoso
D’a queda da casa de Usher
(livremente inspirada em Edgar Alan Poe)
Muito antes de aqui estar,
Possivelmente em época esquecida,
Achei-me alheio e perdido,
Nesta terra que se estende
Entre o sonho e a ilusão.
Quando avistei a vivenda estremecida,
Que me surgiu como miragem,
Impressionando-me fortemente a alma,
Pareceu fitar-me com olhar lânguido e sórdido,
Fazendo-me prostrar perante a tosca atração.
Em tua soleira observei minha sombra,
Tão trêmula como um salgueiro ao vento.
Atravessei a porta rapidamente,
Não sabendo se aberta ou fechada.
Se eu estava vivo ou já defunto.
Oh Deus! Que impressões terríveis!
Ou estarei exagerando um pouco
Neste devaneio literário?
Pus-me a cantar uma elegia,
Que ecoava como brados e sussurros.
As sombras nostálgicas do passado,
E as vidas que ainda impregnavam
O velho solar de putrefato olor,
Açoitaram meu estômago nauseabundo,
Quando com a secreta cripta deparei.
Aqueles que te deram a vida,
Tu ora abrigas na morte.
Mas eles não te bafejam
Com tão doce liberdade
De não te habitar com seus fantasmas.
Agora sopra um vento torturante.
De norte a sul, atravessa-te inclemente.
E no bater de tuas portas e janelas,
Vão se passando estes dias fugazes.
Esta espera de um fim, sempre adiado.
Porém, não lograrás esta chance facilmente,
Pois sobre teus escombros, teus monturos,
Erguem-se sólidas paredes de lembranças.
Encimadas por um teto inclemente e medonho,
Aprisionando a pestilenta atmosfera interior.
No entanto o tempo se compadece de ti,
Fazendo tremendo esforço para dar-te o descanso.
E tu, qual suicida infame, rasga tuas paredes
Em profundas e oportunas feridas,
Que assustam e antecipam teu epílogo.
Não sei quantos por ti passaram,
Quantas sombras teus sentidos registraram.
Teus habitantes e seus medos inconfessáveis,
Ou forasteiros infortunados como eu.
Sem esperança, mas com destino certo.
Sorrateiro, indiscreto e licencioso,
Descortinei teus cômodos secretos.
Penetrando, qual ladrão, em nichos e alcovas,
Abusando de tua generosa acolhida,
Como esperar de ti alguma misericórdia?
Mas aí percebi a sordidez do momento.
Pois guardas os gostos de antigos moradores,
Busco em vão uma saída, e me desespero.
Tuas sombras, aos poucos, me envolvem
Furtiva e completamente, imobilizando-me.
Ouço então gargalhadas e soluços,
Que atravessam meus olhos injetados.
Sonhos de um tempo infindável,
Imprevisível qual vôo de um inseto.
Sou um rato preso na ratoeira!
Tu és flor insetívora, chamariz do campo.
Diônea maldita de pedra e cal.
E eu, simples besouro,
Almejando um abrigo entre tuas paredes,
Devo encontrar enfim, tão só o meu sepulcro.
Já cai a tarde vermelha, carmesim.
Somente as tristes sombras a me fazer companhia.
Quase me junto a elas neste grande festim,
Comemoram a minha chegada
E minha improvável partida.
Sentado em velha poltrona,
Como um monarca ante sua corte,
Tenho à minha frente tua lareira fria.
Depósito fervente de oníricas lembranças.
Sobre ela, ameaçadora, se abre a infinita fenda.
Não me resta mais esperança.
Um grande estrondo me tira do torpor.
Estou imobilizado pelo medo,
Agora não resta dúvida em meu coração,
Irremediavelmente perdido, me entrego.
As últimas imagens deste plano que abandono,
São apenas as profundas rasgaduras em minha carne.
Todo este mundo se arroja sobre mim,
A casa de Usher sepulta meu cadáver para sempre,
E ninguém jamais suspeitará que ali pereci.
Quem poderá supor que sob estas ruínas
Jaz o corpo estropiado de um forasteiro?
Quem poderia supor que uma lúgubre peregrinação
Teria fim nesta vivenda prenhe de pesadelos?
Agora nada mais tem importância.
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