Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

 

Culpa

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Belvedere Bruno


 

A propósito de uma entrevista de Soares Feitosa

 

Soares

Acabo de ler a entrevista e confesso que fiquei impressionada com o alto nível das perguntas e com as respostas brilhantes comJean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus que vc nos brindou. Grata surpresa num final de semana calorento. Chegou como uma brisa.... (não é tentativa pra poema, tá? rssssssss)

Muiitos abraços a todos que tornaram possível essa bela entrevista. Adoro o J.P. Estou repassando para os meus amigos poetas, ok?

Belvedere

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

 

 

 

 

 

Belvedere Bruno


 

Um poema simples


Amanhece. Debruçada
à janela ,vejo o movimento
dos pescadores.


Há contagiante energia.
A monotonia, se passa,
não encontra onde estacionar.


Por alguns minutos,
sonho pertencer
a tão vibrante universo.


Integro-me, desatando os nós
que me prendiam
à opacidade dos meus dias.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Belvedere Bruno


 

What a wonderful world


Houve um tempo em que não precisávamos de muitas palavras para viver em sintonia. A vida fluía de forma simples mas nem por isso com menos emoção.

Houve um tempo que sequer percebíamos a escassez das coisas.Tudo parecia perfeito, em plenitude.

Recostada a um sofá estilo art-déco, ouço Louis Armstrong - What a wonderful world... - Sua voz eriça meus pêlos e, como uma gata, me enrosco, revendo mentalmente cenas de um passado longínquo e ingênuo, quando simples trocas de olhares eram celebradas com tons que só almas puras possuem.

Narcisa, com seu carrinho-de-mão, de casa em casa, recolhendo tralhas. Era a xepeira. Gostava do ofício. Com voz rouca, gritava: - Quem tem? E a alegria explodia a cada quinquilharia obtida . Onde arrumava espaço para tanta desnecessidade?

Por onde andará Narcisa ?

Sirenes, correrias, pivetes atacando nas esquinas, mendigos sob as
marquises, seqüestros-relâmpagos, chacinas. Negação da cidadania.

Procuro meus licores...

Na bombonière encontro um bombom Sonho de valsa; o mesmo daqueles tempos cheios de louvores quase sacrossantos. Ao longe, por coincidência, ou sinal de Deus ouço o badalar dos sinos. Mastigo o bombom, que se dissolve pouco a pouco na língua, e sinto um prazer indescritível.

E os sinos tocam. Vibrantes. Por mim!


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Belvedere Bruno


 

Psiu!


Silêncio!
Há vozes que se retraem
com medo da vida...
Sofrências que isolam,
num arrastar de correntes,
lágrimas em ponto-de-cruz...


Coroas de espinho,
enfileiradas para a via crucis.


Por que sofro,
se nada tenho com isso?


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Belvedere Bruno


 

Um poema triste

A Manduka


A terra treme,
uma tenra folha
  cai e a brisa
afaga, indiferente
  à esperança, que
  se esvai.


Ouço, ao longe,
o dobrar dos sinos.
Decerto, perguntarão:
-Por quem?
Direi apenas:
-Por um menino.


E as folhas caem,
afagadas pela brisa
insistente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

Belvedere Bruno


 

O despertar


Acorda, Elza Maria!

Lá fora faz um frio como há muito não sentíamos... Há casacões e boinas enfeitando as moças nas ruas. Chocolate quente é toda hora pedido nas casas de lanche. O clima propicia encontros amorosos, aconchegantes...

Elza Maria, levanta dessa cama!

Tudo é transitório. Reage! Essas dores passam, as cicatrizes tornam-se tênues. Não penses que é o fim. É uma etapa. Já viveste tantas lutas e talvez mais difíceis. Por que essa intransigência agora? Por que dizes não?

Hoje fiz teus curativos e observei melhoras. A febre se foi... restou esse cansaço, bem sei.

Trouxe um ramo de flores que deixei na sala e um tercinho, lembrança de bisa quando eu ainda era criança. Coloquei na mesinha ao lado da tua cama. Olha e vê como ainda parece novinho.

Há olhos te espreitando. Olhos de amor, que te chamam para a vida!

Priscilla logo chega e com ela tua estréia como avó!

Acorda logo, Elza Maria!

Sem ti estamos tão sós, a vida é tão sem graça... Sequer coloquei o mantô que comprei em Manhattan. Achei um desaforo fazer isso sem estares por perto.

Sairemos juntas, em alto estilo! Coloca aquele que comprou em Paris.

Acorda! Antes que venha o sol.
 

 

 

 

 

 

02.08.2005