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Um esboço de Da Vinci

 

 

Castro Alves


Exortação


DONZELA BELA, que me inspira à lira.
Um canto santo de fervente amor,
Ao bardo o cardo da tremenda senda
Estanca, arranca-lhe a terrível dor.


O triste existe qual a pedra medra,
Rosa saudosa do gentil jardim,
Qual monge ao longe já no claustro exausto
Qual ampla campa a proteger-lhe o fim.


O triste existe em sofrimento lento,
Vive, revive p'ra morrer depois...
Morre — assim corre a atribulada estrada
Da vida qu'rida, soluçando a sós.


Fada encantada, em teu regaço lasso,
Viajante errante, deixa-me pousar;
Lírio ou martírio, abre teu seio a meio,
Estrela bela, vem-me enfim guiar.


Ao mundo imundo, não entrega, nega
Tantos encantos dos amores teus,
Compreende, entende-te a vertigem, virgem,
Somente a mente do poeta e Deus.


D'esta alma a palma de risonhos sonhos,
Da mente ardente a inspiração do céu
O vate abate às tuas plantas santas,
Altivo e vivo, sendo escravo teu.

 

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Fados contrários

 

A José Jorge.

NUM ÁLBUM


DIZ À FLOR a borboleta:
"Vamos, irmã, tudo é luz!
Há muito prisma doirado
Que pelos ares transluz...
Tuas pétalas são asas...
Das nuvens nas tênues gazas,
D'aurora nos seios nus
Tens um ninho entre perfumes...
Vamos boiar, entre lumes
Desses páramos azúis".


A linda filha dos ares,
Responde a silvestre flor:
"Eu amo o gemer das auras
E o beijo do beija-flor...
Se és do céu a violeta,
Sigo um destino menor.
Buscas o céu — eu a alfombra,
Queres a luz — quero a sombra,
Pedes glória — eu peço amor.
 

Jornal de Filosofia

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Jornal de Tributos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Fatalidade


DAMA NEGRA

 

Que fatalidade, meu pai!
ÁLVARES DE AZEVEDO


ADEUS! ADEUS! ó meu extremo abrigo!
Adeus! eu digo-te a chorar de dor!
É o derradeiro suspirar das crenças,
Que se despedem das visões do amor...


Pálido e triste atravessei a vida
Sempre orgulhoso, concentrado e só...
É que eu sentia que um fadário estranho
Meus sonhos todos reduzia a pó.


Mas tu vieste... E acreditei na vida...
Abri os braços... caminhei p'ra luz...
E a borboleta da fatal crisálida
Soltou as asas pelos céus azuis.


O tronco morto — refloriu de novo
Ergue-se vivo, perfumado, em flor,
Abençoando a primavera amiga...
Ai! primavera de meu santo amor!


Porém que importa, se há fadários negros. .
Frontes — voltadas do sepulcro ao chão...
Pedras coladas de um abismo à beira...
Astros sem norte, de um cruel clarão!


Quem mostra o trilho ao viajor das sombras?
Quem ergue o morto que esfriou o pó?
Quem diz à pedra que não desça ao pego?
Quem segue a estrela desgraçada e só?


Ninguém!... Na terra tudo vai... gravita
Lá para o ponto que lhe marca Deus.
Os raios tombam — as estrelas sobem!...
Lutar co'a sorte — é combater os céus!


"Vai! pois, é rosa, que em meu seio, outr'ora
Acalentava a suspirar e a rir...
Deixas minha alma como um chão deserto,
Vai! flor virente! mais além florir ...


"Vai! flor virente! no rumor das festas,
Entre esplendores, como o sol, viver
Enquanto eu subo tropeçando incerto
Pelo patib'lo — que se diz sofrer! ...
 

............................................


Que resta ao triste, sem amor, sem crenças?
— Seguir a sina... se ocultar no chão ...
... Mas, quando, estrela! pelo céu voares,
Banha-me a lousa de feral clarão!...

 

Thomas Cole, (1801-1848) The Voyage of Life; Youth

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Bronzino, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Fé, esperança e caridade


Eram três anjos - e uma só mulher
QUANDO A INFÂNCIA corria alegre, à toa,
Como a primeira flor que, na lagoa,
Sobre o cristal das águas se revê,
Em minha infância refletiu-se a tua...
Beijei-te as mãos suaves, pequeninas,
Tinhas um palpitar de asas divinas...
Eras - o Anjo da Fé! ...


Depois eu te revi... na fronte branca,
Radiava entre pérolas mais franca,
A altiva c'roa que a beleza trança!...
Sob os passos da diva triunfante,
Ardente, humilde, arremessei minh'alma,
Por ti sonhei — triunfador — a palma,
Ó — Anjo da Esperança!... —


Hoje é o terceiro marco dessa história.
Calcinado aos relâmpagos da glória,
Descri do amor, zombei da eternidade!...
Ai, não! - celeste e peregrina Déia,
Por ti em rosas mudam-se os martírios!
Há no teu seio a maciez dos lírios...
Anjo da Caridade!...
 

Maura Barros de Carvalho, Tentativa de retrato da alma do poeta

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Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Fragmento


HÁ FLORES tristes, que nascendo à noite
Só têm o açoite
Do cruento sul
E sem que um raio lhes alente a seiva,
Rolam na leiva
De seu vil paul.


Eu sou como elas. A vagar sozinho


Sigo um caminho
De ervaçais e pó


A luz de esp'rança bruxuleia a custo
Tremo de susto,
De morrer tão só.

 

A menina afegã

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Culpa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Fragmento


AQUI s'inscrevem mil nomes


E se apagam num momento!


Ai! por que assim não apagas


Das folhas do pensamento?
 

Um cronômetro para piscinas

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José Saramago, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Gesso e bronze


FOI CANOVA ou Davi... Um mestre, um escultor,
Duas estátuas fez simbolizando o amor...


Uma — pálida e fria, inda amassada em gesso
No canto da oficina ensaio sem apreço!...
Outra — prodígio d'arte, arrojo peregrino,
Encarnação de luz em bronze fiorentino!...


Uma noite, porém, um raio, o acaso... um nada
O incêndio arremessando à tenda profanada...
No vermelho estendal das cinzas do brasido
Viu-se o esboço de pé!... e o bronze derretido!...


Senhora, Deus também às vezes é escultor,
E gosta de esculpir nos corações o amor...
De argila ou de metal, de barro ou de alabastro
Com o limo com que faz a escuridão e o astro


Mas quando o acaso... um gesto... um riso leviano
Ateia a flama vil de um zelo ardente, insano...
Sabeis o que se dá?
— O amor de gesso medra
De lodo que era há pouco enrija faz-se pedra
 

................................................


Mas da lava infernal o beijo libertino
Funde a estátua do amor de bronze florentino!!

 

Blake, O compasso de Deus

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Octavio Paz, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Hino patriótico

 

Letra do hino de Emílio do Lago,
em agosto de 1868, entoado nos festejos
populares em S. Paulo pela conquista de Humaitá.


NÃO ouvis como um grito de fogo
Rasga ardente este éter azul? (Bis)


É a voz da vitória qu’irrompe
Das montanhas, dos vales do sul. (Bis)


CORO


GLÓRlA! Glória! Brasil. Lá no Prata
O teu povo gigante venceu!...
Ergue vivo a bandeira nos ares,
Ergue morto a mortalha no céu...


Águia altiva dos Andes descida
Pelos pampas em brasa roçou;
E co'a ponta das asas possantes
Mais um povo do mundo apagou!


Glória! Glória! Brasil. Lá no Prata, etc.


Salve grandes soldados! Gigantes
Que a montanha da glória escalais,
E lembrados da voz do IPIRANGA
"Liberdade" no Prata clamais...


Glória! Glória! Brasil. Lá no Prata, etc.


Quanto louro co'o sabre cortado!
Quanta glória entre a luz do fuzil!
Tuas sombras são louros — ó Pátria!
É teu sol a metralha — Brasil!


Glória! Glória! Brasil. Lá no Prata, etc.


Salve pois legiões aguerridas
Que a vitória co'o sangue alcançais...
Cada gota de sangue de um bravo,
É uma estrela dos pátrios anais.


Glória! Glória! Brasil. Lá no Prata, etc.

 

Michelangelo, Pietá

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Valdir Rocha, Fui eu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Horas de saudade


TUDO VEM me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala


No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu'inda há pouco lias.


As horas passam longas, sonolentas...
Desce a tarde no carro vaporoso...
D'Ave-Maria o sino, que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.


E não Vens te sentar perto, bem perto
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.


E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n'alma,
Como a harpa de Davi teu riso santo
Meu acerbo sofrer já não acalma.


É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala...
Como o cristal da essência do oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala.


No ramo curvo o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos...
Eras — ave do céu... minh'alma — o ninho!


Por onde trilhas — um perfume expande-se.
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço ...


E teu rastro de amor guarda minh'alma,
Estrela que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos! ...

 

Hélio Rola

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Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Horas de martírio


DAMA NEGRA

 

De dia na soidão seguir-te os passos,
De noite vigiar-te à luz da alimpada,
Ser quem amas, e a sombra com quem somos
Eis minha eternidade!
MACIEL MONTEIRO.


QUANDO LONGE de ti eu vegeto
Nestas horas de largos instantes,
O ponteiro, que passa os quadrantes
Marca sec'los, s'esquece de andar.
Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.
Fito a terra — é uma várzea sem flores.
O universo é um deserto de dores
A madona não brilha no altar.


Então lembro os momentos passados,
Então lembro tuas frases queridas,
Como o infante que as pedras luzidas
Uma a uma desfia na mão.
Como a virgem, que as jóias de noiva
Conta alegre a sorrir de alegria,
Conto os risos, que deste-me um dia,
Que rolaram no meu coração.


Me recordo o lugar onde estavas.
O rugir de teu lindo vestido,
Como as asas de um anjo caído
Quando roçam nas flores do vai...
Vejo ainda os teus olhos quebrados,
Este olhar de tão fúlgidos raios,
Este olhar que me mata em desmaios,
Doce, terno, amoroso, fatal...


Tuas frases... são graças, que voam,
É meu peito — o seu cândido ninho...
Teus amores — a flor do caminho,
Que eu apanho, viajante do amor.
Quer os cardos me firam as plantas,
Quer os ventos me açoitem a fronte,
Dou-lhe orvalho — do pranto na fonte,
Dou-lhe sol — do meu peito no ardor.


Oh! se Deus algum dia orgulhoso
O seu livro infinito volvesse,
E nas letras de estrelas relesse
Seu passado nas folhas azuis
Não teria o orgulho que tenho,
Quando o abismo dest'alma sondando,
No infinito de amor me abismando
Eu me engolfo num pego de luz ...


Teu amor... teu amor me engrandece,-
Dá-me forças nos transes da vida,
E a borrasca fatal, insofrida,
Faz-me dó, faz-me rir de desdém...
Se eu cair, — rolarei no teu seio...
Se eu sofrer, — ouvirei o teu canto!
Sentirei nos meus dias de pranto
Que inda longe de mim — vela alguém!


Meu amor... Meu amor é um delírio...
É volúpia, que abrasa e consome
Meu amor é uma mescla sem nome.
És um anjo, e minh'alma — um altar.
Oh! meu Deus! manda ao tempo, que fuja,
Que deslizem em fio os instantes,
E o ponteiro, que passa os quadrantes,
Marque a hora em que a possa beijar.

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido