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Um esboço de Da Vinci

 

 

Castro Alves


Improviso


(À mocidade acadêmica)


Moços! A inépcia nos chamou de estúpidos!
Moços! O crime nos cobriu de sangue!
Vós os luzeiros do país, erguei-vos!
Perante a infâmia ninguém fica exangue


Protesto santo se levanta agora,
De mim, de vós, da multidão, do povo;
Somos da classe da justiça e brio,
Não há mais classe ante esse crime novo!


Sim! mesmo em face, da nação, da pátria,
Nós nos erguemos com soberba fé!
A lei sustenta o popular direito,
Nós sustentamos o direito em pé!

 

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Longe de ti


Quando longe de ti eu vegeto,
Nessas horas de largos instantes,
O ponteiro, que passa os quadrantes,
Marca séculos, se esquece de andar.
Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.
Fito a terra — é uma várzea sem flores.
O universo é um abismo de dores,
Se a madona não brilha no altar.


Então lembro os momentos passados.
Lembro então tuas frases queridas,
Como o infante que as pedras luzidas
Uma a uma desfia na mão.
Como a virgem que as jóias de noiva
Conta alegre a sorrir de alegria,
Conto os risos que deste-me um dia
E que eu guardo no meu coração.


Lembro ainda o lugar onde estavas...
Teu cabelo, teu rir, teu vestido...
De teu lábio o fulgor incendido...
Destas mãos a beleza ideal...
Lembro ainda em teus olhos, querida,
Este olhar de tão lânguido raios,
Este olhar que me mata em desmaios
Doce, terno, amoroso, fatal!...


Quando a estrela serena da noite
Vem banhar minha fonte saudosa,
Julgo ver nessa luz misteriosa,
Doce amiga, um carinho dos teus!
E ao silêncio da noite que anseia
De volúpia, de anelos, de vida.
Eu confio o teu nome, querida,
Para as brisas levarem-no aos céus.


De ti longe minh’alma vegeta,
Vive só de saudade e lembrança,
Respirando a suave esperança
De viver como escravo a teus pés,
De sonhar teus menores desejos,
De velar em teus sonhos dourados,
"Mais humilde que os servos curvados!
"Inda mais orgulhoso que os reis"!


..................................................................................


Ó meu Deus! Manda às horas que fujam,
Que deslizem em fio os instantes...
E o ponteiro que passa os quadrantes
Marque a hora em que a posso fitar!
Como Tântalo à sede morria,
Sem achar o conforto preciso...
Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso!
Tenho sede, Senhor, de um olhar.
 

Jornal de Filosofia

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Jornal de Tributos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Martírio


A linda morena que, louco, adorava,
Que em sonhos beijava, tremendo de amor,
Não viu meus amores, descreu do meu canto,
Sorriu do meu pranto, com riso traidor.


Cismava — era ela o meu bom pensamento;
O meu sentimento se louco sentia;
Meu anjo da guarda nas noites de insônia,
Meu doce favônio se a espr’ança nascia.


E sempre eu a via: no céu seus encantos,
Na brisa os seus cantos julgava escutar,
Na noite o negrume dos negros cabelos,
Seus olhos tão belos no belo luar.


Mas foi um delírio de louca miragem
Formosa paisagem do amor que sonhei...
A rosa que dei-lhe, queimada de beijos,
Serviu aos desejos de alguém? oh! não sei...


Mulher, sim, não rias do pobre, do triste!
Por que não cuspiste na pobre flor?
Mas fundo desprezo mostrar-me quiseste,
Ludíbrio fizeste de mim, deste amor...


Pois bem; eu não posso deixar de adorar-te...
Quem pode escapar-te, quem pode esquecer-te?
Desprezos não matam amores tão santos,
Só posso meus prantos p’ra sempre esconder-te.


Despreza-me, virgem, minh’alma te implora!
Verás nessa hora que chama de amor!
E cada suplício que sofra minh’alma
É mais uma palma da c’roa da dor.

 

Thomas Cole, (1801-1848) The Voyage of Life; Youth

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Bronzino, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Menina e moça

 

(Versos para o Álbum de D. Maxia
Joaquina da Silva Freire.)


MENINA e Moça! Há no volver das horas
Esta idade ideal e feiticeira;
É quando a estrela expira e rompe a aurora
Um prelúdio nos leques da palmeira.


Menina e Moça! Há no viver das flores
Este instante feliz... É quando a rosa,
Ao relento das noites perfumadas,
Abre o cálix, risonha e curiosa.
Menina e Moça! HÁ no passar dos anos
Esta estação de amor... quando nas veigas
Fazem-se em flor as folhas sussurrantes,
Beijam-se as pombas, arrulando meigas.


Menina e Moça! Há no sonhar da música
Som que esta idade festival exprime...
Quando a voz do piano espalha aos ermos
Os suspiros saudosas de Bellini.


Menina e Moça! Se a poesia esquece
Agora o tipo da criança bela,
Quem não te adora a límpida inocência,
O filha de Sorrento! Ó Graziela!


Menina e Moça I Castidade e pejo!
Crença, frescura, divinal anseio!
Por quem tu cismas? — Se pergunta à fronte.
Por quem palpitas? — Se pergunta ao seio.


Menina e Moça! É tão festivo o riso!
Chama dourada sobre os olhos brilha!
Como estalam os beijos das amigas
A donzela tem asas... de escumilha!


Menina e Moça! Como é doudo o baile!
Como são várias da existência as cenas!
Ama-se o canto — Se elas são as aves...
Ama-se a valsa. — Se elas são falenas ...


Menina e Moça! Adormecida garça
Que o ma,- na riba do ideal balouça...
O bardo canta na tormenta ao longe...
Sonha o teu sonho de - menina e moça!...

 

Maura Barros de Carvalho, Tentativa de retrato da alma do poeta

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Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Meu segredo


 

À Senhora D* * *


I


EU TENHO dentro d'alma o meu segredo
Guardado como a pérola do mar;
Oculto ao mundo como a flor silvestre
Lá no vale escondida a vicejar.


Eu guardo-o no meu peito... É meu tesouro,
Meu único tesouro desta vida.
— Sonho da fantasia — flor efêmera
Uma nuvem, talvez, no céu perdida ...


Mas que importa? É uma crença de minha alma
— Gota de orvalho d'alva da existência
Última flor, que vive aos raios mornos
Do sol de amor na quadra da inocência.


Só, quando a terra dorme solitária
E ergue-se à meia-noite, branca, a lua,
E a brisa geme cantos de tristeza
Na rama — do pinheiro — que flutua;


E quando — o orvalho pende do arvoredo
Que se debruça p'ra beijar o rio,
E as estrelas no céu cintilam lânguidas
— Pérolas soltas de um colar sem fio;


Então eu vou sentar-me sobre a relva,
Eu vou sonhar meus sonhos ao relento,
E só conto o segredo de minh'alma
Das horas mortas ao tristonho vento.



II


Eu sei como este mundo ri d'escárnio,
Deste aéreo sonhar da fantasia.
Eu sei P'ra cada crença de noss'alma,
Ele tem uma frase de ironia...
Ah! deixai-me guardar o meu segredo:
Deste riso cruel eu tenho medo...


Meu segredo? É o canto de poesia
Que suspirou saudoso o gondoleiro,
Que vai morrer gemente sobre as praias.
— Da despedida pranto derradeiro —
Mais aéreo que as vozes da sereia
— Alta noite — sentada sobre a areia.


Meu segredo? É o soluço d'alma triste
Que conta sua dor à brisa errante.
É o pulsar tresloucado de meu peito
A repetir um nome delirante.
Tímido anelar de edêneo gozo,
Castelo que eu criei vertiginoso.


Criei-o numa noite não dormida,
Após vê-la entre todas — a rainha;
Criei-o nestas horas de delírio
Em que sentira em fogo a fronte minha
E o sangue galopava-me nas veias
E o cérebro doía-me de idéias ...


E quem na vida não amara um dia?
E nunca despertara ao som de um beijo?
Quem nunca na vigília empalecera,
Ao seguir co'o pensar louco desejo?
Quem não sonhara ao colo voluptuoso
Da sultana !ouçã morrer de gozo?
Uma noite tentei fechar as pálpebras,
Debalde revolvi-me sobre o leito...
A alma adejava em fantasias d’ouro,
Arfava ardente o coração no peito.
A imagem que eu seguia? É meu segredo!
Seu nome? Não o digo ... tenho medo.


Ai! Dói muito calar dentro em nossa alma
Este anelar fremente de desejos! ...
Ai! Dói muito calar o róseo sonho
Que sonhamos: dormir entre mil beijos
Num seio que de amor todo estremece,
Quando o olhar de volúpias esmorece...


Dói muito... mas dói mais uma ironia,
Quando adeja o pensar no firmamento,
Dói muito... mas dói mais um desengano,
Quando se vive só de um sentimento,
Quando o peito cifrou sua esperança
Em beijar da mulher a negra trança.


Que ventura! Aos teus lânguidos olhares,
Beber — louco de amor — seiba de vida...
Sorver perfume em teus cabelos negros,
Sentir a alma de si mesmo esquecida...
E de gozo de amar louco, sedento,
Viver a eternidade num momento!


Que ventura! Sorver co'os lábios trêmulos
Em teus lábios — de amor — o nome santo...
Que ventura! Fitar-te os negros olhos
Desmaiados de amor e de quebranto...
E reclinada a fronte no teu seio,
Sentir lânguido arfar em doce enleio...


Mas que louco sonhar... Ó minha amante,
Que nunca nos meus braços desmaiaste,
Que nem sequer de amor uma palavra
Dos meus lábios em fogo inda escutaste,
Perdoa este sonhar vertiginoso.
Foi um sonho do peito deliroso.


E, se um dia, entre as cismas de tua alma,
Minha imagem passar um só momento,
Fita meus olhos, vê como eles falam
Do amor que eu te votei no esquecimento:
Recorda-te do moço que em segredo
Fez-te a fada gentil de um sonho ledo...


Recorda-te do pobre que em silêncio
De ti fez o seu anjo de poesia.
Que tresnoitou cismando em tuas graças,
Que por ti, só por ti, é que vivia.
Que tremia ao roçar de teu vestido,
E que por ti de amor era perdido...


Sagra ao menos uma hora em tua vida
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira,
Que em teus olhos, febril e delirante,
Bebeu de amor a inspiração primeira,
Mas que de um desengano teve medo,
E guardou dentro d'alma o seu segredo!
 

A menina afegã

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Culpa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Não sabes


QUANTA ALTA noite n'amplidão flutua
Pálida a lua com fatal palor,
Não sabes, virgem, que eu por ti suspiro
E que deliro a suspirar de amor.


Quando no leito entre sutis cortinas
Tu te reclinas indolente aí,
Ai! Tu não sabes que sozinho e triste
Um ser existe que só pensa em ti.


Lírio dest'alma, sensitiva bela,
És minha estrela, meu viver, meu Deus.
Se olhas — me rio, se sorris — me inspiro,
Choras — deliro por martírios teus.


E tu não sabes deste meu segredo
Ah! tenho medo do teu rir cruel!...
Pois se o desprezo fosse a minha sorte
Bebera a morte neste amargo fel.


Mas dá-me a esp'rança num olhar quebrado,
Num ai magoado, num sorrir dó céu,
Ver-me-ás dizer-te na febril vertigem
"Não sabes, virgem? Meu futuro é teu"!

 

Um cronômetro para piscinas

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José Saramago, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


No camarote


(Sobre motivos de espanhol)


NO CAMAROTE gélida e quieta
Por que imóvel assim cravas a vista?
És o sonho de neve de um poeta?
És a estátua de pedra de um artista?


Debalde cresce de harmonia o canto...
A Moça não o escuta, além perdida!
Que amuleto prendeu-a no quebranto?
Em que céu vai boiando aquela vida?


Onde se engolfa o cisne dessa mente?
Em que vagas azuis desce cantando?
Que bafagem, meu Deus! frouxa, dormente,
Lhe acalenta o cismar no alento brando?


— Arcanjo, deusa ou pálida madona —
Quem é, surpresa, a multidão pergunta...
E ao vê-la mais gentil que Desdemona
Como para rezar as mãos ajunta.


Odalisca talvez de haréns brilhantes,
Ela no lábio as multidões algema.
Talvez dest'alma nas visões errantes
Voa a pura miragem de um poema.


Nem um riso, entretanto, a flux luzindo
Aos delírios que esfolha a cavatina,
A boca rubra de improviso abrindo,
Esta fronte fatídica ilumina.


Pois naquela alma só se encontra neve?
Nada palpita nessa forma branca?
Pois não freme este mármore de leve?
Pois nem o canto esta friez lhe arranca?


Ai! Ninguém fie dessa calma estranha
— Êxtase santo de harmonias cheio
— Guarda a lava a petrina da montanha,
Guarda Vesúvios o palor de um seio.


Oh! ser a idéia dessa fronte pura,
Ser o desejo desse lábio quente,
Fora o meu sonho de ideal ventura,
Fora o delírio de minh'alma ardente.


Feliz quem possa na ansiedade louca
Esta bela mulher prender nos braços...
Beber o mel na rosa desta boca,
Beijar-lhe os pés... quando beijar-lhe os passos!
 

Blake, O compasso de Deus

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Octavio Paz, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


No "meeting du comité du pain"


JÁ QUE A TERRA estacou n'órbita imensa,
Já que tudo mentiu — a glória! a crença!
A liberdade! a cruz!
E o Sísifo dos séc'los — assombrado —
Viu rolar-lhe do dorso ensangüentado
O rochedo de luz...


Já que o amor transmudou-se em ódio acerbo,
Que a eloqüência — é o canhão, a bala — o verbo.
O ideal — o horror!
E nos fastos do século, os tiranos
Traçam co'a ferradura dos ulanos
O ciclo do terror,


Já que, igual ao florete de Gennaro,
Um sabre arranca do presente ignaro
Este letreiro — Luz —,
Já que a Glória recua (cousa horrenda),
E Átila vai de Washington na senda,
E Sisa após Jesus!


Já que a Rousseau sucede Machiavelo,
Já que a Europa de altar fez-se escabelo,
Da guerra meretriz,
Já que o sonho de Canning era falso,
Já que após abolir-se o cadafalso,
Crucificam Paris.


Já que é mentira a voz da Humanidade,
Já que riscam da Bíblia a Caridade,
E d’alma o coração...
E a noite da descrença desce feia
E, tropeçando em ossos, cambaleia
Dos povos a razão! ...


...........................................


Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito
Que abafe dos canhões o horríssono rugir,
Em frente do oceano! em frente do infinito
Em nome do progresso! em nome do porvir.


Não deixemos, Hebreus, que a destra dos tiranos
Manche a arca ideal das nossas ilusões.
A herança do suor, vertido em dois mil anos,
Há de intacta chegar às novas gerações!


Nós, que somos a raça eleita do futuro,
O filho que o Senhor amou, qual Benjamim,
Que faremos de nós. . . se é tudo falso, impuro,
Se é mentira - o Progresso! e o Erro não tem fim?


Não; clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro!
Gritemos liberdade em face da opressão!
Ao tirano dizei: Tu és um carniceiro!
És o crime de bronze! — escreva-se ao canhão!


Falemos de Justiça — em frente à Mortandade!
Falemos do Direito — ao gládio que reluz!
Se eles dizem — Rancor, dizei — Fraternidade!
Se erguem a meia lua, ergamos nós a Cruz!


Digamos à Criança — O Mestre ama esta idade!
Digamos à Velhice: — Honra às vossas cãs! —
Digamos à Miséria, à Fome e à Orfandade:
É vosso o nosso lar... vós sois nossas irmãs.


Digamos a Strasburgo: "Mereces do Universo!"
Digamos... Não! Silêncio em frente de Paris...
O Amazonas que leve o nosso pranto imerso
À glória das Vestais! à herdeira das Judites.


...............................................


Ó França! deste a luz que de teu ser jorrava!
Ó França! acolhe agora em recompensa... o pão.
O Cristo no deserto os pães multiplicava,
Faça agora o milagre, ó França, o coração!


E, se acaso alta noite, em noite de invernada,
Enquanto no horizonte a chama lambe o ar,
Uma débil criança, esquálida e gelada,
Por ti, Pátria, encontrar abrigo, pão e lar...


Quando aquele inocente, a sós no campo I escuro,
Abençoar de longe os brasileiros céus
Sabe que este menino — é o símbolo do futuro!
E aquela frágil mão... oculta a mão de Deus...
 

Michelangelo, Pietá

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Valdir Rocha, Fui eu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Noite de amor


(RECITATIVO)


PASSAVA a lua pelo azul do espaço
De teu regaço
A namorar o alvor!
Como era tema no seu brando lume...
Tive ciúme
De ver tanto amor.


Como de um cisne alvinitentes plumas
Iam as brumas
A vagar nos céus,
Gemia a brisa — perfumando a rosa —
Terna, queixosa
Nos cabelos teus.


Que noite santa! Sempre o lábio mudo
A dizer tudo
A suspirar paixão
De espaço a espaço — um fervoroso beijo
E após o beijo
E tu dizias — "Não!... "


Eu fui a brisa, tu me foste a rosa,
Fui mariposa
— Tu me foste a luz!
Brisa — beijei-te; mariposa — ardi-me,
E hoje me oprime
Do martírio a cruz


E agora quando na montanha o vento
Geme lamento
De infinito amor,
Buscando debalde te escutar as juras
Não mais venturas...
Só me resta a dor.


Seria um sonho aquela noite errante?...
Diz', minha amante!...
Foi real... bem sei...
Ai! não me negues... Diz-me a lua, o vento
Diz-me o tormento...
Que por ti penei!
 

Hélio Rola

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Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Castro Alves


Noite de maio


BARCAROLA


Música da "Santa Lucia"



I


NO CÉU dos trópicos
P'ra sempre brilha,
O noite esplêndida,
Que as ondas trilha.


Do amor nas pálpebras
Acende o raio.
O noite cúmplice!
Noite de maior



II


Vê... que astros lúcidos
Na azul clareira:
São flores níveas
Da laranjeira.


De noiva chamam-te
Em cada raio.
Noiva puríssima
Do mês de maio.



III


Do vento os hálitos
Erguem-te as tranças,
Nos seios rolam-te
Em loucas danças.


São meus anélitos,
É meu desmaio.
Ó noite cúmplice!
Noite de maio!



IV


Estrela pálida,
Moça divina!
Donzela tímida
Sob a neblina!


Teu véu empresta-me,
Teu longo saio,
Para as espáduas
Da flor de maio.



V


Nas praias nítidas
Têm voz as vagas...
São bocas trêmulas
Lambendo as plagas.


O oceano lúbrico
Beija-te o seio...
Meus versos canta-lhe,
Vaga de maio.



VI


O espelho etéreo
Das nuvens nasce,
Reflete em júbilos
A tua face.


Seu riso angélico
No céu guardai-o.
Espelho límpido
Da flor de maio.



VII


Há risos tépidos
Entre as palmeiras;
Beijam-se lânguidas
Fadas trigueiras.


Da selva o cântico
Além cantai-o,
Ó gênios cúmplices
Do céu de maio.



VIII


A lua imerge-se
Na etérea zona
A fronte inveja-te,
Dela Amazona.


Fronte de mármore
Que empresta um raio
À c'roa fúlgida
Do mês de maio.



IX


No azul dos trópicos
Suspende o passo,
As horas céleres
Prende ao regaço...


Os astros ligam-me
Num louro raio!
Sê nossa cúmplice...
Noite de maio! ...
 

Ruth, by Francesco Hayez

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Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido