Florisvaldo Mattos
El
pibe maldito
Houve muitos Rimbaud no mundo (e haverá),
desde aquele fatídico dia em que o próprio
embrulhou-se com os fados por causa de Verlaine.
Charlie Parker, inflado de heroína em Camarillo,
sax em febre, já foi o Rimbaud do Jazz.
O cinema teve seu Rimbaud em Pasolini,
abrupta câmera a cerzir sem titubeios,
arrastado para o cerco da noite em Óstia.
Tu serás para sempre o Rimbaud do esporte;
de todos, do futebol nem se fala, enredado
na tristeza que sacode de julho
chão portenho.
Em teus pés a bola, planeta submisso,
rola com júbilo entre galáxias de cristal.
Merecias um conto de Borges, um poema de
Lugones, tanto tens no íntimo de espelho
e labirinto;
na face, muito de sonho, nunca de deserto,
Desertos são os que agora estão te olhando,
jamais os que te olharam e aplaudiram,
enquanto o planeta rolava, intumescido.
Agora és músculo e silêncio no vidro opaco
do sonho interrompido, estrela sob facas,
ruindo em pleno sol da manhã que tarda.
Pesadelo dentro do verde quadrilátero,
jamais aceitas linhas fora das quatro linhas.
Preso a um tris lance de dados, roleta russa,
de esquerda rolas o tambor do mundo
sem esquerda,
além dos noventa minutos (nunca mais
haverá dois tempos de quarenta e cinco
minutos no jogo fechado de teus dias)
de tua impaciência, tua estudada altivez,
que muitos chamam de arrogância,
mistério criollo de sangue ressentido.
Som de bandoneon travesso, tango nostálgico
deslizando na calçada de San Telmo,
e tudo mais que ferve eterno Buenos Aires.
Despedaçado mas íntegro como um boêmio
de província, testa enrugada, deus derreado,
de mistura com terra e vinho, caminhas
por Corrientes, Florida e La Recoleta,
filho do risco, neto do desamparo,
pronto para vôo à borda do penhasco
que iluminas. Contra ti nada podem
o tempo regulamentar e as regras centenárias.
(Copa do Mundo, after Argentina, julho de 94)
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