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            Gonçalves Dias 
 No jardim!
 
 Lembra-te o Jardim, querida!
 Lembra-te ainda da vida
 Aquela quadra florida,
 Que ali passamos então!...
 — Duas salas, um terraço,
 Poucas flores, muito espaço,
 Muita luz; mas a melhor,
 — A flor do teu coração,
 A luz do teu santo amor!
 Não tinha a casa pintura,
 O chão não tinha cultura:
 Paredes nuas, ladrilho,
 Tudo singelo, sem brilho...
 Ninguém diria a ventura
 Que ali se pudera achar!
 É porque ninguém sabia
 Que tu ali vinhas ter
 A cada romper do dia
 Como um raio de alegria!
 É que o sol no seu morrer
 Seus raios ali mandava,
 Como que nos céus fixava
 A história do amanhecer!
 — Que o ciclo da nossa vida
 Da terra oscilava aos céus,
 Na luz do amor teu, querida,
 Na luz mandada por Deus!
 
 
 E depois, se vinha a noite.
 Fossem trevas ou luar,
 — Como em sonhos prazenteiros,
 Como em mágicos luzeiros,
 Do infinito pelos campos
 Se ia minha alma a vagar!
 — São menos os pirilampos
 No bosque — à noite! — as estrelas
 Nem tantas são, nem tão belas
 Como os doces devaneios,
 Desejos, temor, receios,
 Daquele ameno cismar!
 Vivia! estava desperto!
 Eu contigo me entretinha;
 Tu ali estavas — bem perto,
 A voz te ouvia que vinha
 De amor minha alma inundar!
 Mais formoso que tal sonho
 Era só meu acordar,
 Vendo teu rosto risonho,
 Vendo nele do meu sonho
 A imagem se desenhar!
 — Ouvindo-te a voz macia
 Baixinho pronunciar
 Frases de amor, de poesia,
 Que ninguém pudera achar!
 
 
 Crê-me! a infanta portuguesa,
 De Inglaterra a princesa,
 Laura, Elvira, Beatriz,
 Nos cantos de ilustres bardos
 Só — foram grandes: tu, não!
 Distinta por natureza
 No sentimento rainha,
 A poesia te vinha
 Sublime, estreme, feliz,
 Traduzida em gesto brando,
 Ou d'alma plena brotando
 Do abundante coração,
 Ampla, caudal como um rio,
 Como pérolas em fio
 A granizarem no chão!
 
 
 Aquelas vivem eterno
 Na história do seu amor!
 Em trono de luz sentadas,
 C'roadas de resplendor!
 Mas, quem dirá o que foste!
 O que és ainda — talvez!
 Se estas pobres folhas soltas
 Nem chegarão a teus pés?!
 
 Manaus - 17 de junho de 1861.
 
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