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Mário Hélio 

Poussin, The Empire of Flora

   

 

 

 


Quinto grito: Logomaqui


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Leonardo da Vinci, Embrião

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

 

 

 

 

 

 

Rubens, Julgamento de Paris

 

 

 

Mário Hélio


 

I (Geneanalogia)


no princípio
era o inverno
e o inverno era a chuva
e a chuva era a água
e a água era o sol
e sol era vento
e vento era deus


no princípio
era o verão
e o verão era o sol
e o sol era a chuva
e a chuva era o vento
e vento era água
a água era deus.


no princípio
era a primavera
e a primavera era a primeira flor
e a flor era o vento
e o vento era água
e água era sol
e sol era deus.


no princípio
era o outono
e o outono era o fruto
o fruto não era água
não era sol
não era vento
o fruto era terra
e a terra não era deus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mário Hélio


 

II (Véu)


estou boiando em dDeus,
dançando, rodopiando...
nas andas ando ao léu
profundo.
estou deitado em dDeus,
caminhando, claudicando
até juntar-me ateu
ao fundo.


adormecido eu sonho dDeus
monstro bonito e execrando,
não sei como notei o rosto seu
nem quando.
aguardo as vestes para um novo ser
que ser-me-á se semeando
a quietude de perceber
no afã do...


ele existe tanto que me espanto
com a sua existência por nascer,
por terminar e por ser ser
e mundo.

 

 

 

Ticiano, Flora

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Deise Assumpção

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mário Hélio


 

III (Vislumbre)


nos gerais do calvário
eu vil visionário
espio da janela nenhuma
a flor que nascera
no lugar da cruz
estrela ocasional
de uma primavera
sem desabrochar
ruma
para uma galáxia no além


(o sol queimando o rosto
e eu imerso em desgosto
procurando alguém)

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

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Maria Consuelo Cunha Campos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mário Hélio


 

IV (Túmulos)


navegante à praia nenhuma,
vê se aventura, a ventura, a ave
não voe pra distante diante dos teus olhos
óc’los preciosos e imprecisos
podes fazer caso combater com a vida
mas não é preciso
tudo o que é preciso
é atentar no tempo
é atender à vida ao seu brado mudo
mundo doentio cuja infecção cura os nossos males
mortos mais que vivos
podes caminhar porque espaço há
mas não é preciso

 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Clotilde Tavares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jacques-Louis David (França, 1748-1825), A morte de Sócrates

 

 

 

 

Mário Hélio


 

V (Rapsódia)


viajaram os iconoclastas, protomártires da loucura,
ontem, nave, astro:nave de suavíssimo furor
em busca dos prótons de marte -- natura
desconhecida -- terra prometida do Senhor

 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

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Rosa Alice Branco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Benjamin West, Death on a Pale Horse

 

 

 

 

Mário Hélio


 

VII (Idílio antigo)


tomarás a estrada que te leva ao pouso
único e teu e não de cada um.
esses tipos esquisitos que encontras
provarão que existem, nada mais.


e te revestes sob a aparência de sono
enlanguescido, sob o aspecto de abandono.
porém, despertamento absorto é o teu sono
e é contemplação o que parece abandono.


nascerás para breve compreender
que era tudo comum quando nascia,
e é difícil de fácil compreender
como e quando era o que nascia.


mas não penses na vida... muitos o fizeram
e se encantaram, deflagraram guerra ao vento.
tua arma é a palavra do silêncio... muitos se fizeram
como fortes, homens... mas tu és somente vento.

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, David, detalhe

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Maria Georgina Albuquerque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal de Filosofia

 

 

 

 

Mário Hélio


 

VIII (Os frutos do sangue)


se me tenho é com receios
de não me possuir
se me possuo
é puro enleio de sentir.


eu moro invernos nalma
pejada de escolhos.
se o mundo não me acalma
é porque o não escolho.


serpentes enroladas
do húmus redivivo
tudo é cativo e escada
dos sentidos


se vejo-me e me iludo
pensando-me eterno
é só porque eu cuido
ser mudo o mundo externo.


um dia que eu vagava
nas plagas de um planeta
eu vi além das vagas
uma saturnal floresta


a chuva borrifava
rorerar porejante
ferida que era clava
escravo e atacante


gladiador longínquo
perdiz país-projeto
o sangue vil e tinto
extinto no abjeto


esse querer infecto
de impurezas
é o coito e o incesto
da tristeza


trilhei mundos e planos
além dos que trilhei
o que reti foram enganos
o resto não guardei


se vim foi pra partir
se fui foi pra voltar
até me repartir
até me revoltar


com medo e raiva de mim
no sangue a boiar
no sangue que eu bebi
o aboio e o guaiar


morri já tantas vezes
sem o saber que fiz
o céu o campo e a rede
são meu único país


e morto porque vivo
não sei me relembrar
tudo termina o tido
ao obtido pesar


segui meu passo um dia
cansei de me seguir
por isso em certo dia
me esqueci


salvem fracos velhos fortes
e os que não se salvarão
tenho a mim e a minha morte
pra servir de batalhão

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

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Inez Figueredo

 

 

 

11.05.2006