Marta Gonçalves
O retrato de Biel
(Em memória do Poeta e Professor
Gabriel Archanjo de Mendonça)
Vestia o inverno, na foto marcando viagem. Os olhos vinham das
águas, do rio, dos pássaros que voavam em seu corpo. A voz cantava
uma canção. Canção embrenhada na distância. No silêncio, a risada de
Biel. Existia um olhar aberto à procura dos seres que formavam o
caule da vida. Reencontro de amigos. O mistério do espírito se
preparando ao hiato da ausência. Biel desenhava no porão. Os olhos
em vigília. Olhava os campos calcinados, onde borboletas secas
dormiam. Biel, inflexão do corpo criando versos de origem, criando
grãos no espaço. Biel menino. Ah, os cabelos de Biel! O canário nos
dedos trazia o sol. Biel, viajante de tudo que já foi visto. Rindo,
rindo, rindo, do barco à espera. Tantas flores chegando. A festa de
Biel
O desamparo arrastando o sino. Formigas retalhando memórias. O
desgaste no oco dos olhos. Poemas guardados em álbuns amarelados,
trazendo emoções. Fazia frio no dia 31 de julho de 1996. Tarde de
Biel. De poemas. À margem da praia distante vejo o texto crescendo.
Uma flor azul entre as pedras dorme o fim. Biel menino, poeta,
desenhista, cantor de canções perdidas. Nada explica o professor do
vento da velha São João Nepomuceno.
Leio sua poesia, vejo o retrato vestido de inverno. Encarno a
geografia de sua vida. O vôo não foi rasteiro. Plantaram a semente.
Depois o pânico do silêncio. Lá fora a chuva marca o nascimento do
poeta.
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